Cadeia Velha: MPF pede condenação de Picciani, Melo e Albertassi
Em fase de alegações finais, TRF2 julga processo sobre esquemas de corrupção envolvendo lideranças da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro
Rio de Janeiro|Bruna Oliveira, do R7
O MPF (Ministério Público Federal) pediu à Justiça que os ex-presidentes da Alerj (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro) Jorge Picciani e Paulo Melo e o ex-líder do governo Edson Albertassi (MDB) sejam condenados com penas elevadas (10 anos de prisão, no mínimo) no processo da operação Cadeia Velha. Os três respondem pelos crimes de corrupção passiva, organização criminosa e lavagem de dinheiro.
Deputados presos em Operação Cadeia Velha prestam depoimentos
As alegações finais do MPF e dos réus serão analisadas pelos seis desembargadores da 1ª Seção do TRF2 (Tribunal Regional Federal da 2ª Região) ainda sem data definida.
A operação Cadeia Velha investigou esquemas de corrupção envolvendo lideranças da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, uma construtora e também empresas de ônibus. De acordo com o MPF, as práticas ilegais ocorreram por décadas e de forma reiterada, e com agravantes, como o uso dos mandatos de deputados estaduais, para liderarem uma organização ao lado do ex-governador Sérgio Cabral.
"Os acusados assumiram posição de blindagem dos interesses de grupos que os financiavam, agindo não por razões partidárias ou ideológicas, mas por ganância", afirmam os procuradores regionais Andréa Bayão, Carlos Aguiar, Mônica de Ré, Neide Cardoso de Oliveira e Silvana Batini, do Núcleo Criminal de Combate à Corrupção da MPF na 2a Região (RJ/ES).
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Em nota, o MPF destacou que havia notícias de propinas pagas em esquema com as empresas de ônibus no Estado desde os anos 1990. Mas as investigações se concentraram em um período mais recente devido à dificuldade em coletar provas de crimes antigos, que poderiam estar prescritos.
Nas alegações, o MPF citou ainda pagamentos esporádicos desde o primeiro mandato de Cabral (2007-2010), quando Melo era líder do governo e a Alerj era presidida por Picciani, que mesmo em anos sem mandato (2011-2014) recebeu recursos a título de "dividendos de serviços prestados" nos termos de corruptores.
Outro lado
A defesa de Edson Albertassi informou que "as alegações finais do MPF desconsideram todas as provas colhidas, que interpretam os fatos e insistem cegamente na condenação de um inocente".
A assessoria de Paulo Melo afirmou que a defesa está preparando e apresentará suas alegações finais.
O R7 também tentou contato com os advogados de Jorge Picciani, mas eles não responderam às ligações até o fechamento desta nota.
Esquema com construtora
De acordo com as investigações, a construtora Odebrecht atendeu aos pedidos de pagamentos para Picciani (identificado como "Grego" no sistema), sendo R$ 11,1 milhões pagos de 2008 até 2014, e Melo ("Maria Mole"), com R$ 1,4 milhão pago entre 2010 e 2014.
Segundo o MPF, os deputados davam apoio político a demandas e interesses da construtora, responsável por projetos bilionários em execução no estado.
Os ex-presidentes da Alerj serão julgados por cometerem de forma continuada o crime de corrupção passiva (seis vezes no caso de Picciani e cinco para Melo). O Código Penal prevê pena de até 12 anos de prisão por corrupção passiva, sendo que a modalidade qualificada (crime continuado) pode elevar cada pena entre um sexto e dois terços.
Entre os documentos inseridos nas alegações finais, constam comprovantes de depósitos bancários e e-mails trocados entre réus por corrupção passiva e ativa. Extratos bancários e depoimentos ouvidos no Tribunal e no MPF confirmaram que, em 2010, houve pagamentos para operadores atuando em nome de Picciani, por meio de contas nas Ilhas Virgens e no Panamá, a pretexto de doações eleitorais não oficiais (ele presidia o PMDB-RJ e se candidatou ao Senado naquele ano).
Procurada por e-mail, a assessoria de imprensa da Odebrecht respondeu que a empresa continua colaborando com a Justiça e reafirma o seu compromisso de atuar com ética, integridade e transparência.
Crimes envolvendo empresas de ônibus
Ao apurar o esquema entre os políticos da Alerj e a Fetranspor (Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado do Rio de Janeiro), o MPF identificou atos de corrupção cometidos pelos três deputados réus da operação Cadeia Velha. No caso de Picciani, houve duas formas de pagamento pelas empresas de ônibus: repasses somando R$ 49,9 milhões entre 2010 e 2015 como contrapartida por atos de ofício (34 crimes de corrupção passiva qualificada) e pagamentos de R$ 18,6 milhões em 2016 e 2017 (ao longo de 14 meses) em retribuição a atos funcionais com desvio de finalidade (14 crimes).
Melo será julgado por 25 crimes de corrupção ligados ao recebimento de ao menos R$ 54,3 milhões entre 2010 e 2015 (mais de R$ 15,6 milhões do total foram intermediados por Cabral). Albertassi dissimulou pagamentos mensais recebidos de 2012 até 2014 e que somaram mais de R$ 1,7 milhão. Para tanto, usou um falso contrato de publicidade entre a Fetranspor e três rádios de sua família: a Energia (88FM, de R$ 8 mil a R$ 20 mil por mês), Boas Novas e Adore (1320AM e 90,5FM, R$ 20 mil mensais, cada).
Para o MPF, os serviços prestados pelos deputados à Fetranspor incluíram obstáculos à abertura da CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) dos Ônibus, criada depois para cumprir ordem judicial, e proposições legislativas como a retirada da emenda de projeto de lei que tornaria obrigatório ter cobradores nos ônibus. "A obrigatoriedade da função de cobrador é manifestamente contrária aos interesses dos empresários do setor de ônibus por razões claras, já que deságua no aumento no quadro de funcionários; demanda adaptações nos veículos, entre outras", ressaltou o MPF nas alegações finais.
Em nota, a Fetranspor informou que passa por uma profunda reestruturação e "desconhece o teor de delações que se referem a fatos supostamente ocorridos antes da posse do novo corpo administrativo". A federação destacou que permanece à disposição das autoridades para prestar os esclarecimentos necessários às investigações.