Resumindo a Notícia
- Candidatos do último concurso da PMERJ, de 2014, pedem anulação de questões de história
- Após sete anos, total de 6 mil vagas ainda não foi preenchido, mas governador negou convocação
- Laudo pericial independente aponta problemas em questões e desrespeito ao edital
- PMERJ afirma que vem cumprindo decisões judiciais referentes ao concurso
Candidatos pedem anulação de questões há 7 anos
Reprodução/Redes sociais-COCO concurso de soldados da Polícia Militar de 2014 foi o último realizado para a instituição no Rio de Janeiro. Mesmo após sete anos, o total de 6.000 vagas ofertadas não foi preenchido. Além da demora para a convocação de aprovados, pelo menos quatro das cinco questões de história teriam apresentado problemas.
A prova foi elaborada por uma banca sem licitação, que já respondia a processo em Minas Gerais.
Com questões copiadas da internet e com mais de uma resposta correta, 1.349 candidatos que alcançaram a média de aprovação, mas zeraram a disciplina de história, foram automaticamente desclassificados do concurso. Com a desclassificação, esses alunos não tiveram as redações corrigidas.
O problema refletiu em um baixo número de aprovados no concurso daquele ano. Do total de 105.587 inscritos, apenas 10.693 foram aprovados. Em meio aos trâmites do processo, alguns candidatos conseguiram a anulação de três questões de maneira individual (interpartes). Dois deles já iniciaram o curso de formação.
No entanto, os demais inscritos ainda buscam a garantia do princípio de isonomia previsto no edital. Em tese, a anulação de questões deveria valer para todos.
Além de problemas com a disciplina de história, a banca examinadora anulou, na época do concurso, duas questões de português, uma de sociologia e uma de informática, que também era copiada da internet.
Busca por direitos
O autônomo Alisson Nascimento, de 37 anos, está a frente do movimento que luta pela anulação das questões de história. Ele foi um dos mais de 1.300 candidatos prejudicados pela disciplina.
“Estou há sete anos tentando entrar na Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro. Com a pontuação que eu tenho, era para estar na primeira ou na segunda turma, mas estou ‘aqui fora’ procurando um emprego melhor”, conta.
Alisson trabalhava com eventos, mas foi afetado pela pandemia da covid-19. Até fazer o exame de 2014, ele havia estudado por quatro anos para o concurso. O líder do movimento somou 21 acertos, mais que o mínimo necessário para a aprovação (20 acertos), mas foi desclassificado por errar as cinco questões de história.
“São sete anos que ninguém olha pra gente, nem deputado, nem polícia, nem governo. Eles simplesmente ignoram a gente. Fomos reprovados por irregularidades já comprovadas”, ressalta Alisson, que busca os direitos na Justiça.
Candidatos de 2014 montam Comissão Organizada de Concurseiros para pedir direitos
Reprodução/Redes sociais-COC“Hoje, temos quase 100 candidatos que ganharam na Justiça e fizeram todas as etapas, mas a polícia ainda não os chamou para o curso de formação”, afirma o líder da COC (Comissão Organizada de Concurseiros da CFSD PMERJ 2014). “Algumas liminares caíram e, com isso, o candidato volta a lutar no Judiciário, nas instâncias superiores”, conclui.
Perícia de questões
Em 2016, a pedido da 1ª Vara de Fazenda Pública da Comarca da Capital, o perito Luís Reznik, especialista em história, analisou quatro questões da disciplina no concurso público de admissão ao Curso de Formação de Soldados da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro, realizado
em 31 de agosto de 2014.
O R7 teve acesso ao laudo pericial. De acordo com o documento, os três livros do conteúdo programático “são reconhecidos como de boa qualidade pelos professores e pesquisadores do ensino da história”, mas somente um deles ainda está à venda atualmente, os demais apenas em ‘sebos’.
Ao final das considerações realizadas, questão a questão, o especialista concluiu que as questões 21, 22 e 24, da prova azul da disciplina história, deveriam ser anuladas. A primeira possui duas respostas corretas, a segunda é mal formulada tecnicamente e a terceira está fora do conteúdo programático do edital, conforme análise.
Laudo pericial confirma inconsistências em questões de concurso da PMERJ 2014
Reprodução/TJ-RJO documento pericial tratou do caso de um candidato e recebeu uma decisão favorável em caráter liminar. O candidato teria conseguido se matricular no Curso de Formação de Soldados (CFSd/2014) em 03 de outubro de 2018, mas uma decisão judicial final negou o ingresso dele, um mês depois.
O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro informou que o processo foi remetido ao Superior Tribunal de Justiça em atenção ao agravo do recurso especial interposto na 3ª vice-Presidência do TJ-RJ.
Laudo como prova emprestada
As conclusões do laudo pericial, no entanto, serviram como prova para outros alunos, incluindo os que conseguiram ingressar no curso de formação posteriormente.
No dia 25 de agosto de 2021, Alisson Nascimento conseguiu um parecer favorável à anulação das questões de história no Supremo Tribunal Federal, utilizando a perícia de Reznik como prova emprestada. No parecer, o líder da COC pede que o Judiciário reconheça seu direito de ter a prova reavaliada, tendo os pontos referentes às questões anuladas em processos promovidos por outros candidatos, com a consequente correção da redação que fez.
Segundo o STF, “não há como desconhecer a força de sua pretensão”. O texto a seguir foi assinado por Eitel Santiago de Brito Pereira, Subprocurador-Geral da República:
“A leitura dos precedentes transcritos revela que assiste razão ao recorrente. A anulação de questões da prova objetiva do concurso deve, em respeito ao princípio da isonomia e ao próprio Edital, favorecer a todos os concorrentes. Neste contexto, o parecer, salvo melhor juízo, é pelo provimento do recurso ordinário em mandado de segurança”.
Trâmites na Alerj
Quando chegou à Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, em 2019, o deputado estadual Giovani Ratinho (PROS) esteve a frente de audiências públicas sobre concursos dos Bombeiros de 2012, 2014 e 2015, da Seap (Secretaria de Administração Pública) de 2003, 2006 e 2012, além do concurso para PMERJ de 2014. O parlamentar também organizou conversas com o ex-secretário da Polícia Militar, Rogério Figueredo.
Deputado Giovani Ratinho na formatura de concursados de 2014, em 16 de agosto deste ano
Reprodução/Redes sociais-Giovani RatinhoEm conversa com o R7, Giovani disse acreditar que os alunos desclassificados conseguirão rever as questões referentes à disciplina de história. “Não está difícil resolver isso. Assim como eu ajudei em outros concursos, tenho fé que eles [candidatos da PMERJ] vão conseguir”, afirmou Ratinho.
Em maio de 2021, foi aprovado o projeto de lei Nº 2614/2020, que autorizaria a convocação de todos os aprovados no concurso para admissão ao curso de formação de soldados da PMERJ. A justificativa expôs a demora no chamamento dos aprovados e a necessidade de suprir o atual déficit de servidores públicos na segurança pública no estado.
Em agosto, uma sessão no Plenário, com o relator Márcio Pacheco (PSC), autorizou o Poder Executivo a fazer a convocação. No entanto, um mês depois, o governador Cláudio Castro barrou a PL.
No veto, Castro afirma que “a medida usurpou de forma clara a competência privativa do Chefe do Poder Executivo para dispor sobre o tema”, sendo inconstitucional. Segundo determinação:
“É inconstitucional a lei que, de iniciativa parlamentar, conceda ou autorize conceder vantagem pecuniária a certa classe de servidores públicos (ADI 3176)”.
Posicionamento da PMERJ
Procurada pelo R7, a Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro enviou nota sobre o concurso de 2014. Segue, na íntegra:
“A Assessoria de Imprensa da Secretaria de Estado de Polícia Militar informa que, inicialmente, quanto aos candidatos avaliados pela referida comissão com vistas à continuidade no certame, estes obtiveram decisões judiciais favoráveis apenas aos autores das respectivas ações judiciais, ou seja, a decisão teve efeito interpartes (não extensivo aos demais candidatos).
Ao contrário das alegações apresentadas, as questões anuladas foram extensivas a todos os candidatos do concurso. A banca examinadora do concurso ao CFSD/2014 (Exatus) apenas entendeu serem passíveis de anulação 04 (quatro) questões, as quais já foram computadas a todos os candidatos, conforme cópia do DOERJ Nº 189 de 09/10/2014 contendo o gabarito oficial e questões anuladas.
Ainda existem vagas remanescentes do concurso de 2014 a serem preenchidas, as quais serão ocupadas pelos candidatos aprovados regularmente, respeitada a ordem classificatória e o número de vagas ofertadas.
Cabe acrescentar que alguns candidatos, individualmente, conseguem por via judicial a anulação das questões que pleiteiam, sem que, com isso, essa decisão se estenda aos demais.
O laudo pericial enviado refere-se ao caso particular de um candidato que, neste processo, recebeu uma decisão favorável em caráter liminar, tendo sido matriculado no Curso de Formação de Soldados (CFSd/2014) em 03/10/2018. No entanto, em 03/11/2018, houve uma decisão judicial final contrária às pretensões do candidato, quanto ao direito de matrícula no referido curso.
Vale destacar que o comando da Corporação vem cumprindo impreterivelmente todas as decisões judiciais proferidas relacionadas ao referido certame".
Caso conseguissem a anulação das questões, os candidatos ainda passariam pela correção da redação, exame psicotécnico, exame antropométrico, exame toxicológico, teste físico, avaliação médica e, por último, uma pesquisa documental e social.
No próximo dia 19 de outubro, a COC se reunirá em frente ao Palácio Guanabara, em Laranjeiras, às 9h. A manifestação pedirá a garantia da isonomia.
*Estagiária do R7, sob supervisão de PH Rosa