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Jovem morador de São Gonçalo faz vaquinha virtual para mestrado na Hungria

João Raphael Martins da Silva Gil, de 22 anos, é órfão e bolsista na universidade em que estuda

Rio de Janeiro|Do R7*

João faz vaquinha para avançar mais uma etapa na vida acâdemica
João faz vaquinha para avançar mais uma etapa na vida acâdemica

O jovem morador de São Gonçalo João Raphael Martins da Silva Gil, de 22 anos, está prestes a iniciar um curso de mestrado em Relações Internacionais na Hungria, mas a história do rapaz até aqui não foi fácil. Com bolsa de 50% na instituição de ensino, João criou uma vaquinha virtual para arrecadar o dinheiro necessário para arcar com todas as despesas restantes do curso.

— Na verdade, eu criei a vaquinha descrente. Recebi a resposta da faculdade [na Hungria] e cinco minutos depois estava falando com os professores que me ajudaram. Agradeci, mas falei que não sabia se conseguiria ir por causa das condições financeiras. Aí eles recomendaram fazer a vaquinha. Não imaginei a proporção que iria tomar.

João explica que decidiu o valor estipulado para não correr o risco de perder alguma quantia.

— Primeiro pensei em colocar R$ 4.000, mas botei R$ 12 mil, que é metade do que preciso. O site fica com uma porcentagem do valor, então eu não botei R$ 24 mil porque se eu não conseguisse bater [a meta], a porcentagem do site aumentaria e chegaria a 20%. Aí foi um valor de precaução.


Até a publicação desta reportagem, João já tinha conseguido mais de R$ 15 mil, com a ajuda de 169 pessoas. A campanha ainda irá durar por mais 12 dias. Como o valor só cobre a despesa acadêmica, o rapaz procura, via internet, algum emprego em Budapeste para pagar moradia e alimentação. Antes de viajar para a Hungria, ele também irá trabalhar nas Olimpíadas e pretende juntar alguma quantia.

Trajetória de vida


Há cerca de quatro anos, João mora sozinho em uma casa na cidade da região metropolitana, próximo da casa da avó. No fim de 2012, sua mãe foi vítima fatal de um acidente de carro, enquanto ia de um trabalho para outro. Para sustentar o filho, a enfermeira trabalhava em quatro locais diferentes e foi a primeira pessoa da família a concluir ensino superior.

— O exemplo que eu tenho vem da minha mãe. Quando vi algumas pessoas dizendo que eu era exemplo, pensei "caramba!". Até então, na minha cabeça, eu fiz o que tinha que ser feito pela minha mãe. Já que é para ser um exemplo, que inspire outros a “meterem” a cara no mundo mesmo. Milton Santos dizia que é difícil ser negro e intelectual no Brasil. Não tenho a pretensão de ser um Milton Santos, mas sei que é muito difícil ser negro no Brasil e um dia espero saber as dificuldades de ser um intelectual, mas sem deixar de olhar de onde vim. Minha história não é um exemplo de meritocracia.


João explica a recusa em ter sua história como exemplo de meritocracia. Ele acredita que as oportunidades que lhe foram dadas ao longo da vida deveriam ser iguais para todos, e não exceção, como foi para ele.

— Estavam discutindo que [a minha história] é meritocracia, mas entenderam errado. Eu disse que sou uma exceção porque não são todos os negros pobres da periferia que vão ter as oportunidades que eu tive ao longo da vida.

Órfão de pai desde os 11 meses de vida, João começou a trabalhar cedo para sustentar o sonho de estudar Relações Internacionais. Cursou o ensino médio e a graduação com bolsas em instituições particulares. Em 2014, foi selecionado para representar o Centro Universitário La Salle em um Programa de Liderança Global, realizado em Barcelona, na Espanha. Foi a primeira e única vez, até agora, que João saiu do Brasil. Durante a viagem ele realizou o sonho de conhecer Paris, capital da França.

— Me interessei pelo curso ainda no Ensino Médio, só que eu tinha a barreira das línguas. Então fui procurar emprego para pagar os cursos. Fiz um curso de logística e comecei como aprendiz na área. Antes disso, trabalhei como vendedor e panfletista.

Desta forma, João já aprendeu inglês, espanhol e francês. A primeira é a língua fundamental para o curso de Relações Internacionais, e o interesse pelo francês surgiu ao participar da conferência Rio+20, em 2012, onde poucos falavam o idioma. Agora, o desejo do jovem é mudar um pouco o cenário nas turmas de mestrado na Central European University.

— Nas fotos antigas da turma do mestrado, não tem negro. Este ano vai ter um negro. Mas não deveria ser assim, deveria ser normal. Deveria ter oportunidades iguais, e todo mundo conseguiria chegar lá.

*Lola Ferreira, do R7 Rio

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