Mãe de aluno morto diz dormir com frase: 'Eles não viram o uniforme?'
Uma semana após Marcos Vinícius ter sido atingido por uma bala no Complexo da Maré, família entra com ação contra o Estado
Rio de Janeiro|Fabíola Perez, do R7
Bruna terminava de retocar a pintura da sobrancelha em frente ao espelho quando ouviu a rajada de tiros atingir as favelas do Complexo da Maré, no Rio de Janeiro. Em poucos minutos, a tranquilidade de quem se aprumava para sair se transformara em pânico e desespero. Não bastasse a operação policial que ocorria na região da Vila dos Pinheiros, Bruna recebia a notícia de que seu filho, Marcos Vinicius da Silva, de 14 anos, havia sido baleado pelas costas por um blindado a poucos metros de casa.
No pronto-socorro, ao se encontrar com a mãe, Marcus Vinicius chegou a balbuciar algumas frases. Entre elas, a pergunta “mão, mas eles não viram que eu estava de uniforme” repercutiu por todo o País. Uma semana após a morte de Marcus Vinicius, Bruna afirma ao R7 que ainda dorme com as palavras do filho na cabeça. Para ela, não há dúvidas: “o Estado que entrou e matou meu filho.”
Representada pelo advogado João Tancredo, o mesmo que atuou no caso do pedreiro Amarildo, morador da Favela da Rocinha, no Rio de Janeiro, que desapareceu depois de ser levado por policiais militares à sede da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) para prestar esclarecimentos, Bruna afirma que entrará com uma ação contra o Estado. “Estou transformando meu luto em luta”, diz.
Fechada há uma semana, a escola em que Marcus Vinicius estudava organiza nesta quarta-feira (27) uma manifestação no Complexo da Maré para homenagear o garoto e cobrar respostas da Justiça.
Carinhosamente chamado pela família de “moleque travesso”, Marcus Vinicius começava a substituir a bola e a pipa pelas saídas e namoradinhas. Segundo Bruna, o filho começou a estudar com 4 anos e sempre no Complexo da Maré.
No dia em que foi baleado, Marcus Vinicius acordou mais tarde do que o habitual. Pulou da cama às 8 horas da manhã, se arrumou e foi até a casa de um amigo para, juntos, caminharem até a escola. “Como o amigo também tinha acabado de acordar, chegaram à conclusão que não daria mais tempo de irem para a aula”, diz Bruna.
Assim, segundo a mãe, o amigo de Vinicius o acompanharia novamente até sua casa para tirar o uniforme. A poucos metros de casa, porém, uma bala interrompeu o trajeto e tirou a vida do garoto. Além dele, mais seis pessoas morreram naquela manhã durante a operação que contou com o apoio do Exército para cumprir 23 mandatos de prisão.
Sonhos interrompidos
Tempos atrás, outra operação policial no Complexo da Maré estimulou em Vitória, irmã de Vinicius, de 12 anos, o desejo de ser policial. “Ela viu uma mulher saindo de um carro da polícia e falou ‘olha, mãe, que bonita, que poderosa, também quero ser policial”, diz Bruna.
Hoje, inconsolável, a jovem Vitória é mais uma a buscar motivos para terem tirado a vida do irmão. Vinícius também era conhecido na comunidade por vender biscoitos. “Ele vendia inclusive para policiais de viaturas que passavam pela Maré”, diz Antônio Carlos Costa, coordenador da ONG Rio de Paz.
“Meu filho chegava da escola e ia para a linha vermelha vender biscoito e guaraná”, diz a mãe. “Ele olhava pela janela e quando via a linha vermelha engarrafada saia correndo para vender. Não gostava que ele ficasse nessa vida, morria de medo que ele fosse atropelado”, diz Bruna. Ao contrário da irmã, que já pensava na profissão que gostaria de seguir, Vinícius dizia, segundo a mãe, que queria trabalhar.
Notícias falsas
Dias após a morte de Marcos Vinicius, supostas fotos em que ele estaria segurando fuzis foram disseminadas na internet. Ao R7, Bruna diz que não é seu filho nas imagens. “Saiu muita coisa inverídica. Não me lembro de ter parido um traficante”, diz. “É só observar bem, Marcus Vinícius era todo franzino e esse rapaz das fotos é mais forte”, afirma.
Em respostas às acusações, a ONG Maré Vive se manifestou por meio de redes sociais: “Algumas pessoas e páginas em redes sociais, tem difundido imagens de um garoto segurando uma pistola, dizendo que se trata de Marcos Vinicius, o adolescente que foi assassinado pela polícia durante a última incursão aqui na favela.”
A ONG escreveu também: “como se isso justificasse ou mudasse o fato de que ele foi morto covardemente por policiais que estavam dentro do Caveirão. (...) Nosso problema não vai ser resolvido na bala. Além de ser uma mentira deslavada o que estão fazendo com o rapaz, é crime compartilhar tais informações.”
Bruna confessa que depois de ter perdido o filho pensa em deixar a Maré. “Sinto vontade de me mudar pela minha filha, as lembranças machucam muito”, diz. “Vinícius gostava muito de morar na comunidade, foi criado sempre aqui”.
Além de lutar por justiça, Bruna tem passado os últimos dias doando as roupas do filho. “Estou guardando só as fotos”, diz. As únicas peças que Bruna ainda não mexeu são nos uniformes. A roupa, que ficou encharcada de sangue na quarta-feira (20) virou sua maior bandeira de luta.