Moradores da Baixada são os que mais saem da cidade para trabalhar
Estudo aponta que 60% da população de Mesquita tem emprego em outro município; as cinco primeiras cidades do levantamento ficam na Baixada
Rio de Janeiro|Lucas Ferreira e Vinícius Andrade, do R7*
Elisângela Almeida, de 28 anos, mora em Queimados, na Baixada Fluminense. A jovem, mãe de uma menina de 5 anos, acorda às 3h40 para começar uma jornada entre todas as zonas da cidade do Rio de Janeiro: norte, oeste e sul. O dia da estudante de jornalismo só acaba às 22h30, quando finalmente chega em casa.
Um estudo da ONG Casa Fluminense identificou que a rotina de Elisângela é comum entre os moradores das cidades da Baixada Fluminense. A população desta região é a que mais precisa sair de seu município para encontrar oportunidades de emprego.
O levantamento aponta que 60% da população de Mesquita precisa ir até outra cidade para trabalhar. Fecham as cinco primeiras posições deste ranking Japeri (55%), Belford Roxo (52%), Nilópolis (52%) e Queimados (50%).
Para chegar às 7h na PUC (Pontifícia Universidade Católica), Gávea, zona sul do Rio, Elisângela precisa pegar um ônibus de sua casa até a estação de trem, onde pegará uma composição para a capital, às 4h20. Já no centro econômico e financeiro do segundo Estado mais rico do Brasil, a estudante pega mais um ônibus para chegar ao seu primeiro destino final.
“Parece doido o horário, mas se não for assim acabo me atrasando porque não dá pra contar muito com o transporte público. Ele não costuma ser pontual”, desabafa Elisângela.
De acordo com a engenheira civil e integrante do ITDP (Instituto de Políticas de Transporte & Desenvolvimento) Beatriz Rodrigues, é necessária uma maior integração entre os modais para que pessoas, como Elisângela, não passem tanto tempo se deslocando entre casa, universidade e trabalho.
“A rede de transporte público tem que ser pensada para trazer benefícios, para aprimorar sua integração. O ideal é que cada modo de transporte seja integrado para quando uma pessoa que sai de Queimados não pegar três conduções, usando três tipos de transporte públicos que não são integrados”, disse Beatriz Rodrigues.
Apesar de ficar cerca de 18 horas fora de casa, Elisângela só parou para fazer as contas de quanto tempo fica na rua ao ser entrevistada pelo R7. A rotina agitada da estudante não permite que ela tenha as oito horas de sono recomendadas pela OMS (Organização Mundial da Saúde), o que causa impactos a curto, médio e longo prazo.
Segundo a doutora Lucia Joffily, coordenadora do ambulatório de medicina do sono do Hospital Universitário Gaffrée e Guinle da Unirio (Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro), o sono é responsável por restaurar a capacidade física e mental do ser humano, ajudando a evitar doenças do coração e até mesmo a depressão.
“Passamos um terço da vida dormindo justamente para nos recuperarmos física e mentalmente do desgaste diurno. Portanto, a privação de sono pela diminuição de horas dormindo à noite pode gerar transtornos de saúde como: irritação, dificuldade de concentração, déficit de memória, baixa imunidade, distúrbios metabólicos, aumento de chance de desenvolver doenças cardiovasculares, entre outras”, disse Lucia Joffily.
Dados divulgados pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) em 2012 classificaram o morador da região metropolitana do Rio de Janeiro como o que leva o maior tempo de deslocamento entre casa e trabalho no país. Em média, o fluminense gasta de duas a quatro horas para ir e voltar de seu emprego.
Esse longo tempo no transporte público, aliado às curtas noites de sono, tornam comum a cena de passageiros dormindo em ônibus, trens e metrô. Entretanto, Lucia Joffily alerta que o hábito não serve como alternativa saudável.
“Dormir no transporte ou em outros locais não substitui o sono noturno. Existe um relógio biológico que é regulado pela luz, por estímulos externos e hormônios liberados pelo nosso corpo, o que faz com que todo nosso metabolismo tenha hora certa para ser ativado. Os cochilos diurnos podem ser saudáveis e necessários, mas não substituem o sono noturno”, conclui a médica.
97% das mulheres falam que foram vítimas de assédio nos transportes
Com uma rotina desgastante, o período que Elisângela passa com a filha Eloah é curto e raro. Os momentos são quase restritos aos domingos, único dia livre na agenda da estudante. “Como minha filha ainda me ama eu não sei, porque eu passo realmente muito pouco tempo com ela. Digo sempre que tenho sorte por ela ser tão nova e já entender o motivo de eu ficar tão pouco tempo em casa.”
Assim como Elisângela, as mulheres são uma das que mais sofrem com a falta de infraestrutura no transporte público, segundo Beatriz Rodrigues. “A mulher não tem o deslocamento linear, similar ao homem. Ela acaba se deslocando para deixar o filho na escola, ir ao mercado, enfim, várias outras funções. E a falta de transportes adequados só dificulta a vida delas.”
Mas infelizmente esses não são os únicos desafios enfrentados por elas. A estudante conta que em uma das idas ao trabalho, um homem ejaculou ao seu lado. “Foi tudo muito rápido. Trem cheio e eu não consegui falar nada, fiquei em choque.”
De acordo com dados emitidos pelo Instituto Patrícia Galvão e Instituto Locomotiva, quase todas as mulheres (97%) dizem já ter sido vítimas de assédio em meios de transportes (público e privado) no país em 2018.
Dentre as estratégias utilizadas para se proteger dos abusos, Elisângela tenta ao máximo não ficar próxima de homens nas conduções. “Eu criei uma parede e acho que acabo evitando que isso aconteça comigo. Ando sempre de cara fechada, penso sempre no meu posicionamento para nunca ficar perto de homem nenhum, e quando fico tento me posicionar de uma maneira a afastá-los”
O último levantamento da organização internacional ActionAid, mostra as medidas mais usadas entre as mulheres para tentar fugir do assédio nos transportes.
Das entrevistas, 17% afirmaram que evitam o transporte público. Mas, de acordo com a planilha realizada pelo ITDP “evitar o transporte não é uma escolha possível para a maioria, porque o transporte público é fundamental para as mulheres acessarem oportunidades de emprego e geração de renda, especialmente entre as mais pobres.”
*Estagiários do R7, sob supervisão de PH Rosa