Moradores de periferia mostram que veganismo pode ser acessível
Jovens do Rio de Janeiro e de São Paulo contam como aderir ao estilo de vida sem produtos de origem animal sem gastar muita grana
Rio de Janeiro|Lucas França, do R7*
Ser vegano, ou seja, não consumir alimentos e produtos de origem animal, é uma forma de levar a vida que ganha mais adeptos a cada ano. Mesmo assim, ainda há muita crítica quanto à elitização do movimento.
O estudante Nicolas Bezerra, de 19 anos, morador do Complexo do Alemão, na zona norte do Rio de Janeiro, conta que certa vez disse à mãe que, quando “se tornasse rico”, viraria vegano.
Bezerra aderiu ao estilo de vida sem produtos de origem animal há cerca de dois anos e afirma não ter percebido que praticamente tudo dentro de uma feira de bairro não é animal.
“Por mais que, na visão do senso comum, o veganismo pareça algo caro, e existe um motivo para isso, a alimentação que abandona carne traz um alívio significativo no bolso”, comenta.
Para o jovem, ser vegano e favelado traz reflexões sobre os costumes que as pessoas têm com o que comem. Em relação às finanças, o estudante defende que basta uma rápida comparação entre o quilo da carne e dos legumes para identificar um benefício do veganismo.
No carnaval deste ano, ele vendeu 150 hambúrgueres veganos de grão bico, para conseguir dinheiro extra, já que pretende comprar uma câmera digital. Bezerra disse que ficou feliz com o resultado das vendas e com a recepção das pessoas com os produtos.
“Ser vegano em uma zona periférica, de favela, é perceber que as pessoas se agarram aos seus hábitos por questões de sobrevivência, e que, ao mesmo tempo, elas estão sendo assassinadas há décadas pela sua alimentação moderna”, refletiu Bezerra.
Ainda em processo de espera para se matricular em Ciências Sociais na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), o rapaz diz que, durante o dia-a-dia, altera os salgados de rua por frutas, o que, segundo ele, diminui consideravelmente os gastos.
Também vegano e periférico, o assistente de restaurante Igor Oliveira, de 22 anos, é morador do Parque Valença II, bairro periférico de Campinas, em São Paulo. Ele busca engajamento nas redes sociais para quebrar estereótipos do estilo de vida que tem.
O rapaz, que vive a 111 km de distância da cidade de São Paulo, é dono do perfil Vegano de Quebrada, no Instagram, no qual publica fotos com pratos sempre coloridos, sem carne, e textos sobre a rotina “sem sacrifício animal”, como ele mesmo define.
O veganismo não é apenas uma tendência nas redes sociais. Uma pesquisa apresentada em 2018 pela fundação norte-americana Food Network mostrou que, nos últimos anos, houve um aumento de 600% no número dos que se consideram veganos nos Estados Unidos.
Oliveira é 100% vegano há um ano, e conta que, no início do processo, os alimentos mais difíceis de abandonar foram doces e salgados. Além da comida, o rapaz deixa de lado produtos de higiene testados em bichos e até roupas com tecidos de origem animal.
Motivado pela vontade de combater o sofrimento dos animais, o jovem conta que morar na periferia e ser vegano é difícil porque os moradores da comunidade têm muitos problemas que se sobrepõem a esta pauta.
Para ele, até mesmo o “carnista”, quem come carne e derivados animais, tem impedimentos na hora de fazer as compras.
“A galera tem muito problema. Mãe doente, filho vai mal na escola por mau comportamento, grana no fim do mês não rende para um passeio. Eu até posso não encontrar um produto por aqui, mas nem o carnista encontra também, então nessa parte dá na mesma. Difícil é ser pobre querendo ser pobre vegano gourmet.”, fala o estudante a respeito da realidade em que vive.
Arroz, feijão, brócolis, cenoura, couve, alface, repolho, couve flor e almeirão são os alimentos que Oliveira mais consome e que a família dele tem aprendido a ver como suficientes. Ele sempre vai às feiras do bairro e aos mercados próximos de onde mora.
Ele relembra que logo quando se tornou vegano, os familiares acharam que era “frescura deixar de comer carne” e, de acordo com o rapaz, diziam que ele ficaria doente. O estranhamento inicial passou e Oliveira tem até um amigo vegano, que mora em um bairro vizinho.
“Minha avó se preocupava demais com a minha alimentação e fazia de tudo para que eu comesse carne, até de forma indireta, quando comprava gordura de porco pra usar no lugar do óleo para fazer arroz, mas eu sempre ficava ligado nisso. Atualmente ela se preocupa com o que vou comer de legume, verdura e fruta”, lembrou.
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*Estagiário do R7, sob supervisão de Bruna Oliveira e PH Rosa