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'A gente quer viver, mas precisa sobreviver', desabafa ceramista vítima da tragédia do litoral norte

Em Camburi, Luciana Farias teve a casa invadida pela água e perdeu o ateliê e as ferramentas de trabalho 

São Paulo|Letícia Dauer, do R7

Luciana construiu o ateliê de cerâmica no 1º andar de sua casa
Luciana construiu o ateliê de cerâmica no 1º andar de sua casa Luciana construiu o ateliê de cerâmica no 1º andar de sua casa

"Minha casa tem dois andares, e foi isso que me salvou", conta ao R7 a ceramista Luciana Faria, de 52 anos, uma das vítimas das fortes chuvas que atingiram o litoral norte de São Paulo no último fim de semana.

Em 1992, Luciana deixou a capital paulista para morar em Camburi, no município de São Sebastião, com o objetivo de fugir do meio urbano e se refugiar na natureza. Há oito anos ela trabalha exclusivamente com a produção de cerâmicas. As peças são criadas em um ateliê, instalado no 1º andar de sua residência.

O imóvel está localizado em uma área de charco à beira do rio Camburi e é sustentado por pilares, conhecidos como pilotis, de 1,5 metro de altura. "Mesmo assim, a água entrou no 1º andar, onde ficam a cozinha, a sala e o ateliê, que foram destruídos", relembra Luciana.

Quando a água começou a invadir a casa, Luciana estava sozinha, pois a filha Isadora, de 19 anos, estava trabalhando. Ela conseguiu salvar os três gatos e dois cachorros da família e se abrigar no 2º andar.

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"A prioridade máxima eram eles [os pets] e a minha vida. Fiquei totalmente ilhada. A energia não acabou na minha casa, por isso havia o grande risco de ser eletrocutada”, explica a moradora. Luciana só não ficou incomunicável pois a rede de wi-fi continuou funcionando em meio ao caos.

No fim de semana, choveu 682 mm, o maior acumulado de chuva na história do país. De acordo com Luciana, a água que invadiu seu imóvel abaixou completamente apenas na segunda-feira (20). Apesar da destruição no 1º andar, não foram encontradas rachaduras ou trincas nas paredes, por isso a estrutura da casa está segura por enquanto.

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Ocupação desordenada

Há 30 anos morando em Camburi, Luciana pôde acompanhar a ocupação irregular, marcada pela desigualdade social, dos terrenos do litoral norte. Para ela, a migração se deu por dois grupos: o de veraneio (formado por donos de pousadas, comerciantes e turistas) e a mão de obra.

Luciana trabalhando no ateliê
Luciana trabalhando no ateliê Luciana trabalhando no ateliê

Ao longo dos anos, a rodovia Rio-Santos também se transformou em um símbolo de divisão desses grupos sociais. "Os condomínios de luxo ficam localizados de forma privilegiada entre a estrada e o mar, enquanto os trabalhadores ocuparam a área entre a rodovia e os morros", afirma a ceramista.

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Luciana faz parte do segundo grupo e mora em uma área de risco, onde não há saneamento básico, água encanada e energia elétrica regularizada. O terreno ainda está passando pelo processo de regularização fundiária.

Apenas durante os últimos três anos, a Prefeitura de São Sebastião acumulou 37 condenações judiciais para regularizar moradias, levar serviços básicos à população e reduzir os riscos em áreas ocupadas nas proximidades de encostas da serra do Mar.

O Ministério Público de São Paulo também já ajuizou, ao longo de 25 anos, 42 ações civis com o objetivo de decretar intervenções em 52 áreas com deficiências de infraestrutura e riscos à população em São Sebastião.

Luciana também espera que o governo estadual e a prefeitura sejam responsabilizados pelas mortes. De acordo com Osvaldo de Moraes, diretor do Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais), as gestões foram alertadas sobre os riscos das chuvas na região dias antes da tragédia que vitimou dezenas de pessoas.

Futuro

Em um primeiro momento, Luciana e a filha não pretendem deixar Camburi. "Essa é a única casa que eu tenho. A gente quer viver, mas precisa sobreviver. Por isso vou lidando com as pequenas enchentes. A ideia é sair daqui no futuro", desabafa.

A invasão da água no fim de semana deixou um rastro de destruição e levou todas as ferramentas de trabalho da dona do ateliê, além de seu carro. Apesar do sufoco, Luciana encontrou solidariedade entre os amigos, que conseguiram arrecadar uma quantia em dinheiro para ela reconstruir o imóvel e recomeçar a vida.

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