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Abuso e violência: 70 mil crianças vivem em situação de rua, diz ONG

Em São Paulo, existem 1.800 crianças vivendo nas ruas. Destas, 900 estão na região central, segundo a ONG Visão Mundial, que atua em 10 Estados

São Paulo|Plínio Aguiar, do R7

Na foto, uma criança assistida por um dos programas da ONG Visão Mundial
Na foto, uma criança assistida por um dos programas da ONG Visão Mundial

Sentado na escadaria da Catedral da Sé, na região central de São Paulo, Breno Dias*, de 13 anos, almoça uma marmita composta por arroz, feijão e um pedaço de frango, por volta de 13h. “Me dá um pedacinho”, pede outro menino. O prato não é o suficiente, mas ainda assim ele o divide com mais seis crianças. O grupo entrou para a estatística da ONG Visão Mundial, que aponta a existência de 70 mil crianças em situação de rua em todo o Brasil.

Cabelo preto, de baixa estatura, olhos castanhos, mãos sujas e roupas rasgadas, Dias desvia o olhar diversas vezes para as demais ações que ocorrem na praça. “Eu morava com a minha mãe em um barraco. Não conheci o meu pai porque ele está preso. Em casa, eu era violentado quase todos os dias. Então, o lugar mais seguro para mim é aqui”, conta ele, que mora há dez anos nas ruas. Atualmente, ele vie em um puxadinho debaixo de um viaduto na avenida 23 de Maio, que divide com mais cinco. “A gente vai se ajudando, porque eles são hoje a minha família.”

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Na capital paulista, são 1.800 crianças em situação de rua. Destas, 900 vivem nos bairros centrais. Assim como Dias, Marlon Gonçalves*, de 12, também mora na rua. Ele, por sua vez, na própria praça da Sé. “Eu dormia antes no viaduto do Chá, mas aí os PMs chegaram, começaram a bater e expulsaram a gente de lá. Daí estamos aqui agora”, relatou. “Dependendo do dia, a gente nem dorme aqui também. Porque eles (PMs) não querem saber de nada, já chegam batendo.” Gonçalves conta que já “apanhou três vezes” de agentes de segurança. “E nem passagem pela polícia eu tenho”, argumenta.


Gonçalves tem uma aparência similar à de Dias, exceto pela estatura. “Na maioria das vezes eu estou sozinho, porque os meninos acham que eu sou pequeno e não querem andar comigo. Eles zombam de mim”, diz. Questionado sobre como foi parar ali, a resposta novamente se repete. “Minha mãe está presa e meu pai me batia”.

Agressão física, proferida na maioria das vezes pelos pais, estupro, cometido também por padrastos, e negligência, feita pelos órgãos públicos responsáveis, são as principais respostas que as crianças dão como justificativa para mostrar que, de fato, a rua é o melhor lugar para eles.


A ONG Visão Mundial atua em dez estados desde 1975, e diz já ter atendido 2,7 milhões de pessoas que vivem em comunidades empobrecidas e em situação de vulnerabilidade. O voluntário Virgílio Vieira dos Santos, de 62 anos, se autodeclara como um conselheiro dessas crianças. “Eu chego, abordo as crianças, escuto as histórias, e ofereço conselhos. Algumas aceitam, outras tem mais dificuldade”, conta. “Daqui, algumas vão para ocupações, voltam para as casas e tentam novo relacionamento com a família, outras enfrentam tratamento pois são usuárias de drogas”, continua.

Santos anda pela região central, apontada pela ONG como a principal “casa” das crianças em situação de rua, cerca de quatro a cinco vezes durante a semana. Nos outros dois dias ele atua na Fundação Casa.


Por volta das 14h, a brincadeira começa. Depois de alimentados, mesmo que razoavelmente, as crianças começam a brincar na praça mais famosa da capital paulista. Entra em cena, então, o Spike, um cachorro vira-lata de pelos pretos adotado por uma adolescente que também integra o grupo. “Ele está comigo há alguns anos. Na verdade, eu o adotei”, lembra Carla Matoso*, de 22 anos, que mora na rua há 14 anos. “Mataram o meu pai na minha frente quando eu tinha dois anos. Depois disso, minha mãe começou a usar crack, me batia. Saí de casa e não quero mais vê-la”, informou, acrescentando que, às vezes, a encontra “louca” pelas ruas do centro.

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Dados apontam que 51% das crianças estão em situação de extrema violação dos direitos
Dados apontam que 51% das crianças estão em situação de extrema violação dos direitos

Diagnóstico

Uma pesquisa realizada com 586 crianças e adolescentes, entre 3 e 17 anos, que são atendidas por esta e outras organizações, analisou questões do bem-estar e violação ao direito à alimentação, lugares em que as crianças e adolescentes gostam de estar, urgência de proteção infantil, abusos, trabalho infantil, contato precoce com as drogas, atos infracionais, além de renda familiar e o desafio da empregabilidade entre outras questões.

Os dados apontam que 51% das crianças estão em situação de extrema violação dos direitos. “A importância de se respeitar o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) é gigantesca. Caso não priorize esses direitos, que adultos irão se tornar?”, questiona a porta-voz da ONG Natália Soares.

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Cerca de 19% dos entrevistados disseram que dormem com fome. 37% declararam ter sofrido algum tipo de violência e 70% são vítimas de violência doméstica. 12% realizam trabalho infantil. 79% informaram que nunca tiveram contato com furto/roubo.

Os resultados apresentados pela ONG são preocupantes. Na visão da porta-voz, ainda falta a inserção de mais políticas públicas de base para que seja possível a redução do número de crianças e adolescentes em situação de rua em São Paulo. “É preciso, também, uma mudança no olhar da sociedade. Sabemos que pré-conceitos não faltam, mas é necessário destrinchar essas concepções e entender melhor a situação”, disse.

Procurada, a Prefeitura de São Paulo disse que dispõe que de 54 CRAS (Centros de Referência de Assistência Social) e 30 CREAS (Centros Referência Especializados de Assistência Social). Ao todo, são 832 serviços voltados às crianças, adolescentes e jovens em situação de vulnerabilidade com 102.973 vagas. A pasta informou, ainda, que "realiza busca diariamente para identificar e encaminhar crianças e adolescentes em situação de rua e com outras vulnerabilidades sociais para o CREAS, acompanhamento das famílias e rede conveniada". Sobre o censo, o órgão estima que existam 15.905 pessoas em situação de rua em São Paulo, no ano de 2015. "Devido à crise econômica que vem afligindo o país nos últimos anos, a perspectiva é que esse número tenha crescido para aproximadamente 25 mil pessoas", finalizou o texto.

Procurada pela reportagem do R7, a SSP (Secretaria de Segurança Pública), se manisfestou através da seguinte nota:

"A Polícia Militar é uma instituição legalista, portanto, ressalta que aguarda as informações da reportagem sobre as supostas ameaças para devida apuração."

*Os nomes foram alterados para preservar a identidade das vítimas

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