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Três em cada dez em situação de rua sofrem de depressão, aponta estudo

Pesquisa ainda aponta que 52% das população em situação de rua utiliza drogas diariamente e 57% consomem álcool todos os dias

São Paulo|Márcio Neves e Kaique Dalapola, do R7

Vilma Aparecida da Silva está na rua há mais de 36 anos
Vilma Aparecida da Silva está na rua há mais de 36 anos

Uma pesquisa encomendada pela Prefeitura de São Paulo em 2016 e publicada no dia 11 de maio traçou um perfil da população em situação de rua na cidade. Os dados apontam que 30% deles sofrem de depressão, 52% utilizam drogas diariamente e 57% consomem álcool todos os dias.

"Quando a pessoa está na rua, psiquicamente é uma situação muito difícil, tem a questão da ruptura com diversos laços da vida, do trabalho, dos amigos, então o fato de beber na rua é muito compreensivo, muitos deles bebem ou usam drogas em função do desamparo e em função do sofrimento psíquico", diz Jorge Broide, um dos coordenadores da pesquisa.

"Muitos deles bebem ou usam drogas em função do desamparo%2C em função do sofrimento psíquico"

(Jorge Broide)

A coletora de materiais recicláveis Vilma Aparecida da Silva, 54 anos, nunca esteve nas estatísticas de usuários de drogas. Mas luta para não ser um número nos dados da população de rua que consome álcool todos os dias. Ela diz estar se superando a cada dia e revela que ainda não bebeu este ano.

Infância difícil


Vilma conta que o problema com o álcool começou devido à vida que teve desde a infância. Rejeitada pela mãe no nascimento, foi parar em um orfanato em São Caetano do Sul, na Grande São Paulo. No local, cresceu com outras duas crianças, com quem se apegou até o dia que elas foram adotadas e Vilma teve que seguir sozinha.

Vilma Aparecida da Silva, 54 anos, nunca esteve nas estatísticas de usuários de drogas
Vilma Aparecida da Silva, 54 anos, nunca esteve nas estatísticas de usuários de drogas

Quando completou 18 anos, não poderia mais ser atendida pelo orfanato e foi para rua. Decidiu tentar a vida no centro de São Paulo. “No começo era difícil, as pessoas que me ajudavam colocavam a comida longe de mim, iam embora e, depois, eu ia pegar para comer”, conta. Ela tentava escapar das dificuldades consumindo bebidas alcoólicas.


A mudança na vida de Vilma com relação ao consumo do álcool mudou depois de um período de um ano e oito meses que ficou em São Tomé das Letras, a 310 km de Belo Horizonte. Na cidade turística de Minas Gerais, a mulher vivia em uma barraca pelas ruas e diz que buscava o “autoconhecimento”.

"Eu tenho três desejos%3A conseguir um emprego%2C arrumar os dentes e ter uma casa"

(Vilma Aparecida da Silva, 54 anos)

“Foi um período de muita leitura, convivência com outras pessoas, e percebi que eu precisava parar de beber para realizar meus sonhos”, conta. Vilma afirma que hoje tem três desejos: conseguir um emprego, arrumar os dentes e ter uma casa. “Aí eu já posso morrer feliz”.


A pesquisa com perfil da população de rua foi coordenada pelos psicanalistas Emília e Jorge Broide, especialistas da USP (Universidade de São Paulo) e da PUC (Pontificia Universidade Católica).

"Nós utilizamos uma equipe de psicanalistas, psicológos e jornalistas que se juntaram a pesquisadores que estavam ou viviam em situação de rua. Todos foram fortemente capacitados para levantar informações sobre como é a vida da população em situação de rua", diz Jorge.

O estudo revelou ainda que a população em situação de rua paulistana ficou mais diversificada, formada por pessoas com perfis diferentes e variados, entre eles pessoas com transtornos mentais, dependentes químicos, imigrantes e ex-detentos.

O trabalho mostra ainda que muitas dessas pessoas sempre viveram nas ruas e querem continuar nelas, e que muitas outras querem sair das ruas e são o perfil mais comum dos que procuram refúgio em albergues pela cidade.

"Há também uma população flutuante que vem das periferias em busca de alimentos, cobertores, roupas e outras doações, até mesmo trabalhadores que durante a semana ficam nos albergues e nos fins de semana voltam para suas casas", explica o coordenador da pesquisa e psicanalista Jorge Broide.

Um perfil frequente encontrado na população em situação de rua é a de ex-presidiários, que já somam mais de 40% da população.

Entre 2010 e 2015, o percentual de egressos do sistema carcerário entre as pessoas em situação de rua da área central da cidade subiu de 27% para 40%. Na faixa etária dos 31 a 40 anos, os que passaram pela prisão são maioria: 55% da população de rua.

População em situação de rua

O atual coordenador estadual do MNPR (Movimento Nacional de População em Situação de Rua) Edvaldo Gonçalves, 48 anos, está na rua há 10 anos e conta que o motivo que o levou para esta situação é comum.

Edvaldo Gonçalves, 48 anos, está na rua há 10 anos
Edvaldo Gonçalves, 48 anos, está na rua há 10 anos

Gonçalves conta que ficou desempregado e não teve condições de pagar aluguel. Nos últimos dias que teve um teto, ele trabalhava de técnico de informática e morava na região do Brás, zona leste de São Paulo.

“É caríssimo morar. Para morar na vila [periferias], tem muitos gastos para trabalhar, e para morar no centro não tem como pagar os alugueis”, conta Gonçalves. Quando foi para a rua, ele passou a ficar nas proximidades do viaduto Nove de Julho, no centro paulistano.

“Eu ainda sou da rua porque não tenho minha casa”

(Edvaldo Gonçalves, 48 anos)

Gonçalves faz parte do movimento que atua com as pessoas em situação de rua e ele está caminhando para conseguir realizar o sonho de sair da atual condição. O coordenador já conseguiu um teto para passar as noites: ele dorme na sede do movimento, no entanto, ainda se considera em situação de rua. “Eu ainda sou da rua porque não tenho minha casa”, explica.

O estudo, juntamente com uma análise do último censo da população de rua realizado pela Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Ecônomicas), foi publicado no livro "População de Rua — Pesquisa Social Participativa — Censo, Perfil Demográfico e Condições de Vida na Cidade de São Paulo".

Prefeitura

Dois moradores em situação de rua foram localizados mortos nesta segunda-feira (21) em São Paulo, na mesma madrugada em que a cidade registrou a temperatura mais baixa do ano, uma média de 8,3º C.

Segundo o secretário de Assistência Social de São Paulo em exercício, José Antonio de Almeida Castro, entre os dias 17 de maio e 30 de setembro, a prefeitura vai contar com vagas suficientes para atender todas pessoas em situação de rua que procurarem abrigo. 

Além disso, equipes da prefeitura devem fazer trabalhos de conscientização para levar as pessoas aos abrigos durante as noites com temperaturas de 13ºC ou menos. Os atendidos recebem bebida quente, banho e ainda têm lugares para dormir.

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