Após 1 ano, transporte é forte vetor do vírus até em fase emergencial
Mesmo com maiores restrições, ônibus, Metrô e CPTM registram superlotações. Governo e prefeitura ainda não têm solução
São Paulo|Guilherme Padin, do R7
No período mais letal da pandemia e com maior número de internados por covid-19 em leitos de UTI no Estado, o transporte público de São Paulo continuou registrando aglomerações mesmo durante a fase emergencial do Plano SP. Com pouco mais de um ano de quarentena decretada, o governo estadual e a prefeitura paulistana ainda não encontraram um meio de impedir a superlotação nos ônibus e nos vagões da CPTM e do Metrô.
Leia também
A fase mais restritiva, em vigência desde 15 de março, não foi o bastante para barrar a alta concentração de pessoas no transporte coletivo, um dos mais potentes vetores para o vírus sobretudo em regiões populosas como a Grande São Paulo, com mais de 20 milhões de habitantes e média de 10,9 milhões de passageiros por dia antes da pandemia e 4 milhões nas últimas semanas.
Profissionais da epidemiologia, infectologia e saúde pública avaliaram ao R7 a gravidade do problema até hoje não resolvido e apontaram possíveis medidas para amenizá-lo enquanto não há vacinação em massa para a população.
O epidemiologista Paulo Petry, professor da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), explica que a aglomeração de muitas pessoas num pequeno espaço e com pouca ventilação é um fator de risco excessivo para a proliferação do vírus.
“Com a grande quantidade de pessoas que usam o transporte público, como em São Paulo o risco de contaminação é altíssimo. E pior: essas pessoas quase com certeza vão espalhar o vírus para quem vive com elas em casa”, diz.
Um estudo de especialistas do Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos e das universidades da Flórida e de Guanghzou, na China, aponta na mesma direção da fala de Petry: a chance de infecção pelo novo coronavírus é de 2,4% quando as pessoas envolvidas vivem em locais diferentes, e sete vezes superior (17%) quando moram na mesma residência.
Médico sanitarista e professor da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, Gonzalo Vecina Neto, considera o transporte coletivo como a questão mais complexa para se resolver na pandemia. “Parece que se trata pouco do assunto porque achamos que não tem jeito. Como se, já que se pensa que não há o que fazer, fosse melhor nem falar sobre”, comenta Vecina, o fundador da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).
Como enfrentar o problema
A unanimidade entre os especialistas para impedir de fato as aglomerações – no transporte público ou outros locais – é o endurecimento das restrições às atividades econômicas na pandemia, inclusive com a adoção do regime de lockdown em determinados casos.
Além das medidas restritivas, outra sugestão apontada por eles é o aumento da frota de ônibus, trens e metrôs – atualmente, os dois últimos operam na capacidade padrão e os ônibus com 88% da capacidade. Apesar da demanda reduzida alegada pelos governos, as aglomerações não foram evitadas.
“Não somente aumentar a frota, mas também diminuir o intervalo entre um carro e outro e ampliar os horários de funcionamento”, comenta Marcos Vinícius da Silva, médico especialista em Saúde Pública e doutor em doenças infecciosas e parasitárias.
Em relação à sugestão do médico, no entanto, a realidade é a oposta: segundo pesquisa da Rede Nossa São Paulo sobre mobilidade urbana, 49% dos usuários de ônibus afirmam que a lotação aumentou nos carros e 33% consideram que está igual. Em relação ao tempo de espera nos pontos ou terminais, 53% viram aumento e 33% apontaram que permaneceu o mesmo.
A respeito do escalonamento de horários para cada setor de atividades essenciais, sugestão da secretaria estadual de transportes, os especialistas se dividem: Gonzalo Vecina Neto e Marcelo Burattini, professor e infectologista da Universidade Federal de São Paulo, se mostram de acordo. “Assim quebramos o horário de pico e reduzimos as aglomerações”, considera Burattini.
Da Silva se põe contra: “seria como aquele rodízio maluco que fizeram no ano passado. Tem uma série de setores que têm turnos que não tem como mudar. Tinham é que ampliar horários dos locais de atendimento que funcionam, assim como de metrôs e ônibus. Com isso, haveria o espaçamento entre as pessoas, evitando as aglomerações em horários de pico”.
Veja também: Com 8 mortes pela covid por hora, SP completa 1 ano em quarentena
Vecina destaca que o exemplo de Araraquara (SP) deveria ser visto com bons olhos. No município, um mês após a adoção do lockdown, os casos de covid-19 baixaram em 58%. “Temos que pegar o exemplo de lá, onde houve coragem e se conseguiu dominar a curva da ocorrência de casos. Enquanto não temos um acesso livre à vacina, devemos garantir um mínimo de isolamento social para evitar uma explosão de casos”, afirma.
No Estado de São Paulo e na capital paulista, as taxas de isolamento social nunca chegaram aos 70% ideais definidos pelo governo. Níveis entre 55% e 60%, considerados como satisfatórios pela gestão estadual, foram alcançados somente até maio de 2020. De junho em diante, com exceção dos domingos, as taxas estiveram frequentemente abaixo de 50%.
Qual é a população atingida
Os passageiros do Metrô de São Paulo são pessoas com renda média de dois salários mínimos, em idade economicamente ativa – 58% têm de 18 a 34 anos – e, em maioria, mulheres (57%). Os dados são de uma pesquisa socioeconômica de 2018, a mais recente da companhia.
Números da CPTM de novembro passado indicam o gênero e a faixa etária em proporções parecidas: 55,6% são mulheres e 51,9% têm de 18 a 34 anos. A companhia não disponibiliza dados sobre a renda dos passageiros.
No Metrô, 89% dos passageiros o utilizam três ou mais vezes na semana, enquanto 78,3% usam a CPTM com a mesma frequência.
O trabalho é o principal motivo das viagens na CPTM (77,7%) e também é a única razão para o uso entre 68% passageiros do Metrô.
Em relação ao tempo de permanência diária no transporte coletivo em geral, o que segundo os especialistas também pode influenciar na proliferação do vírus, a média é de 97,6 minutos, segundo a pesquisa da Rede Nossa SP.
Veja também: Como o racismo contribui para que a covid-19 seja mais letal em negros
Esta média, no entanto, é ainda superior para pessoas com até dois salários mínimos de renda (107,2 minutos) e também para pretos e pardos (106,4 minutos), cuja mortalidade por covid-19 é maior do que para a população branca e mais abastada.
Posicionamentos
A reportagem solicitou posicionamentos do governo de São Paulo e da prefeitura paulistana sobre as aglomerações registradas no transporte público durante a pandemia.
Em nota, a Secretaria dos Transportes Metropolitanos informou que está com “’Operação Monitorada’ desde o início da pandemia e atua com avaliação sistemática a cada faixa de horário”. A pasta também ressaltou que Alexandre Baldy, responsável pelos transportes no Estado, defende o escalonamento obrigatório de entrada e saída de trabalhadores em atividades essenciais que sejam permitidas funcionarem “como um caminho possível para evitar a concentração de passageiros nos horários de pico”.
Já a prefeitura, por meio da SPTrans, disse que a frota de ônibus foi mantida acima da demanda, e que a frota atualmente está mantida em 93,34% nos bairros mais afastados do centro e em 88,25% em toda a cidade. Além disso, a gestão municipal destacou ações como o monitoramento do deslocamento dos passageiros, a higienização dos veículos e terminais e conscientização sobre cuidados e higiene pessoal com os operadores e passageiros.
Não houve comentários do governo e da prefeitura a respeito das aglomerações que persistem no transporte coletivo ou de como serão enfrentadas.
Mesmo com escalonamento da fase emergencial, estações lotam em SP. Veja fotos