Após 12 anos, família ainda vive em casa destruída por cratera do Metrô
De acordo com a Justiça, 14 acusados foram inocentados depois que uma cratera se abriu durante as obras da estação Pinheiros, em janeiro de 2007
São Paulo|Plínio Aguiar, do R7
Ir para a cama e torcer para que o teto não caia sob sua cabeça todos os dias é um sentimento que o aposentado Bartolomeu Pinilha Cruz, de 68 anos, conhece bem. Ele mora em uma casa na rua Amaro Conselheiro, a 300 metros de onde uma cratera se abriu durante as obras da estação Pinheiros, do Metrô de São Paulo, em janeiro de 2007. Desde o acidente, a residência de Cruz apresenta rachaduras em vários cômodos e um deles está interditado até hoje pela Defesa Civil.
Um deslizamento de terra no canteiro de obras da estação Pinheiros, da linha 4-Amarela, abriu uma cratera de 80 metros de diâmetro de 30 metros de profundidade, na tarde do dia 12 de janeiro. Passado pouco mais de um minuto, o gigantesco buraco engoliu caminhões, máquinas e carros. Sete pessoas morreram e 79 famílias tiveram que ser removidas da região.
As marcas da maior tragédia do Metrô de São Paulo ainda continuam nas vidas de quem mora na região. Cruz vivia com filhos e netos em sua casa. Hoje, 12 anos depois, mora sozinho. “O meu maior sonho é poder ver meus netos brincando aqui em casa, mas como eles vão entrar com tudo prestes a desabar?”, indaga, aos prantos, a reportagem do R7. “Minhas filhas não entram aqui, falam comigo na porta.”
Leia mais: Após dez anos, famílias de vítimas da cratera nas obras do Metrô não conseguiram se reconstruir
Na época, Cruz era casado com Zelma Fernandes Marinho, de 65 anos. Por causa de discussões acaloradas, segundo ele, sobre a tentativa de resolver o problema de sua casa, se separaram. “Nos damos bem hoje. Mas, à noite, estou sozinho”, diz, mostrando a cama projetada na sala da residência. O seu quarto foi interditado pela Defesa Civil e permanece assim, com as rachaduras e marcas das quais nunca irá esquecer. “A Defesa nunca mais veio aqui. Interditou e foi embora. É assim que eles agem agora”, continua. Os aposentados dizem que nunca foram ressarcidos.
Em seguida, ele mostra o quarto dos fundos, onde, na época, dormia uma das filhas com a neta. É possível perceber a enorme rachadura, de mais de dois metros, em uma das paredes. Em volta, adesivos colados na época para entreter as crianças permanecem. “Dói no coração”, diz. Ao seu lado, a ex-companheira Zelma aponta para outras rupturas. “Ela é a única que entra aqui em casa”, ri.
Sentados à mesa da cozinha, os dois aposentados relatam o dia a dia. Dizem que nunca receberam um tostão se quer das empreiteiras que fizeram a obra — Odebrecht, OAS, Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa e Queiroz Galvão. “E aí afeta a nossa vida. Hoje, eu tomo por mês uns 400 comprimidos”, conta Cruz. “Já tive dois enfarto causados pelos estresse, preocupações e afins.”
O corretor de imóveis Antônio Manuel Dias Teixeira, de 62 anos, também teve a sua vida destruída, literalmente, por causa da tragédia. Ele morava junto com a esposa em um apartamento de 82 metros quadrados. O prédio onde residia foi abaixo por causa da cratera. Foram alocados em um hotel, por onde viveram durante um ano, até a indenização sair.
O dinheiro recebido, R$ 92 mil, era baixo se comparado valor do apartamento em que morava (R$ 350 mil, diz ele). “Consegui alugar uma quitinete, de 20 metros quadros”, relata. Por causa do tamanho, a companheira do corretor de imóveis se mudou para uma casa que possuem no interior do Estado. “Agora eu moro sozinho, sem ninguém”, diz.
“Eu sinto uma tristeza profunda. A minha família foi embora. Não sou o mesmo de antes”, conta, se despedindo da reportagem. “Eu tenho que ir trabalhar agora, porque eu tenho aluguel para pagar.”
Veja também: Ninguém é condenado, após 10 anos, pelas mortes em cratera do Metrô
Justiça
A Justiça de São Paulo absolveu, em novembro de 2016, todos os responsáveis pela obra. Para o Ministério Público, o Judiciário foi “por demais condescende com a culpa penal” e desconsiderou as provas. O Tribunal, por sua vez, disse que os 14 acusados foram absolvidos pela 1ª Vara Criminal do Foro Regional de Pinheiros em 11 de maio de 2016.
Meses depois, em novembro, a 7ª Câmara de Direito Criminal do TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) manteve a sentença de absolvição proferida. Em 16 de outubro de 2017, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) não reconheceu o recurso especial interposto pelo MP-SP (Ministério Público de São Paulo) e o processo transitou em julgado.
A ação movida por Cruz para ressarcimento, no entanto, passou por 1ª e 2ª instância, segundo o Tribunal de Justiça. Na decisão de 1° instância, a Justiça decretou que o Metrô pagasse uma indenização, no entanto, a companhia entrou com recurso e, no momento, aguarda o julgamento da apelação.
Acordos
A Defensoria Pública atuou em 60% dos pedidos de indenização referentes ao acidente. Foram feitos 61 acordos, entre 24 de janeiro e 23 de agosto de 2007, beneficiando, ao todo, 145 pessoas. “Dos 65 casos, 61 resultaram em acordos (32 com inquilinos, 28 com proprietários e um com familiares de vítima fatal)”, disse o órgão em nota.
“Nos quatro casos que não resultaram acordo, os proprietários constituíram advogado particular para prosseguimento da ação”, informou. As indenizações envolveram danos matérias e danos morais – os valores não são divulgados pois há cláusula de sigilo em todos os acordos.
Defesa
Procurado pela reportagem, o Metrô de São Paulo foi questionado se os 11 funcionários da companhia que foram réus no processo da cratera ainda trabalhavam na empresa, mas o pedido não foi respondido.
A empresa enviou uma nota, por e-mail, dizendo que a obra estava completamente segurada, “possibilitando a cobertura a todos os prejuízos causados pelo acidente e a indenização a todas as pessoas e empresas prejudicadas”.
Informou, também, que sempre adotou métodos construtivos e procedimentos de segurança com certificações internacionais que garantem a confiabilidade de execução. A denúncia do Ministério Público, que recorre da decisão judicial, aponta que as estruturas do túnel da estação apresentaram “movimentação anômala” um mês antes da tragédia e que o problema teria sido detectado por instrumentos de segurança e, mesmo assim, as escavações continuaram.
Confira: Criança de 3 anos se perde da mãe e morre atropelada no metrô em SP
Odebrecht
A Odebrecht, líder do consórcio Via Amarela, disse em nota que prestou todo o apoio necessário aos familiares das vítimas. “Também promoveu no período de até quatro meses o pagamento das indenizações cabíveis a cerca de 120 famílias”, relatou. “Todo o processo foi capitaneado pela Secretaria de Justiça do Estado de São Paulo, junto à Defensoria Pública, e os acordos homologados na Justiça”, finalizou o texto.
A Andrade Gutierrez e a Queiroz Galvão, por sua vez, disseram que não iam comentar. OAS e Camargo Corrêa também não se pronunciaram sobre nenhuma das questões feitas pela reportagem do R7, tampouco respondeu que não iria falar a respeito.