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Caminho do Lixo: garis recolhem 20 mil kg e percorrem 10 km por dia

Reportagem acompanhou uma noite com os homens que fazem a coleta de lixo na região nobre dos Jardins, no centro de São Paulo

São Paulo|Kaique Dalapola e Márcio Neves, do R7

Três nordestinos e um paulistano. Todos moradores de bairros das periferias de São Paulo. Essa é a equipe que recolhe o lixo das ruas dos Jardins, região de bairros nobres no centro da capital paulista.

Diariamente, entre o final da noite e início da madrugada, o baiano José João de Jesus, 63 anos, dirige o caminhão de lixo que faz duas viagens no trajeto de cerca de 10 km, recolhendo mais de 20 toneladas de lixo produzido pelos moradores e comerciantes da região.

Do lado de fora do veículo, passando correndo entre os carros, gritando e assobiando para dar coordenadas ao motorista, os cearenses Fernando Soares, 26 anos, e André Francisco, 27 anos, e o paulistano Felipe de Jesus, 26 anos, pegam os sacos nas lixeiras e bases de postes.

Garis André e Fernando à frente do caminhão que trabalham
Garis André e Fernando à frente do caminhão que trabalham

Felipe está há um mês trabalhando como gari e ainda não tem uma equipe fixa. Na noite que o R7 acompanhou, em 2 de agosto, ele substituiu outro cearense que integra a equipe há três anos. Ele é o que mais muda de região, por estar cada dia com escalas diferente.


Dos que trabalham na coleta, André é o mais experiente: está há nove anos. Morador de Itaquera, periferia da zona leste de São Paulo, ele começou a trabalhar como ajudante de pedreiro com o pai quando tinha 10 anos.

'Na periferia o povo tem um pouco mais de consciência. Eles não buzinam%2C esperam terminar a coleta%2C ainda passam por você e cumprimentam'

(André Francisco, gari)

O primeiro registro na carteira de trabalho de André foi um emprego em uma loja de roupa no Brás, onde “fazia de tudo”. Por lá ele ficou dois anos e meio, até sair para começar a trabalhar com materiais de gesso com o padrinho. Ficou poucos meses e iniciou o serviço de gari, em 2009.


Na coleta de lixo, André já passou por diversos bairros e pontua as principais diferenças: “Na periferia o povo tem um pouco mais de consciência. Eles não buzinam, esperam terminar a coleta, ainda passam por você e cumprimentam. São mais educados. Aqui [nos Jardins], o povo dá um pouco de diferença da gente, não sei se é por que o trabalho da gente é com lixo”.

Felipe, Fernando e André coletando lixo na região dos Jardins
Felipe, Fernando e André coletando lixo na região dos Jardins

Da atual equipe, o mais antigo na empresa é o motorista João, que está há 34 anos. “Comecei como ajudante, fazendo a coleta assim igual eles. Depois fui para borracharia da empresa e em 1997 comecei como como motorista”, explica.


João veio com alguns amigos para ganhar a vida em São Paulo em 1973. Quando chegou na capital paulista, começou trabalhando em construção civil até se acidentar. Depois do acidente de trabalho, passou para equipe de segurança da mesma empresa. “Fiquei alguns anos, depois ainda trabalhei de mordomo até começar aqui”.

Ele destaca que tanto na coleta como dirigindo existem muitas dificuldades, mas como motorista o principal desafio são “os moradores que não têm muita paciência”. João precisa ficar ligado em tudo, fazer manobras com o caminhão para ajudar os garis e ainda ficar atento aos assobios que indicam quando ele deve parar e andar.

O mais velho da equipe tem um filho e um enteado. Já perdeu um filho ainda bebê e outro enteado adulto. A vida amorosa dele também é complicada: casou com uma mulher, ficou 16 anos juntos, separou, e permaneceu 12 anos com outra mulher. Depois, reatou o casamento com a primeira, com quem está há três anos.

Além do imbróglio no casamento, o motorista brinca que lida com os ciúmes de seu colega de trabalho. “O Fernando ficou meio assim, falando que fui no aniversário do filho do André e não fui na festa do filho dele”, conta João.

Quando entra nesse assunto com Fernando, ele desconversa. “Tem nada disso não, é ‘fuleragem’ dos caras”, conta rindo. Ele é o mais descontraído da turma, mas também foge do assunto: “aqui não dá para brincar, a gente trabalha sério”. O sorriso dos amigos o entrega.

Garis dos Jardins trabalham entre o final da noite e início da madrugada
Garis dos Jardins trabalham entre o final da noite e início da madrugada

Fernando se comunica bastante com a equipe, dá as coordenadas com o motorista e é quem para e cumprimenta Danone, um vigilante da rua Conselheiro Zacarias que oferece bebidas aos garis. “Ele é camarada. É o único aqui que a gente pode parar para tomar um café, chá ou água”, conta Fernando.

Depois de recolher todo o lixo correndo pelas ruas dos Jardins, a equipe vai para estação de transbordo no Bom Retiro (centro). Diferente do que possa imaginar, tudo que foi coletado vai embora sem os garis sequer saberem o que é — a ordem é não abrir nenhum saco. Por fim, seguem para a garagem da empresa, no Jaguaré (zona oeste), onde tomam banho e encerram o expediente.

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