Com poucos espaços de lazer, crianças da periferia de SP improvisam nas brincadeiras
Mães apontam más condições de praças e falam sobre como a falta de opções impacta no lazer e desenvolvimento dos filhos
São Paulo|Isabelle Amaral*, do R7
Viver na periferia das grandes cidades brasileiras implica, muitas vezes, conviver com a precariedade das condições de vida, dos serviços públicos e a insegurança. Essa realidade, diferente da de bairros mais ricos e desenvolvidos, impacta no lazer e no desenvolvimento das crianças, segundo mães entrevistadas pelo R7 e que moram em comunidades de São Paulo. Em razão do número reduzido de espaços de lazer, os filhos precisam improvisar nas brincadeiras para se divertir e gastar energia, relatam.
"A gente acha que só nós notamos essas diferenças, mas as crianças também notam. Por mais que eu e meu marido façamos de tudo para dar o melhor para eles, os meninos acabam vendo uma criança que tem um brinquedo melhor, mora em um lugar pode-se dizer mais atrativo, tem mais opções de passeio, é mais calmo. Eu acho que toda criança deveria ter a mesma oportunidade, independente da condição dos pais", afirmou Ligiane Barbosa, de 28 anos, que é mãe de três filhos, de 10, 7, e 1 ano.
A mulher, que mora na Brasilândia, bairro de periferia na zona norte de São Paulo, diz que faz de tudo para os filhos terem uma infância "para se lembrar". Ela brinca com os meninos e, sempre que possível, sai com eles para tomar sorvete ou ir a uma praça.
Com dinheiro apenas para o aluguel e contas, a família raramente viaja ou faz outros programas, como idas a parques de diversões. Ligiane conta que os filhos adoram ir a uma praça próxima, na avenida Orlando Garcia, onde há balanços e equipamentos de academia. A mãe, porém, tem medo de levá-los porque o lugar está "cheio de lixo e pessoas usando drogas".
As poucas opções de passeios baratos também são notadas na zona sul da capital. Segundo Thalita Silva, que é mãe de uma menina de 6 anos, e três meninos de 10, 14 e 17, os filhos jogam futebol em um campo "meio abandonado" que tem próximo de casa, no Jardim Itajaí, região de Paralheiros. Uma praça com balanço no Jardim Myrna, também na região, é a outra opção de diversão para os filhos menores.
Entretanto, Thalita faz relato semelhante ao de Ligiane: a praça também foi praticamente tomada por usuários de drogas e muito lixo.
Com a companhia um do outro, os irmãos ainda tentam se divertir em casa, mas é difícil devido à falta de espaço e às reclamações de barulho dos vizinhos. "Eu moro em um prédio e não tem quintal. É bem difícil porque meus filhos são bem ativos, então eles gostam de brincar de bola, andar de patinete, então acaba atrapalhando. Eles deveriam brincar em um espaço melhor, mas é complicado achar por aqui", concluiu Thalita.
Falta de segurança
A segurança também foi um aspecto muito citado entre as mães, que temem pela vida dos filhos. Ruas estreitas, com muita circulação de ônibus, alguns locais com operações policiais frequentes e a falta de opções próximas para levar os filhos para se divertir acabam fazendo com que as crianças fiquem com tédio em casa. Quem tem possibilidade, acaba recorrendo à tecnologia.
"Antigamente, a gente até colocava rede na rua, brincava de esconde-esconde, pega-pega, sem medo de ser feliz. Eu queria que meus filhos tivessem isso também, mas tenho medo porque hoje em dia está ainda mais perigoso", disse Heluara Fontana, de 34 anos.
A mulher é mãe de três filhos, de 12, 8 e 5 anos, mas ajuda na casa da tia, onde geralmente dez crianças passam o dia, no bairro da Casa Verde, zona norte de São Paulo. Ela tenta levá-los para se divertir fora de casa de vez em quando, e a opção também, é uma praça próxima, mas nas mesmas condições precárias.
"Tem uma pracinha aqui perto que foi tomada por moradores em situação de rua, gente que fica lá usando droga, e eles não estão nem aí se tem criança vendo aquilo. Se falamos, é capaz até que sejamos agredidos. Sei que as próprias pessoas acabam destruindo o local, mas tem que ter mais fiscalização, como eu vejo que tem em outros lugares", afirmou Heluara.
A dona de casa Ligiane conta que houve um episódio em que havia ido pegar os filhos na escola e, na mesma rua, estava tendo uma perseguição policial. Segundo ela, poucos metros à frente, as crianças acabaram vendo um homem baleado e "todo ensaguentado".
Os mais inocentes, que estão pouco a pouco criando maturidade para entender certas coisas, "acabam ficando traumatizados por cenas como essa", relatou a mãe.
Ruas para pedestres
Fechar a avenida Paulista para lazer todo domingo e feriado e não alguma rua da comunidade para trazer a mesma proposta, tanto para as crianças, quanto para os próprios moradores foi uma das diferenças citadas por Michelle Serra, mãe do pequeno Bernardo, de 9 anos. Ela se refere ao programa Ruas Abertas, que consiste no fechamento da Avenida Paulista, iniciado em 2016 e que chegou a contar também com o mesmo serviço em várias vias de periferia, mas que acabou sendo reduzido durante a pandemia de Covid-19.
Michelle, que também mora na região da Casa Verde, na zona norte de São Paulo, afirma que moradores de periferias também merecem receber a mesma atenção. "Talvez trazer espetáculos, shows, brinquedos, para a galera ter, de fim de semana, minimamente, um espaço de lazer para curtir, até para valorizar mais os artistas locais também", disse.
Heluara tem a mesma percepção. Segundo ela, as diferenças são notadas até mesmo próximo de casa. "Minha mãe trabalhou em uma creche no Pacaembu, que fica a cerca de 20 minutos da onde eu moro, e é possível ver uma diferença enorme. Lá perto tem uma praça gigantesca que você vê nitidamente que é bem cuidada e fiscalizada, diferente das que tem por aqui", afirmou.
Na Comunidade Rola Moça no Jardim Nelia, zona leste de São Paulo, onde moram cerca de 250 crianças, Tatiane Silva, de 37 anos, e mãe de três filhos, afirma que o local, além da não ter nenhum espaço para levar os pequenos, ainda é precário, sem esgoto adequado e nem asfalto.
No auge da pandemia, em 2020, foi o momento em que os moradores mais sofreram e, junto com professores de escolas públicas na região, Tatiane iniciou um projeto para arrecadar alimentos e entregar às famílias.
Para a mulher, as crianças que moram nessa comunidade são extremamente impactadas pela desigualdade. "Elas vêem pessoas da mesma idade em uma realidade totalmente diferente, então acabam sofrendo, não tem jeito", concluiu.
Prefeitura
A Prefeitura de São Paulo defendeu os trabalhos de zeladoria nas áreas citadas. Segundo a administração, na área da Subprefeitura Freguesia/Brasilândia, a zeladoria e limpeza das áreas verdes da região é feita a cada dois meses. A última manutenção na área citada foi nno dia 5. Uma equipe da Prefeitura iria ao local novamente na terça-feira (11) para checar se havia necessidade de uma nova limpeza.
A Subprefeitura Capela do Socorro realiza também ações de zeladoria na Praça Jardim Myrna semanalmente. A última zeladoria realizada no local ocorreu na última terça-feira (11).
Na região da Capela do Socorro, foram feitos 3.252.524 m² de corte de grama e foram podadas 3.646 árvores. No território da Freguesia/Brasilândia, foram cortados 1.896.168 m² de grama. Além disso, foram podadas 1.998 árvores.
A Secretaria Municipal das Subprefeituras afirma que a população pode solicitar os serviços da Prefeitura por meio do Portal 156, no aplicativo SP156 e via central de atendimento telefônico no número 156.
A Secretaria Municipal de Esportes e Lazer afirma ter equipamentos municipais em toda a cidade, inclusive nas regiões citadas, com vasta programação de atividades, como, por exemplo, ginástica, vôlei, futebol e artes marciais. Um dos sreviços, os Centros Esportivos, estarão abertos nesta quarta-feira. Os endereços estão disponíveis no site da secretaria.
A Secretaria Municipal de Cultura destacou que, em comemoração ao Dia das Crianças, promove a primeira edição do Festival dos Pequeninos nos dias 12, 15 e 16 de outubro. O evento oferece uma série de atividades nos equipamentos culturais, locais públicos e abertos e nas 32 subprefeituras de São Paulo, no intuito de abraçar toda a população da capital paulista. A pasta diz ainda oferecer vasta programação cultural em seus equipamentos ao longo de todo o ano.
*Estagiária sob supervisão de Fabíola Perez e Márcio Pinho