Como recomeçar a vida escolar em um colégio após um ataque?
Depois dos episódios de violência em SC e SP, especialistas afirmam que alunos e funcionários devem falar sobre os sentimentos
São Paulo|Lucas Ferreira, do R7
A última semana foi marcada pelo bárbaro ataque em uma creche de Blumenau (SC), na qual quatro crianças entre 4 e 7 anos morreram, além de outros cinco alunos, que ficaram feridos. O episódio, porém, não foi único, e aconteceu poucos dias após um estudante matar a professora em uma escola estadual na zona leste de São Paulo.
Com aulas suspensas em ambas as unidades, estudantes e funcionários puderam se afastar por alguns dias daqueles ambientes, embora saibam que o retorno para o seio escolar é inevitável.
Para especialistas ouvidos pelo R7, é importante que alunos, professores e todo corpo de profissionais das escolas possam falar sobre o assunto e expressar como aquela dor os afeta.
A doutora em psicologia clínica Joana Vartanian diz que o silêncio não é uma opção após um episódio de violência extrema como os vividos em Blumenau e São Paulo. Ela acredita que adultos e profissionais devem abrir um canal de diálogo com crianças e adolescentes, que muitas vezes não estão preparados para lidar com este tipo de sentimento.
“A ideia é que a gente consiga criar esse tipo de espaço para que o silêncio não ocorra porque dentro do silêncio que a gente pode acabar criando um contexto para que essas crianças e adolescentes se confundam dentro daquilo que estão sentindo”, explica Vartanian.
A especialista afirma que é muito comum que sobreviventes deste tipo de evento se sintam responsáveis por aquele ataque e, inclusive, tenham vergonha por como todo este episódio ocorreu.
“A criança e o adolescente não têm nada de responsabilidade sobre isso.”
O psicanalista e doutor em psicologia social Paulo Bueno explica que este tipo de violência é vivenciada como um trauma coletivo. Entretanto, cada pessoa é impactada individualmente por esta dor, dividia em duas partes: o choque da experiência e, em seguida, os efeitos.
“O primeiro tempo é o choque, aquele momento impactante, e o segundo é o tempo em que se recolhe, em que as crianças e os adolescentes, também os adultos, vão começar a manifestar os efeitos desses impactos, desse choque”, conta Bueno.
Assim como Vartanian, o doutor em psicologia social incentiva o diálogo no espaço escolar.
“É muito importante que se possa falar a respeito. [...] Um luto precisa ser elaborado e ele não é elaborado silenciosamente, ele é elaborado através das palavra, através da fala.”
Como os jovens podem manifestar sinais de um trauma?
Mesmo que sem se expressar verbalmente, os especialistas afirmam que é possível identificar mudanças no comportamento dos jovens após uma experiência de violência. Agressividade, hábitos alimentares diferentes e dificuldade para dormir podem ser sinais de um transtorno motivado por um evento traumático.
Observar este tipo de gesto é mais importante ainda quando se tratam de crianças, segundo Bueno.
“A gente não vai esperar delas que elas falem ‘estou sentindo alguma coisa estranha. Consigo ler nos gestos da minha professora que ela está muito mal, consigo sentir um clima de dor e luto nessa escola’. Ela não vai se expressar dessa maneira, mas ela começa a se expressar através de mudanças de padrão comportamental.”
Nestes primeiros dias e semanas após um evento extremo, aqueles que presenciaram a situação de violência podem viver uma “montanha-russa de sentimentos”, segundo Vartanian.
“É muito natural em diversos momentos, em pontos diferentes, nos sentirmos de formas diferentes. [...] Num outro momento vem um sentimento de um pouco mais de tranquilidade com relação ao que aconteceu, depois tudo volta. Faz parte do processo de luto.”
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Muitas vezes esquecidos, os funcionários também fazem parte do cenário necessário para a recuperação da saúde mental e da estima da comunidade escolar. Para Bueno, é preciso uma intervenção com o corpo docente para que o episódio seja superado.
“As conversas a respeito do acontecimento não devem ficar apenas nos corredores. É muito importante que os professores e funcionários tenham um espaço legítimo para poder falar sobre a sua dor, para poder falar sobre o sofrimento, para poder falar sobre o medo”, reforça o doutor em psicologia social.
“Absolutamente nada do que ouve naquele dia, nada do que poderia ter sido diferente é responsabilidade desses jovens, dos profissionais das escolas, das creches, que vivenciaram esse tipo de situação. Esse sentimento de responsabilidade precisa ser dado para quem cometeu o ataque”, conclui Vartanian.