Covid é mais letal em bairros pobres de SP: ‘desigualdade mata’
Após um ano e meio de pandemia, dados mostram que distribuição de renda influi diretamente na proporção de mortes pelo vírus
São Paulo|Guilherme Padin, do R7
!['Mais ricos morrem menos e pobres morrem mais. Sociedade pode achar normal?'](https://newr7-r7-prod.web.arc-cdn.net/resizer/v2/Q4AZXMK5ARIT3FFQ5HBJTYI66Q.jpg?auth=b9eb976741824839d80d2ad8541cce55f4c74a288960eb77d747a159b750ba64&width=879&height=532)
A pandemia que vitimou quase 600 mil pessoas no Brasil e ainda tira centenas de vidas por dia é ainda mais letal em bairros pobres de São Paulo do que nas regiões abastadas. Os dados são de um estudo realizado pela Rede Nossa SP, divulgado nesta segunda-feira (13).
De acordo com a pesquisa, a desigualdade na distribuição de renda influencia diretamente na proporção de óbitos causados pelo novo coronavírus, sobretudo às populações idosas e em grupos de risco.
Como exemplo, são utilizados os distritos de Lajeado e Alto de Pinheiros. No primeiro, o coeficiente de morte entre pessoas acima de 60 anos é cinco vezes maior (114,3 por 100 mil habitantes) que em Pinheiros (28 a cada 100 mil).
Coordenador geral da Rede Nossa São Paulo, Jorge Abrahão comenta ao R7 que “há uma correlação direta entre condição de renda e mortes. Os mais ricos morrem menos e os mais pobres morrem mais. Uma sociedade pode ter isso e achar normal?”.
Abrahão considera compreensível que em uma cidade existam diferenças de renda entre as populações que a habitam. Mas, prossegue ele, “o que não está bem é quando essa diferença influencia em questões cruciais como a proteção da vida. E é possível enfrentar isso, investindo prioritariamente em acesso de qualidade”.
![SP: mortalidade por pessoas abaixo dos 60 anos, com mais de 60 anos e distribuição de renda](https://newr7-r7-prod.web.arc-cdn.net/resizer/v2/LDEUEHDIHJPQTIG3FHPFO6ZW3Y.png?auth=1d60446f71d6a7fe3d887e31b8e467286d0cbfcff21f2f38275d71bf9cd2e530&width=1039&height=514)
Desigualdade racial
A pesquisa da Nossa São Paulo também revelou outro dado relacionado à desigualdade em São Paulo: em vários bairros da cidade, a proporção de morte por covid-19 entre pretos e pardos foi significativamente superior à da população branca.
“A questão racial é outro problema importante. A pesquisa analisou a questão num mesmo distrito. Os negros que moram no Itaim, por exemplo, têm percentual de morte maior do que o percentual de brancos do bairro”, ponderou Jorge Abrahão.
![Pesquisa também apontou para a desigualdade racial nas mortes por covid em SP](https://newr7-r7-prod.web.arc-cdn.net/resizer/v2/PYAA5EVLN5L5BHBRQMAPNUOUPY.png?auth=7446587da2a4d2dfe49773dad6562ee2b27a9923c365f1057b76d515099aa425&width=921&height=524)
No Itaim Bibi, citado por Abrahão, a população negra morreu proporcionalmente 1,7 vez mais que os brancos, entre janeiro e julho desse ano – período de recorte dos dados raciais. Em Pinheiros, 50% das pessoas pretas e pardas com o vírus faleceram; entre os brancos do mesmo bairro, 34,2%.
Outro ponto decisivo para as discrepâncias apontadas pela pesquisa, sobretudo as raciais, segundo o coordenador, foi o transporte público – problema não resolvido na pandemia, aponta.
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“O poder público usou as frotas em função da demanda. Tinha que aumentar a frota, e não adequá-la à demanda de usuários. É uma lógica perversa, que aconteceu no transporte e também com os leitos”, diz.
Distribuição de leitos também é desigual – e não mudou
A pesquisa também indica a desigualdade na proporção de leitos de UTI distribuídos no município paulistano. Embora o número de leitos por 100 mil habitantes tenha saltado de 10,3 para 71,4, o aumento não foi capaz de impedir ou amenizar os efeitos da estrutura de má distribuição na capital.
O exemplo utilizado pelo estudo, neste caso, envolve as subprefeituras de Pinheiros e São Miguel. No ano passado, Pinheiros possuía 65,2 vezes mais leitos (em proporção) que São Miguel, e o número praticamente não mudou em 2021: eram 64,5 vezes mais de uma região para a outra.
![Quadro 2 mostra que, apesar do aumento de leitos, desigualdade permaneceu](https://newr7-r7-prod.web.arc-cdn.net/resizer/v2/QHZ6KONRXZI4LJPZZBUGWII6MI.png?auth=4514476295e639b3b80422c0e61002505106bd8d883ccd548b6a3915e1effd63&width=677&height=369)
“É importante ressaltar que houve um aumento no número de leitos. O que acontece é que o modelo mental continua na mesma chave: você aumenta, não para reduzir a desigualdade, mas mantendo ela”, avalia Jorge Abrahão.
Para ele, a partir de dados como esses, é necessário que o poder público compreenda que, além da pandemia, “a desigualdade está matando”.
“Se trabalha na lógica da emergência, de se apagar incêndio. E um governo desejável tem que pensar de uma maneira mais sistêmica, estruturante de se enfrentar os problemas. Não vamos mudar a pandemia. Para não termos paralisações da sociedade temos que melhorar a infraestrutura e reduzir as desigualdades. E os números mostram que não houve esse aprendizado”, conclui.
![Quatro mostram proporção de internações (gerais e em UTI) que evoluíram para mortes](https://newr7-r7-prod.web.arc-cdn.net/resizer/v2/RBRGAEGIKJMNHNE7FNWTCSH6AY.png?auth=019c688e00ae5a9e641289d2467c46310531ecb7793b3e940935fa22aa806a85&width=783&height=493)