Décadas de sofrimento com chuva provocam medo e depressão em SP
Moradores encontram medidas paliativas para fugir de enchentes, mas traumas de décadas sofrendo com transbordamento de córrego continua
São Paulo|Kaique Dalapola, do R7
Marta Soares, 49 anos, tem medo da chuva. Quase todo final de tarde de verão, quando o céu escurece e ameaça chover, ela sobe rapidamente para o andar cima que construiu em sua casa, que fica menos de 50 metros do córrego que atravessa o Jardim Itajaí, na região do Grajaú (periferia da zona sul de São Paulo), para tentar aliviar seu pavor.
O medo não é em vão. São anos de sufocos passados pela família e muitos bens importantes perdidos que resultaram no temor de quando a chuva vem. Por sorte, o bem que considera mais precioso, o filho Lucas do Carmo Andrade, de 24 anos, foi salvo por pouco durante a tempestade que alagou sua casa em fevereiro do ano passado.
O rapaz tem deficiência múltipla e depende de cadeira de rodas. No dia 3 de fevereiro de 2019, Marta estava sozinha com o filho no andar de baixo da casa quando começou a chover. Em poucos minutos, a água que transbordou o córrego invadiu a casa e em poucos minutos subiu quase um metro e meio.
Lucas não consegue se locomover sozinho. A mãe, então, precisou arrumar força para subir a escada com o filho no colo para evitar o afogamento do rapaz. No final, se perderam as roupas, fraldas descartáveis que o jovem precisa, remédios, a cadeira de rodas adaptada e a saúde de Marta. Desde então, sintomas de depressão são recorrentes e ela também vive com medicamentos.
Essa é apenas uma das histórias das vítimas de enchentes da região. E não são poucas. “Desde quando cheguei aqui, em 1984, frequentemente perdemos tudo que temos com as chuvas”, conta a aposentada Maria Nilza de Souza Almeida, de 63 anos.
Segundo Maria Nilza, a situação para ela melhorou um pouco depois que elevou sua casa em cerca de um metro do nível da rua e formou uma barreira que impede que a água invada a residência. “Antigamente, qualquer chuva a água já entrava, agora a gente consegue ficar um pouco menos preocupado”.
Quem ainda procura medidas mais eficazes para enfrentar as enchentes é o morador da primeira casa depois que atravessa o córrego, Marcel Conceição de Almeida, de 34 anos. Geralmente, ele reforça a porta da residência com madeiras quando a água começa se aproximar.
Nem sempre o ato paliativo resolve. No verão do ano passado, depois de ultrapassar os limites das tábuas na porta, a família de Marcel ficou ilhada. No desespero, elepassoua mãe, idosa, e a filha, criança, por cima do muro de sua casa e contou com ajuda de vizinhos para não deixá-las na correnteza.
O trecho que costuma alagar é uma parte rebaixada da rua Coronel João Cabanas e passa por cima do córrego. Quando as chuvas são fortes ou prolongadas, os três dutos de água não dão vazão suficiente, sobretudo por causa das sujeiras jogadas ao longo do córrego.
A limpeza realizada no local neste verão resolveu o problema de parcialmente. Longe de manter a vizinhança tranquila. O mecânico Air Custódio Pinto, de 53 anos, por exemplo, perdeu diversas ferramentas de trabalho no início deste ano, após uma tempestade. “Começa a chover, a gente vê o que precisa salvar mais urgente, geralmente são os carros dos clientes que estão aqui na oficina”, explica.
Ele afirma já estar acostumado a ter que comprar novas ferramentas para oficina com frequência, e tenta arrumar formas para reduzir os prejuízos. Mas a vontade mesmo é que o projeto que pensa juntamente com os vizinhos seja executado pela prefeitura: “precisa fazer obra grande aqui, tirar essas tubulações e construir uma ponte”, sugere.
As chuvas de segunda-feira (10), que deixaram a cidade no caos, não chegou com forma na região e as águas do córrego não transbordou e as famílias ficaram apenas com o medo — sem outros prejuízos. Mas Marta dá o tom de como o bairro segue: "precisamos ver amanhã".