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Dois mundos lado a lado: Vila Andrade é face de uma SP desigual

Distrito na zona sul da capital tem 49% de seus domicílios considerados como favelas, e recebe poucos serviços públicos apesar de alta arrecadação

São Paulo|Guilherme Padin, do R7


49% das casas da Vila Andrade são consideradas favelas
49% das casas da Vila Andrade são consideradas favelas

As ruas da Vila Andrade revelam dois mundos em uma São Paulo já desigual. O distrito da capital paulista com maior proporção de casas consideradas como favelas – são 49% dos domicílios, segundo o Mapa da Desigualdade de 2019, da Rede Nossa São Paulo – é lar dos habitantes de Paraisópolis e, separados por avenidas como a Giovanni Gronchi, dos moradores de luxuosos edifícios a menos de 2 km da maior favela da cidade.

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Embora arrecadem à Prefeitura mais de R$ 200 milhões de IPTU – 11º valor mais alto entre 96 distritos –, o bairro da zona sul não tem direitos básicos sendo devolvidos na mesma medida em serviços e equipamentos públicos.

Para Carolina Guimarães, coordenadora da Rede Nossa São Paulo, “a Vila Andrade é uma exceção como distrito, dado que há grandes condomínios de luxo e favelas, demonstrando sua desigualdade”.

Segundo a pesquisadora, “a área tem uma renda concentrada maior do que em outros lugares, mas o preço de metro quadrado é mais baixo, por exemplo, do que o de Pinheiros, o que faz com que as pessoas tenham apartamentos maiores”.

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O acesso à cultura da região é limitado, e a educação e saúde pública também deixam a desejar: a Vila Andrade é, por exemplo, o último colocado entre os indicadores “tempo de espera para consultas com clínico geral” (75 dias, acima do triplo da média de 19,3) e “tempo de atendimento para vaga em creches” (261 dias, mais que o dobro da média de 106,9) no Mapa da Desigualdade, no qual ainda figura abaixo da média em diversos outros aspectos.

Veja também:Assassinatos de mulheres crescem 167% na cidade de SP, diz estudo

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Acervos de livros infanto-juvenis e adultos também jogam luz sobre a pouca atenção recebida no local. Na faixa etária dos sete aos 14 anos, consideradas apenas as bibliotecas municipais, há 0,04 livro para cada morador da Vila Andrade, enquanto a média da cidade é de 0,5 e a Consolação, no topo da lista, tem 10,44 livros. Para os habitantes a partir de 15 anos, o distrito da zona sul possui 0,07 livro por pessoa, enquanto a Liberdade, primeira colocada, oferece 2,18 livros. A média da capital nesta faixa é de 0,2 livro.

Vista aérea mostra proximidade entre condomínios de luxo e Parasópolis
Vista aérea mostra proximidade entre condomínios de luxo e Parasópolis

Se números como esses não causam tanto impacto para quem vive nos empreendimentos imobiliários que mais parecem clubes, com opções de cultura, esportes e lazer, para habitantes de favelas estes espaços públicos podem fazer falta.

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De acordo com Guimarães, “pessoas que moram em condomínios de luxo não tendem a utilizar equipamentos públicos, mas a voz política e a economia de pessoas que têm mais dinheiro, muitas vezes, não são utilizadas para melhorias nos distritos”.

Para Bruno Melo, organizador da Copa da Paz, um dos maiores campeonatos de futebol de várzea do país, que movimenta milhares de pessoas ano a ano em Paraisópolis, a Vila Andrade “deveria ter mais lugares como campos de futebol, ginásios poliesportivos, parques. Aqui praticamente só existem casas e comércio”.

Na avaliação dele, a Prefeitura de São Paulo “quase não dá atenção alguma [ao bairro], são poucos os serviços públicos oferecidos à população”. Perguntado sobre como julga a qualidade dos equipamentos e serviços públicos do bairro, Bruno é taxativo: “Precária”.

Na mesma região, a realidade não é exclusiva do bairro conhecido como “novo Morumbi”: outros seis distritos entre os dez mais 'favelizados' de São Paulo também se localizam na zona sul da capital. E, nos mesmos indicadores já citados, também apresentam números abaixo da média.

Saúde pública incomoda moradores da zona sul

'Precisamos de mais médicos e que sejam mais humanos', diz Tatiane
'Precisamos de mais médicos e que sejam mais humanos', diz Tatiane

Enquanto aguardava pelo atendimento na Unidade Básica de Saúde Parque Arariba, bairro ao lado da Vila Andrade, Tatiane Silva falou à reportagem do R7 sobre os problemas pelos quais sua família tem passado recentemente.

Ela e o marido esperam em uma fila de um ano por um exame de endoscopia. Por ter um caso menos grave, ele deverá esperar mais. Tatiane vive uma situação mais crítica: precisando de um transplante de rim, tem passado por tratamento no Hospital do Rim, conseguido com a ajuda de uma médica da UBS do Parque Arariba, na zona sul. No entanto, mesmo onde há pontos positivos, os negativos também se fazem presentes.

“A doutora Janaína, que conseguiu esse tratamento pra mim, era ótima, muito humana. Mas ela teve que sair da UBS e estamos sem médicos. Há pelo menos dois meses é uma enfermeira atendendo como clínica-geral”, contou.

Como se não bastassem os problemas vividos por Tatiane e seu companheiro, Ester, uma dos dois filhos do casal, espera há cerca de seis meses por uma consulta com oftalmologista.

Incomodada com a situação da saúde local, Tatiane desabafa: “Aqui [na UBS] não tive problema, mas no Hospital Campo Limpo e nos demais hospitais você é tratado como lixo. Isso não é justo com o ser humano, porque pagamos impostos. É muito triste a saúde no Brasil”.

Faixa em frente a UBS na zona sul pede por atenção
Faixa em frente a UBS na zona sul pede por atenção

“No geral, precisamos de mais médicos e que sejam mais humanos. Que se sintam e se coloquem na pele do próximo”, disse ela, e concluiu com um apelo: “Eu preciso de um rim. Eu tenho dois filhos pra criar e preciso de um transplante”.

Já na UBS Jardim das Palmas, a aposentada Margarida de Souza, 72, contou que não passa por muitos problemas na unidade, mas, eventualmente, espera mais do que o necessário por “coisas simples”: “Venho mais pra medir a pressão. Tem vezes que demora bastante, até umas duas horas. Podia ser mais rápido. Podia melhorar a falta de remédio também, porque agora mesmo está sem. Às vezes fico dois meses sem meu remédio de pressão”.

Acompanhada das netas, a dona de casa Lúcia da Silva, 66, já trata as longas esperas por consultas com certa normalidade. “Da parte da diabetes resolvo rápido aqui no posto (UBS Jardim Olinda), e venho só de vez em quando”, disse ela inicialmente. Quando perguntada se já teve de esperar por consultas com clínicos gerais, refletiu e respondeu: “Ah, isso acontece, sim. Mas é normal, né? Agora no começo de setembro tive que marcar [uma consulta com um] cardiologista, mas ficou só pro final de novembro”.

Ela considera que a espera é injusta. “A gente não tem convênio nem nada. Então temos que esperar. Fazer o quê?”, questionou.

Estudo compara dados e ilustra desigualdade nos distritos paulistanos

O Mapa da Desigualdade, publicado anualmente pela Rede Nossa São Paulo, tem como objetivo levantar dados sobre os 96 distritos da capital paulista e verificar quais são os locais mais desprovidos de serviços públicos na cidade.

Na edição de 2019, o aumento no número de casos de violência contra mulher e a redução no número de leitos hospitalares e acervos de livros infanto-juvenis e adultos chamaram atenção. Além disso, assim como no ano passado, se verificou também que, na mesma São Paulo, dependendo do bairro, a idade média ao morrer pode variar até 23 anos – Moema (80,57 anos), com o número mais alto, e Cidade Tiradentes (57,31 anos), o mais baixo.

Além dos dados citados na reportagem, a Vila Andrade também apareceu negativamente em outros indicadores. O número de empregos formais por dez habitantes, por exemplo, é de 2,33, enquanto a média é de 6,7 e o líder do indicador, a Barra Funda, oferece 59,24.

Nos teatros para cada dez mil habitantes, a República lidera com 5,92 e, enquanto a média é de 0,4, o distrito da zona sul tem apenas 0,07. Com museus, a Sé (5,49) está no topo e o “novo Morumbi” fica zerado.

Em equipamentos públicos de cultura para cada cem mil habitantes, o Butantã, com 53,7, é o primeiro. Já a Vila Andrade tem apenas 0,65 – a média da cidade é 4.

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