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Entregadores que protestaram em SP sofrem multas acima de R$ 5.800

Após ir a dois atos, entregadora foi autuada em R$ 12 mil por três infrações. Direito à manifestação deve ser garantido, diz professor

São Paulo|Guilherme Padin, do R7

Julho de 2020 teve principais atos da categoria no ano passado
Julho de 2020 teve principais atos da categoria no ano passado

“Hoje estou com minha moto com um total de multas em R$ 12 mil devido a manifestações que estamos indo para obter melhorias no nosso trabalho. Sou autônoma, tenho filhos, uma moto nova e preciso pagar”. Carolina Rodrigues descreve desta forma a situação que ela e outros entregadores vivem desde julho de 2020 – no caso dela, mais recentemente –, quando começaram os principais atos da categoria por melhores condições de trabalho.

Desde então, alguns profissionais sobre duas rodas que protestaram foram surpreendidos com multas nos locais dos atos, sobretudo as por obstrução de via, cujos valores são de quase R$ 6 mil – para a entregadora, o dobro por ter ocorrido em duas oportunidades.

Sem saber a quem recorrer, boa parte dos autuados continua trabalhando para pagar o alto valor da infração. Há quem esteja sofrendo até hoje para pagar pelas infrações, outros tiveram de contar com o auxílio de amigos.

Carolina relata que foi multada após dois atos da categoria, em 19 de março e 16 de abril deste ano.


No primeiro, comenta, os manifestantes estavam parados no Masp (Museu de Arte de São Paulo), na avenida Paulista e policiais começaram a gravar as placas das motos por um celular e depois autuaram alguns trabalhadores que estavam no ato, inclusive ela, com infrações acima dos R$ 5 mil.

Há quatro meses veio a segunda: os entregadores passavam pela Marginal Tietê quando a motocicleta de Carol quebrou.


“Os policiais me cercaram e falaram para eu ligar a moto e sair fora. Eu respondi que a moto estava quebrada, e um policial me falou: ‘desengata essa m... aí’. Como ela não funcionou, ele tirou uma foto e disse: ‘se prepara pro bolão que vai chegar lá na sua casa’. E dias depois chegou uma multa de R$ 5 mil e mais outra por estar sem capacete”, conta. No caso desta última, a entregadora relata que não usava o equipamento; os agentes pediram para que o colocasse e ela obedeceu, o que não impediu a autuação.

O faturamento mensal de Carolina geralmente varia entre R$ 2.900 e R$ 3.100, “mas agora está mais fraco”, comenta. Porém, com os reparos com a motocicleta e os gastos com combustível, que passa por constantes alta de preço, o valor líquido é de R$ 2.200 a R$ 2.300.


Esta quantia que sobra ainda se dilui entre o aluguel do imóvel onde vive (R$ 430), a prestação da moto e o seguro, acima dos R$ 500, além de sustentar a si mesma e os filhos em casa. Para a entregadora, pagar as multas neste momento está fora de cogitação. “Muito difícil, é o valor de outra moto. Vou ter que procurar por ajuda, talvez fazer uma vaquinha com meus amigos”, lamenta.

Já Lenildo Caires esteve em um protesto em 14 de julho do ano passado – este, ligado ao SindimotoSP (Sindicato dos Mensageiros Motociclistas, Ciclistas e Moto-Taxistas do Estado de São Paulo). Dias depois, ao olhar a carteira de motorista digital, encontrou a notificação da multa por andar sem capacete, infração que nega ter cometido.

“Sou profissional, tenho consciência e em hipótese alguma andaria sem. É uma multa injusta e é gravíssima, porque dá a suspensão da carta e do direito de dirigir”, conta o motoboy.

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Devido à pandemia de covid-19, Caires recebeu a multa de fato apenas este ano, há cerca de três meses. Ele levou o documento para o sindicato recorrer da decisão. O trabalhador comemora a disposição do órgão que representa sua categoria, mas lamenta a situação que viveu.

“É uma injustiça. Você faz uma manifestação pacífica, ninguém quebrou nada nem fez bagunça, só correndo atrás dos direitos, para aumentarem as taxas, que estão muito baixas. E é um momento em que tudo no país aumentou, com a gasolina muito cara... e aí vários ‘motocas’ foram multados. É uma coisa que atrapalha, e ainda temos que parar as entregas para que correr atrás de resolver o problema”, diz o entregador.

“Direito à manifestação é constitucionalmente assegurado”, diz professor

Professor de Direito Administrativo da Faculdade de Direito da USP (Universidade de São Paulo), Vitor Rhein afirma que “é um absurdo multar e impedir um direito [à manifestação] que é constitucionalmente assegurado, não se pode multar alguém que se manifestou”.

O direito de manifestação, aponta Rhein, não demanda uma autorização prévia, mas somente que os organizadores comuniquem as autoridades sobre um determinado ato.

O professor comenta que o local e o espaço de um protesto no meio urbano não devem ser problematizados ou utilizados como motivo para possíveis punições.

Multa recebida por entregador foi de R$ 5.689,40
Multa recebida por entregador foi de R$ 5.689,40

“É complicado dizer se um lugar pode ou não pode ser usado para fins de manifestação. Não adianta fazer numa rua de bairro. Pra ser escutado, precisa estar num lugar grande, conhecido, e não dá pra manifestar na calçada”, diz ele, que prossegue: “no máximo, o dever das autoridades é impedir duas manifestações contrárias no mesmo lugar e orientar que sejam em locais diferentes”.

Ao entregador ou entregadora que se sentiu lesado por uma multa após se manifestar, Vitor Rhein indica que a medida adequada é procurar alguma associação e entrar com uma medida coletiva. “Pode uma ação pública, um mandado de segurança. Tem remédios constitucionais contra isso. É melhor ir coletivamente, porque ratifica a ideia de uma manifestação coletiva sobre uma causa comum”, aconselha.

Em atos de julho, sindicato avisou secretaria de segurança

Antes dos três principais atos de julho de 2020, nos dias 1º, 14 e 25, o sindicato dos motofretistas do estado enviou um ofício à SSP-SP (Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo) avisando sobre os protestos.

“Nós enviamos, e até hoje recebemos casos de multas desses movimentos ainda [de julho de 2020]. Sei de quatro trabalhadores que receberam multas pesadas de obstrução de via, por tirar a mão do guidão e até por desatenção”, comenta Gilberto Almeida, presidente do SindimotoSP, que diz que a organização tenta ajudar em alguns desses casos.

Um dos 4 ofícios do Sindimoto enviados ao R7 mostra aviso sobre protesto
Um dos 4 ofícios do Sindimoto enviados ao R7 mostra aviso sobre protesto

Um deles é o de José Paulo Ramos, que também esteve na manifestação de 14 de julho. Cerca de quatro meses depois, o motoboy foi multado em mais de R$ 5,8 mil por obstrução de via.

“Eu estava na Bandeirantes para entrar na rua do sindicato, e tinha alguns policiais do trânsito sinalizando para a gente entrar e estacionar a moto. Foi o que eu fiz. Esperei o pessoal estacionar e, quando chegou minha, vez eu fui. Fiquei um tempo na manifestação e fui embora”, conta o entregador.

Ao conferir a carteira digital meses depois, viu a multa por interromper a circulação na via. “Quando vi eu falei ‘caramba, como vou pagar isso agora?’”, diz ele.

José também contou com a ajuda do sindicato, que vai tentar reaver a punição ou, em caso de insucesso, vai auxiliar com uma parte em dinheiro.

“O negócio ia complicar pra mim, R$ 6 mil é muita grana. Ainda mais dizendo que interrompi a circulação da avenida dos Bandeirantes, que tem umas quatro faixas. Pra interromper a circulação ali só uma carreta atravessada. Nem quem é pego bêbado recebe multa num valor desses. Já tô pagando a moto, tem seguro, tem a gasolina que tá cara, óleo, kit relação da moto, um monte de coisa que trocamos com mais frequência... quem trabalha na rua sabe”, lamenta o trabalhador.

Posicionamento

A reportagem procurou pela SSP-SP para obter um posicionamento acerca das multas aos entregadores nas datas de manifestações da categoria.

A secretaria enviou uma nota sobre os três atos registrados em julho do ano passado, nos dias 1º, 14 e 25.

Segundo a pasta de segurança, o 1º Batalhão de Polícia de Trânsito, da Polícia Militar, realizou o policiamento ostensivo nas datas acima, com o objetivo, segundo o comunicado, de garantir a segurança e o direito constitucional à manifestação de motociclistas e entregadores por aplicativo.

“Na ocasião, os líderes dos movimentos e os participantes foram orientados previamente acerca do Código de Trânsito Brasileiro e que, qualquer atitude contrária à segurança, seria coibida. A orientação foi repetida constantemente durante o ato em função de repetidos casos de desrespeito às normas de segurança. Ao todo, participaram, aproximadamente, 1.500 motociclistas, foram confeccionadas 76 autuações, menos de 4% do total de motocicletas nos atos, 65% das autuações ocorreram por uso de celular na direção do veículo, infração considerada gravíssima pelo CTB”, escreve a SSP, que não respondeu a respeito de atos em datas posteriores às citadas.

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