Esburacadas, sem fiscalização e sujas: ciclistas denunciam precariedade das ciclovias de SP
'Situação de abandono' ocorre em meio a recapeamento massivo de vias para carros; prefeitura planeja manutenção contínua
São Paulo|Sandra Lacerda*, do R7
Esburacadas, sujas, com a tinta gasta e sem fiscalização: essa é a situação atual das ciclovias, ciclofaixas e ciclorrotas de São Paulo. Ciclistas ouvidos pelo R7 mostram preocupação com os riscos e denunciam o descaso nas vias exclusivas para bicicletas da capital paulista, que, na opinião deles, "estão abandonadas".
Segundo dados da pesquisa Viver em São Paulo: Mobilidade Urbana, feita em 2021 pela Rede Nossa São Paulo em parceria com o Ibope Inteligência, 26% da população paulistana — em torno de 3 milhões de pessoas — utiliza bicicletas.
Entre os dias 16 e 21 de setembro, a reportagem do R7 percorreu algumas das principais ruas e avenidas da cidade que contam com pistas destinadas a bicicletas. O objetivo era ouvir os ciclistas e entender os principais problemas e dificuldades da vida sobre duas rodas.
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No dia 22, a Prefeitura de São Paulo anunciou a criação de um programa de manutenção permanente das ciclovias, ciclofaixas e ciclorrotas. O projeto, segundo a gestão municipal, tem o objetivo de garantir a manutenção contínua dos 690 km de pistas já existentes e garantir a recuperação imediata daquelas em situação crítica. A ação deve durar pelo menos dois anos.
Manutenção só para carros
O cenário de precariedade para os usuários de bicicleta é visto em meio a um recapeamento massivo de ruas e avenidas da cidade. De acordo com a Prefeitura de São Paulo, o projeto já ultrapassa 9,9 milhões de m² desde o início do programa, em junho de 2022.
Horácio Figueira, especialista em engenharia de transporte, explica que a falta de atenção com as ciclovias e ciclofaixas é um reflexo da prioridade dada aos automóveis em detrimento dos pedestres e de outras modalidades de transporte.
"Não adianta investir apenas em recapeamento sem olhar a questão da calçada e da ciclofaixa. Esse é um erro de quem não se importa com a segurança de pedestres e ciclistas", afirma ao R7.
A avenida Jornalista Roberto Marinho, localizada na zona sul da capital paulista e reformada em agosto de 2023, é um exemplo de via recapeada que teve a ciclofaixa apagada. Até a publicação desta reportagem, a pista para bicicletas não havia sido totalmente refeita.
"A ciclofaixa sumiu em meio a uma reforma infindável da avenida. Os ciclistas que seguem no sentido bairro se veem largados sem estrutura e pedalando de frente para os carros, no contrafluxo, em uma avenida de alta velocidade", diz William Cruz, especialista em mobilidade por bicicleta e diretor do portal Vá De Bike.
William e outros ciclistas ouvidos pela reportagem também disseram que, após o projeto de recapeamento na capital paulista, algumas ciclofaixas foram refeitas em tamanho reduzido.
É o caso da "minifaixa" da avenida Rebouças, na zona oeste de São Paulo, que repercutiu negativamente entre os ciclistas e gerou polêmica nas redes sociais, em maio deste ano.
Buracos na ciclofaixa
Welterson Santos, de 30 anos, conversou com o R7 enquanto caminhava a pé pela ciclofaixa da rua Piauí, na região de Higienópolis, ao lado de sua bicicleta.
"O pneu traseiro furou. Passei por uma ciclofaixa esburacada e o pneu da minha bicicleta murchou", lamenta Welterson, que havia acabado de pedalar pela avenida Pacaembu, na zona central.
"Ela é cheia de buraquinhos, está em péssimas condições", diz.
De Itapecerica da Serra até o centro de São Paulo, o passeador de cães pedala mais de 30 km para chegar ao trabalho. Seu objetivo é tentar evitar os atrasos causados pelo trânsito carregado da capital, mas, naquele dia, os buracos nas ciclofaixas também o impediram de chegar na hora.
"Agora vou até uma bicicletaria para resolver esse problema. Não dá para andar com a bicicleta, senão rasga ainda mais o pneu. Preciso ir trabalhar e depois voltar para casa. Não dá para ficar assim", afirmou.
Danificar a bicicleta é um dos principais receios dos garotos Danilo e Júlio, de 15 e 16 anos, moradores de Higienópolis. Embora circulem em uma das áreas mais nobres de São Paulo, os meninos, que pedalam todos os dias para ir à escola, contam que muitas ciclofaixas são estreitas e estão esburacadas.
"Quando a gente encontra um buraco desses, precisa diminuir bastante a velocidade, passar pelo canto ou bem devagar para não estragar a bike", diz Danilo a respeito do rombo na ciclofaixa localizada na rua Piauí, perto do cruzamento com a avenida Angélica.
"É uma preocupação estragar o pneu ou a roda. Aqui teria que ir ou pela calçada, ou pela rua. Pela calçada é ruim por causa dos pedestres, e pela rua, às vezes, é perigoso para os ciclistas. Muitas vezes os carros passam muito rápido e nos ignoram", lamenta Júlio.
Ciclistas na calçada
Mas não são só os buracos que dificultam a passagem das bicicletas por aquelas que seriam vias exclusivas. Carros e motos forçam os ciclistas a procurar caminhos alternativos nas ruas e calçadas.
Para Horácio Figueira, pedalar pelas calçadas é um risco gritante para a vida do pedestre, indivíduo mais frágil no trânsito.
Ciclistas afirmam que, em alguns trechos da cidade, a ciclofaixa é "ignorada constantemente" e já se tornou ponto de estacionamento de automóveis. É o caso da via localizada na rua Coronel Marques Ribeiro, na Vila Guilherme, na zona norte da capital paulista.
Para William Cruz, a falta de fiscalização e de sinalização das ciclofaixas — tendo em vista que muitas têm trechos inteiramente apagados — é o que faz motoristas acharem que podem estacionar ali.
"Isso faz o ciclista desviar e circular em meio aos carros, muitas vezes no contrafluxo, criando um alto risco de atropelamento", afirmou.
Cultura da bicicleta
Para a chilena Paula Monroy, que mora no Brasil há oito anos, a manutenção das ciclovias e ciclofaixas é insuficiente no país. Mas o principal problema está no desrespeito da população pela área exclusiva de bicicletas.
“Venho de um país onde a cultura da bicicleta se desenvolveu com muita força. Aqui no Brasil não existe isso. Andar de bicicleta não é um hábito entre as pessoas, e isso faz com que muitos interfiram na dinâmica de ocupação da ciclovia", comenta Paula, que é arquiteta e professora.
Quando chegou ao Brasil, a moradora do bairro da Vila Madalena, na zona oeste de São Paulo, quis manter o uso da bicicleta para continuar praticando exercícios físicos e utilizar menos transporte público.
No entanto, a ciclista, que costumava pedalar todos os dias, reduziu seu tempo sobre duas rodas após ter sofrido alguns acidentes.
"Eu tento pensar que a sensação de segurança não deveria impedir as pessoas de utilizarem e cultivarem o hábito de andar de bicicleta, mas certamente é uma questão que interfere. Há lugares que não são nem um pouco preparados para os ciclistas", diz.
Falta de asfalto, de tinta e de respeito: veja os principais problemas das ciclofaixas de SP
* Sob supervisão de Bruno Araujo