Escolas registraram 2 notificações de violência sexual por dia em SP
Foram 745 notificações registradas em 2019, um aumento de 15% frente as ocorrências de 2018. Grande São Paulo é região com mais casos registrados
São Paulo|Márcio Neves, do R7
Era manhã de uma quinta-feira em novembro do ano passado e tudo parecia normal durante uma aula de educação física em uma escola estadual da Grande São Paulo.
Em determinado momento, uma menina de 12 anos foi chamada por um colega para uma área ao lado da quadra. Ao chegar no local, a garota foi surpreendida por um outro homem que, sob ameaça, fez ela tirar a roupa e, ali, no mais remoto dos locais onde ela ou sua família podia imaginar que poderia correr algum risco, a jovem foi estuprada.
Dez dias depois, a cena se repetia em outra escola da Grande São Paulo.
Casos como estes de violência ou assédio sexual, entre ou contra alunos, alunas, ou funcionários, se repetiu, em média, duas vezes por dia em ao menos uma das mais de 5.000 escolas estaduais do estado de São Paulo em 2019.
Foram 745 notificações registradas por diretores destas escolas em uma plataforma de monitoramento de ocorrências da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, segundo dados obtidos com exclusividade pelo R7, via Lei de Acesso à Informação.
Os dados obtidos mostram ainda que o número de registros deste tipo aumentaram 15% em relação a 2018, quando houve 637 notificações.
Apesar dos dados incluírem casos mais graves, como o relatado no ínicio desta reportagem, as notificações também incluem atitudes que configuram assédio sexual, que vão desde um convite com conotação sexual até atitudes classificadas como importunação sexual, como passar a mão ou roubar um beijo.
Falta de diálogo e prevenção
O R7 conversou com mais de uma dezena de alunos, com idade entre 12 e 16 anos em várias regiões da cidade, e o relato que impera é que as meninas são sempre as que mais sofrem com o problema e que a falta de diálogo e de conscientização é fato no ambiente escolar.
"Só conversam com a gente quando acontece algo grave, mas ninguém fala com a gente no dia a dia", relata C.S.A, de 15 anos, aluna de uma escola estadual na zona leste de São Paulo.
Para Miriam Abramovic, socióloga especialista em estudos de violência escolar, um dos caminhos para combater este tipo de problema nas escolas é preparar professores e diretores e investir em ações de melhorias do ambiente escolar.
"Em muitos casos, professores e diretores não sabem o que fazer”, explica Abramovic.
O Secretário Executivo de Educação, Haroldo Correa Rocha, reconhece que há dificuldade no diálogo e principalmente em desenvolver em professores e diretores a necessidade de ficarem atentos para este e outros problemas que vão além dos que se limitam à disciplina que ensinam.
"Mas violência sexual é crime, e casos graves serão tratados assim. Será boletim de ocorrência, polícia e responsabilização total, mas vamos trabalhar na rede toda com práticas preventivas e diretores e professores serão orientados para lidarem melhor com isto", afirmou Rocha, reconhecendo a falta de diálogo.
Grande São Paulo concentra casos
Os dados obtidos pelo R7 mostram ainda que a maioria dos casos do estado foram registrados na Grande São Paulo, que registrou 241 casos.
A diretoria de ensino de Mauá foi a que teve mais notificações registradas no ano passado. Foram 34 casos dentre as 104 escolas estaduais localizadas não só em Mauá, mas também em Rio Grande da Serra e Ribeirão Pires.
Na cidade de São Paulo, a diretoria de ensino Norte 2, que engloba 74 escolas de parte da região norte da cidade, incluindo bairros como Tucuruvi, Vila Mazzei e Jardim Peri, registrou 23 ocorrências de assédio ou abuso sexual.
Convivência nas escolas
A Secretaria de Educação está implantando um novo projeto para tentar combater desde casos de violência e abuso sexual, passando por bullying, drogas, vandalismo e outros problemas de convivência nas escolas.
O projeto, batizado de Conviva SP, segundo Haroldo Correa, prevê que cada escola desenvolva um plano com base no registro destas ocorrências e também em sua realidade local. A ideia é que problemas possam ser tratados com ações de conscientização ou até mesmo com um plano de emergência para combater e coibir situações mais graves.
"Violência na escola é de altissima complexidade e a escola sozinha não dá conta de combater, mas está se organizando para fazer a parte dela, trabalhar convivência, trabalhar rede de protecão, e ter um apoio do sistema de segurança pública, e ter ações mais preventivas, mas também reativas quando necessário, seja com quem for", conclui o secretário executivo.
Ainda segundo a Secretaria de Educação, com a implantação destes planos individualizados, cada escola e cada diretoria de ensino passará a ser cobrada a combater e reduzir os casos.