Especialistas pregam cautela sobre Carnaval em SP no ano que vem
Prefeitura quer 15 milhões de foliões. Profissionais apontam para dificuldade de controle em eventos desse porte e risco de variantes
São Paulo|Guilherme Padin, do R7
A notícia de que a prefeitura de São Paulo pretende realizar o maior carnaval de rua da cidade em 2022, com 15 milhões de pessoas e sem a obrigação do uso de máscara, pode pegar de surpresa quem se acostumou com o distanciamento social e os cuidados necessários para evitar o contágio do novo coronavírus ao longo de um ano e meio. A gestão garante, porém, que os planos estão adequados à realidade da pandemia e só serão definitivos se as condições forem seguras na chegada das festividades em fevereiro.
Embora se sustente na queda das médias de mortes e casos confirmados de Covid-19, bem como na amplitude da cobertura vacinal contra o vírus, a medida não foi bem recebida por todos os epidemiologistas e infectologistas ouvidos pelo R7. Os especialistas se dividem entre os totalmente contrários e aqueles que veem a possibilidade com um otimismo acompanhado pela cautela.
Médico sanitarista, fundador e ex-diretor-presidente da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), Gonzalo Vecina Neto afirma ser contra a realização do Carnaval já em fevereiro, com milhões de foliões nas ruas.
“Eventos de massa não têm como mitigar riscos. É diferente de um jogo de futebol, em um espaço em que eu controlo quem entra”, pondera Vecina. O professor da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo conclui: “Carnaval não tem como controlar, e igualmente festa de passagem de ano”.
O próprio secretário da Saúde da capital paulista, Edson Aparecido, admitiu a impossibilidade em coletiva nesta terça-feira (5). “Em um evento dessa natureza fica muito difícil ter um controle de comprovação vacinal, o que temos é o avanço do processo de vacinação”, disse.
Já Paulo Petry, epidemiologista e professor da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), prega cautela, mas considera possível a realização do evento. “Se por um lado a vacinação está avançando, e de fato está, por outro lado temos, como um cabo de força, puxando para o outro lado, o espalhamento da nova variante, a Delta”, afirma Petry.
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O professor cita como exemplo um estudo que indicou aumento da presença da variante Delta de 25% a 75% entre as amostras coletadas pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos desde junho.
“Por enquanto vejo com cautela, mas tenho otimismo de que até o fim de fevereiro, quando será o Carnaval, nós possamos avançar bastante com a vacinação. Apelamos à população que mantenha os cuidados sanitários conhecidos. E, a partir daí, com a vacinação se estendendo, existe a possibilidade de um Carnaval com tranquilidade maior. Mas precisamos da colaboração das pessoas até lá, no avanço e ritmo mais rápido da vacinação”, afirma.
Tânia Chaves, infectologista e consultora da SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia), avalia que o Carnaval deve ser pensado como uma “vigilância laboratório para a Covid-19”. Antes de mais nada, pondera a especialista em medicina do viajante, é necessário que as quedas de casos e internações sejam mantidas, bem como a vacinação expandida.
“A pandemia não acabou, e as exigências do cartão de vacinação para entrada de viajantes nas cidades devem ser intensificadas, a exemplo do que ocorre em outros países”, considera Chaves, que cita a ampliação da testagem e o controle da entrada de viajantes (com cartão de vacina) como medidas para o monitoramento de possíveis avanços do vírus e a possibilidade de chegada de novas variantes.
Embora julgue possível a realização do Carnaval, a pesquisadora em Saúde Pública pondera que a população e o poder público precisam ter ciência de que, neste momento, não há como assegurar que o evento acontecerá.
“Não dá para termos garantia de que teremos Carnaval, e isso está diretamente condicionado à situação epidemiológica até lá. A hora é de garantirmos que 90% da população brasileira seja vacinada”, conclui.
“Todos os aspectos são levados em conta”, diz a prefeitura
Na coletiva de imprensa desta terça, Edson Aparecido confirmou os planos da prefeitura de realizar um carnaval de rua sem máscaras e com cerca de 15 milhões de pessoas; “o maior carnaval de rua de São Paulo”, como já afirmou o prefeito Ricardo Nunes (MDB).
A organização do evento, de acordo com o secretário, dependerá da Secretaria de Saúde e da Vigilância Sanitária. “Esse conjunto de técnicos foi que construiu as estratégias de enfrentamento da pandemia na cidade. Estamos hoje com uma média móvel de 562 casos”, comentou.
Segundo a prefeitura, para a realização do Carnaval com a presença de milhões de foliões, são avaliadas as médias de mortes e casos, o avanço da vacinação e a possibilidade da chegada de uma nova variante.
“Todos esses aspectos serão levados em conta e, neste momento, nos permitem iniciar o planejamento do evento”, assegurou Aparecido.