Governo de Alckmin recebe críticas na área da cultura
Museu Paulista não tem previsão de reabertura; situação de complexo na Luz também é tensa
São Paulo|Do R7
O atual Governo de São Paulo, sob o comando do governador Geraldo Alckmin (PSDB), é alvo de críticas em relação a suas políticas culturais. O governo, que só investe cerca de 1% de seu orçamento na pasta cultural, vive problemas no setor, como a situação indefinida do projeto do Complexo Cultural da Luz e o fechamento do Museu Paulista, que sequer tem obras de reforma em andamento ou prazo para que sejam concluídas.
O governo ainda viveu o desgaste de ver o nome que comandou a pasta da Cultura entre 2010 e 2012, Andrea Matarazzo, envolvido no escândalo sobre suposto pagamento de propina na área de trens em São Paulo. Especialistas em cultura popular acusam o governo estadual de tratar de forma diferente a cultura dos bairros nobres paulistas daquela oriunda da periferia.
A secretaria, por sua vez, afirma que faz ações descentralizadoras na área cultural, como a Virada Cultural Paulista, que acontece nos próximos dias 24, 25, 31 de maio e 1º de junho em 28 cidades paulistas. O investimento anunciado é de R$ 7,2 milhões. O atual secretário de Estado da Cultura é Marcelo Mattos Araújo.
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A gestão de Alckmin não é considerada satisfatória na área cultural por muitos artistas. Gente como o diretor Carlos Canhameiro, da Cia. de Teatro Les Commediens Tropicales. Na visão do artista, o governo é falho na área.
— Vejo a gestão cultural do governo Alckmin centralizada na cidade de São Paulo e com descaso total com o interior.
O diretor teatral ainda critica que o governo priorize "investir quase 20% de seu orçamento cultural em três atividades: a Osesp [Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo], a SP Cia. de Dança e o Complexo Cultural da Luz, abandonado recentemente". Canhameiro critica a centralização destes investimentos.
— Uma companhia de dança e uma orquestra da capital têm o dobro do orçamento de todos os editais de todas as áreas de cultura de todo o Estado. Então, evidentemente, não se trata de uma gestão que queira fortalecer as artes no Estado de São Paulo, até porque o orçamento da Secretaria de Cultura não alcança 1% do orçamento total do Estado.
Crise no Ipiranga
Um ponto evidente da crise no setor da cultura na atual gestão do governo paulista é o que ocorre em um dos principais museus do País, o Museu Paulista, também conhecido como Museu do Ipiranga, lugar onde Dom Pedro 1º deu o grito de Independência em 1822. O espaço recebeu um presente amargo em seus 120 anos de fundação: está fechado desde agosto de 2013 e não há previsão de reabertura.
Carece de reforma urgente o lugar que recebia 3.000 visitantes por dia. O prédio como está coloca em risco quem trabalha nele e o público, além de deixar exposto a riscos o precioso acervo de 150 mil peças, 100 mil livros e 40 mil papéis históricos e manuscritos. Contudo, as obras sequer começaram. O Museu Paulista tem administração estadual, por meio da USP (Universidade de São Paulo), que admite não haver ainda cronograma das obras.
Empurra-empurra
O R7 procurou a diretora do museu, Sheila Walbe Ornstein, e questionou quanto vai custar a reforma e quando o museu será entregue à população. Anteriormente, ela já havia afirmado que o lugar ficaria nove anos fechado e só voltaria a receber visitantes em 2022. Por meio da assessoria do museu, a diretora respondeu que "não cabe a esta direção do Museu Paulista, e sim, aos gestores reitorais que assumiram a USP em 25 de janeiro último, as respostas às perguntas formuladas".
A reportagem procurou a reitoria da USP. A assessoria da universidade pediu que entrássemos em contato outra vez com a assessoria do Museu Paulista. Quando informados de que havia sido a própria direção do museu quem nos havia encaminhado à reitoria, a resposta então foi "ainda não é possível especificar o valor total e o prazo da reforma [do Museu Paulista], pois o projeto de restauro está em desenvolvimento". Ainda de acordo com a assessoria da USP, "neste momento está sendo feito todo o levantamento do acervo para que as peças possam ser deslocadas para outros locais, o que é um processo delicado".
O fechamento do Museu Paulista prejudica não só o público, que fica sem poder conhecer importante espaço da história brasileira, como também impede o trabalho de pesquisadores que dependem do acervo. Em entrevista ao Jornal do Campus, publicado na USP no último mês de abril, a diretora do Museu Paulista afirmou "estar preocupada" com a atual crise orçamentária na universidade, que levou o atual reitor, Marco Antonio Zago, a mandar carta a professores, funcionários e alunos reconhecendo a falta de dinheiro e pedindo ajuda de todos para cortar custos.
Polícia para os rolezinhos
Outro ponto em que o governo de Alckmin sofre críticas é por conta do suposto tratamento que dá a movimentos culturais surgidos na periferia. Como quando começaram os "rolezinhos" nos shoppings de São Paulo. A polêmica se deu após adolescentes de bairros pobres passarem a frequentar em grupo os centros comerciais voltados à classe alta. Integrantes do movimento acusaram a Polícia Militar de São Paulo de intimidar e agredir os jovens. Diante da imagem negativa, o governo precisou voltar atrás no discurso repressivo, e Alckmin chegou até a reconhecer o direito dos jovens de passear nos centros de compras.
Professor da pós-graduação do CELACC (Centro de Estudos Latino-Americanos de Comunicação e Cultura) da ECA (Escola de Comunicações e Artes) da USP (Universidade de São Paulo), o jornalista e fotógrafo Vinicius Souza afirma que houve emprego da força bruta contra os jovens pobres.
— A reação do governo estadual diante dos rolezinhos é a mesma que tem dado historicamente a qualquer manifestação política ou cultural "sem autorização" que venha das periferias: a repressão policial.
O professor cita como exemplo a "Operação Pancadão", que reprimiu bailes funks nas periferias. E lembra que festas semelhantes em bairros nobres não recebem o mesmo tratamento da PM.
—O governo vende a ideia de que promove a "ordem" e isso é feito por meio de uma das polícias mais violentas do mundo. Depois das manifestações políticas de 2013, o aparato repressivo para conter os jovens que queriam algo mais do que "fazer ordeiramente suas compras" estava pronto para atuar nos shoppings, templos da atual cultura do consumo expressa em coisas como o funk ostentação.
Escuridão na Cracolândia
Outro espinho cultural da atual gestão do Governo de São Paulo trata-se do alardeado Complexo Cultural da Luz, na região conhecida como Cracolândia, no centro de São Paulo. O objetivo seria revitalizar a área, transformando-a em um grande espaço artístico. Só pelo projeto arquitetônico, feito pelo escritório suíço Herzog & de Mouron, o governo de São Paulo desembolsou R$ 49 milhões; somando ao valor gasto com consultores, a cifra chega a R$ 53 milhões. Além disso, foram gastos R$ 65 milhões com desapropriações. Mesmo após todo este dinheiro investido, o projeto praticamente não anda.
Em seu lançamento, em 2012, o governador Geraldo Alckmin anunciou que o Complexo Cultural da Luz teria custo total de R$ 500 milhões e ficaria pronto em 2016 . A promessa era de um edifício de cinco andares, a ser construído no terreno da antiga rodoviária paulistana, com teatro de 1.750 lugares, além de sala de recitais para 500 pessoas e uma sala de teatro experimental para 400 espectadores, além de espaço para a instalação das sedes da Escola de Música do Estado de São Paulo – Tom Jobim e da São Paulo Companhia de dança, café, loja e estacionamento para 850 veículos. O contribuinte paulistano ainda está longe de ver esta promessa cumprida.
Em março, admitindo não ter dinheiro para tocar o projeto até o final, o governo chegou a propor a criação de uma PPP (parceria público-privada). Em entrevista ao R7, arquitetos brasileiros questionaram o valor gasto com o escritório suíço. O arquiteto Gilberto Belleza, ex-presidente e conselheiro do Instituto de Arquitetos do Brasil, afirmou que "o governo não paga esses valores quando contrata um arquiteto brasileiro". Já o arquiteto Ciro Pirondi, diretor da Escola da Cidade, afirmou que "o preço foi realmente fora de propósito". E declarou: "Eles [os arquitetos] receberam como se estivessem na Suíça. Não estou culpando os arquitetos. Foi o poder público que aceitou pagar".
Questionado pelo R7 se o projeto do Complexo Cultural da Luz está paralisado, o governo paulista, por meio da assessoria da Secretaria de Estado da Cultura, se limitou a responder que "o governo decidiu estudar alternativas para viabilizar a implantação do Complexo Cultural Luz" e ainda afirmou que o estudo de parceria público-privada encaminhado à Companhia Paulista de Desenvolvimento (CDP) não terá custo para a Secretaria de Estado da Cultura. O governo ainda afirma que a "área construída" será de "85 mil metros quadrados". Mas não deu nenhum prazo para as obras serem vistas a todo vapor conforme prometido.
Fim de programas na TV Cultura
Apesar de ser administrada pela Fundação Padre Anchieta, submetida ao Estado de São Paulo, a TV Cultura também vive mergulhada em uma crise que se arrasta nos últimos anos. São recorrentes por lá onda de demissões. Outro escândalo foi o fim abrupto de programas consagrados pelo público e crítica, como o infantil Cocoricó. A emissora demitiu todo o time de artistas que trabalhavam com os bonecos.
Após o último presidente prometer que não haveria demissões em 2013; assim que o novo presidente da Fundação Padre Anchieta, Marcos Mendonça, assumiu, houve a demissão imediata de 35 funcionários. Um funcionário que permanece na casa, ouvido pela reportagem com a condição de não ser identificado, diz que o clima na emissora ainda é de "insegurança quanto ao futuro".
Ex-secretário em escândalo
Com todos estes problemas, a pasta da Cultura ainda viu o envolvimento do nome de seu ex-secretário, Andrea Matarazzo, no escândalo dos trens. O atual vereador paulistano pelo PSDB esteve à frente da Secretaria de Estado da Cultura entre 2010 e 2012. A Polícia Federal chegou a abrir um inquérito em 2012 para investigar se ele recebeu propina do grupo francês Alstom, quando era secretário estadual de Energia, em 1998.
A PF concluiu que Matarazzo teria sido beneficiário do esquema, já que ele era o chefe da pasta quando o contrato de R$ 72 milhões foi assinado. A investigação foi repassada ao Ministério Público Federal, que denunciou à Justiça 12 investigados no inquérito por crimes de corrupção e lavagem de dinheiro, mas deixou Matarazzo de fora desta lista. O MPF afirmou que era "forçoso reconhecer a inexistência, pelo menos por ora, de elementos de prova suficientes para a propositura da ação penal pública" contra o vereador tucano.
Contudo, a Procuradoria requereu abertura de inquérito policial autônomo para investigar Matarazzo. Contrariado por este novo inquérito, o político instruiu seu advogado a entregar petição à Justiça Federal para qual alerta que os próprios procuradores que pedem o inquérito já haviam concluído pela inexistência de provas contra o tucano, que afirma ser inocente de qualquer acusação.
Governo Alckmin diz que faz investimentos em cultura
Por meio da assessoria da Secretaria de Estado de Cultura, o governo de São Paulo afirmou ao R7 que destinou mais de R$ 1,09 bilhão à cultura no ano de 2013, "visando à formação artística, difusão de atrações culturais de qualidade, formação de público, incentivo à produção independente em diversas linguagens e preservação do patrimônio museológico, histórico e artístico do Estado de São Paulo".
Ainda de acordo com o governo paulista, ações como a Virada Cultural Paulista deste mês buscam descentralizar o acesso ao público. O governo ainda ressalta a implantação de gratuidade de entrada aos sábados em 18 museus estaduais, "entre eles a Pinacoteca, o Museu da Língua Portuguesa e o Museu da Casa Brasileira".
O governo paulista afirma, em 2013, ter investido R$ 116,8 milhões nos museus estaduais, que receberam público total de 3,3 milhões de visitantes. Já nos editais culturais, investiu R$ 30 milhões no ProAC (Programa de Ação Cultural) com 440 projetos. E mais R$ 126 milhões no ProAC ICMS, que beneficiou 1.000 projetos. No cinema, afirma ter investido R$ 960 mil em 12 curtas-metragens independentes e R$ 8 milhões em 18 longas-metragens.
Já o Circuito Cultural Paulista obteve em 2013 R$ 6 milhões de investimento, beneficiando 230 mil pessoas; enquanto que a Virada Cultural Paulista do mesmo ano teve R$ 6,5 milhões investidos e fechou com público de 1,2 milhão de pessoas. Foram destinados R$ 70 milhões ao projeto Fábrica de Cultura, de formação artística que teve 700 mil participantes, e R$ 88,5 milhões no Projeto Guri, programa sociocultural que atendeu 330 mil crianças e jovens em 2013.
O investimento de R$ 1,09 bilhão em Cultura é pouco mais de 0,6% do orçamento total do Estado em 2013, que foi de R$ 173, 4 bilhões.