Justiça obriga prefeitura a realizar laqueadura em moradora de rua
Promotor justificou a cirurgia com o objetivo de evitar o aumento da prole de forma irresponsável de mulher, de 34 anos, hoje presa em Mogi Guaçu
São Paulo|Plínio Aguiar, do R7
Uma cirurgia de laqueadura tubária foi realizada em uma moradora de rua da cidade de Mococa, no interior de São Paulo, contra a sua própria vontade, em fevereiro deste ano.
O juiz Djalma Moreira Gomes Júnior, de primeira instância, autorizou a cirurgia, acatando, assim, o pedido do Ministério Público. O processo, assinado pelo promotor Frederico Liserre Barruffini, diz que a mulher é incapaz de cuidar de sua vida e de seus filhos. Por isso, a cirurgia era necessária.
No texto da promotoria, Barruffini diz que a mulher é hipossuficiente, faz uso abusivo de drogas e possui sete filhos. Desta forma, ao fazer o uso de tais substâncias, levar uma vida desregrada, sem sequer possuir residência fixa e apresentar comportamento de risco, é maior a possibilidade de ela contrair doenças venéreas e ter nova gestação indesejada, aumentando a prole de forma irresponsável.
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O texto diz que a moradora de rua recusou a adesão aos tratamentos ambulatoriais disponíveis. Diante dessa situação, o órgão pediu a realização da cirurgia pois, só assim, “será eficaz para salvaguardar a sua vida, sua integridade física e a de eventuais rebentos que poderiam vir a nascer e ser colocados em sério risco pelo comportamento destrutivo da mãe”.
Para a realização do processo, Barruffini se baseou na lei 9.263/96 — sobre planejamento familiar. A lei prevê o procedimento de esterilização como método contraceptivo, além de que a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantindo mediante políticas sociais e econômicas que visem a redução do risco de doenças e de outros agravos.
A cirurgia foi realizada no dia 14 de fevereiro de 2018 na Maternidade de Santa Casa de Misericórdia de Mogi Guaçu. Meses antes, a moradora de rua foi presa por tráfico de drogas e encaminhada para a Penitenciária Feminina de Mogi Guaçu. Por meio de nota, a SAP (Secretaria da Administração Penitenciária) disse que a mulher deu entrada na cadeia no dia 11 de novembro de 2017.
Os filhos estão atualmente na Casa de Acolhimento Bethânia, em Mococa.
Anulação
A anulação da decisão em 1ª instância só aconteceu no mês de maio - dois meses depois da realização da laqueadura. “A esterilização cirúrgica em pessoas absolutamente incapazes somente poderá ocorrer mediante autorização judicial, regulamentada na forma da lei”, diz o texto.
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O relator Paulo Dimas Mascaretti, do Tribunal de Justiça, escreveu, ainda, que não se pode admitir a chamada esterilização compulsória, ou seja, “nenhuma pessoa poderá ser obrigada a se submeter a esta cirurgia, uma vez que se trata de procedimento médico invasivo, que lesa a integridade física de forma irreversível”.
De acordo com o coordenador do Condepe (Conselho Estadual dos Direitos da Pessoa Humana) Ariel de Castro Alves, a cirurgia foi uma “aberração jurídica, além de ser um ato de tortura”. Em entrevista ao R7, o advogado conta que que a moradora de rua sequer teve contato com algum defensor público. “Ela não teve acesso à Justiça. Não teve direito e, por essa razão, o processo é totalmente nulo”, diz. Alves relata que “não se admite a esterilização compulsória na legislação brasileira”.
Outro lado
Procurada pela reportagem, a Defensoria Pública informou que está apurando em detalhes o ocorrido e que se coloca à disposição para atendimento pessoal da moradora de rua, tão logo quanto possível, incluindo entrevista pessoal reservada, visto que ela está na penitenciária.
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O órgão diz que não houve intimação da Defensoria ou nomeação de advogado dativo para atuação em nome da mulher. De qualquer modo, “é importante ressaltar que qualquer pedido de esterilização involuntária, tal como feito na propositura da ação, contraria frontalmente o artigo 2º, parágrafo único, e artigo 12 da Lei 9263/1996, que proíbem a realização dos procedimentos previstos na Lei de Planejamento Familiar com a finalidade de exercer controle demográfico, bem como é vedada a indução individual ou coletiva à prática da esterilização cirúrgica”, aponta a defensora Paula Machado Souza, Coordenadora do Núcleo Especializado de Promoção e Defesa dos Direitos da Mulher.
Por meio de nota, o Tribunal de Justiça informou que "não se manifesta sobre processos em andamento". O procedimento apuratório foi instaurado ontem (11) na Corregedoria Geral da Justiça, segundo o texto. Também por meio de nota, o Ministério Público confirmou a abertura do caso por meio da Corregedoria, além de o procedimento médico ter sido realizado "com base em decisão judicial".
Na noite desta segunda-feira (11), o juiz Djalma Moreira Gomes Júnior enviou o seguinte posicionamento à reportagem:
"Na verdade, a mulher, chamada Janaína Aparecida Quirino, não é, nem era, moradora de rua e concordou com a laqueadura proposta pelo Ministério Público de Mococa, conforme consta nos autos do processo, sem oferecer qualquer resistência.
Ao contrário, expressamente declarou em cartório da Vara de Mococa que “é mãe de sete filhos (ela estava grávida do oitavo filho quando fez esta declaração) e está de acordo em realizar o procedimento de laqueadura para evitar nova gestação indesejada, estando ciente de que há um processo nestes termos tramitando na Comarca de Mococa/SP”. Esse documento está juntado aos autos do processo e foi também subscrito pela diretora de Serviços da Vara, na presença da psicóloga forense.
A sentença ressalta que “se denota que a requerida é pessoa capaz, muito embora não possua condições de fornecer os cuidados necessários à futura prole. Aliás, não pesa contra Janaína qualquer decisão ou pedido de curatela, com fundamento em eventual incapacidade”, pelo que não lhe foi nomeado curador especial.
O caso de Janaína e sua família vem sendo acompanhado há anos pela Comarca de Mococa. Hoje, ela tem oito filhos. Três do primeiro casamento de Janaína estão sob a guarda do pai (um deles internado por dependência química). Dos outros cinco com o atual companheiro, três foram adotados, um bebê está em processo de adoção e uma adolescente encontra-se em abrigo social.
Todos os filhos passaram pelo Serviço de Acolhimento de Mococa, alguns em mais de uma ocasião, devido à negligência dos pais em desempenhar devidamente suas funções, expondo-os a situações de risco, com o agravante de serem dependentes químicos (de “crack” e de bebida alcoólica) e não aderirem ao tratamento proposto, apesar de várias intervenções da rede protetiva do município.
O ambiente familiar sempre foi permeado pela dependência química dos pais, não adesão ao tratamento indicado, agressões físicas entre o casal, violência física contra os filhos por parte do atual companheiro, dificuldades financeiras. Além disso, o casal passou a traficar drogas.
Foram oferecidos atendimentos técnicos (Psicologia e Serviço Social), através de inúmeras visitas domiciliares, orientações sistemáticas e intervenções no contexto familiar. A família também recebia benefícios sociais, pela rede municipal (aluguel social, cesta básica, custeio de contas de água e luz). Os filhos foram matriculados em escolas e projetos educacionais, mas a frequência era irregular.
Em relação à dependência química de Janaína e do seu atual companheiro, ambos foram inseridos reiteradamente em tratamento ambulatorial (CAPS-AD) e de internação, porém sem adesão, recaindo ao vício.
Diante do fato do acolhimento prolongado dos quatro filhos menores e considerando que o contexto familiar não apresentou mudanças significativas, em audiência concentrada foi instaurado o processo de destituição do poder familiar, culminando com destituições e adoções.
Paralelamente, o Ministério Público ajuizou ação solicitando o procedimento de laqueadura de Janaína. No bojo da ação, foi realizada avaliação psicológica.
Durante o trâmite da ação, Janaína compareceu ao cartório e expressamente manifestou ciência e concordância com a pretensão de laqueadura. Cabe ressaltar que Janaína foi ouvida por diversas oportunidades, por mim, em audiências sobre seus filhos.
Mais recentemente Janaína e seu atual companheiro foram presos em flagrante por tráfico de drogas e por associação para o tráfico. Encontram-se reclusos e condenados, em primeiro grau, por esses crimes."