Linhas 8 e 9 têm aumento de 275% nas falhas após início de operação da ViaMobilidade
Concessionária informa 30 registros entre 27 de janeiro e 27 de março; segundo sindicato, no mesmo período em 2021 foram oito
São Paulo|Guilherme Padin, do R7
Protestos nas plataformas e gritos de “Ôôô, pro Grajaú eu vou!”, seguidos pela rejeição ao pedido de seguranças para que desembarcassem do trem — registrados em vídeos que circulam pelas redes sociais —, revelam o sentimento de angústia de passageiros das linhas 8-Diamante e 9-Esmeralda, da ViaMobilidade, que têm amargado o aumento expressivo no número de falhas desde que a concessionária assumiu a operação das linhas, em 27 de janeiro.
O maior intervalo entre trens, a velocidade reduzida e o tempo de paradas prolongado são os resultados mais comuns desses problemas. Para a população de 1,1 milhão de pessoas que usam as duas linhas por dia, além dos vagões abarrotados, isso significa viagens consideravelmente mais longas, portanto horas perdidas no transporte público semana a semana.
Nos dois meses a partir do início da concessão, segundo a própria ViaMobilidade, foram 30 falhas relevantes para a circulação dos trens. A quantidade é consideravelmente superior à registrada no mesmo período do ano passado — e ainda assim contestada por sindicatos representantes dos trabalhadores sobre trilhos, que alegam que os problemas são ainda mais frequentes.
Acerca da alta registrada, a concessionária afirma que tem um diagnóstico da atual estrutura das linhas, e que “já deu início ao plano de ação de antecipação de investimentos”.
Para efeito de comparação, entre 27 de janeiro e 27 de março de 2021, sob a gestão da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos), foram oito falhas nas duas linhas, segundo o Sindicato dos Trabalhadores em Empresas Ferroviárias da Zona Central do Brasil.
Considerados os dados do sindicato e da concessionária para os dois períodos, que seguem o mesmo critério para a documentação dessas falhas, o aumento neste ano foi de 275%.
Questionada sobre a quantidade de falhas no período, a CPTM respondeu com dados de todo o ano. Segundo a companhia, foram 13 ocorrências notáveis — dez provocadas por fatores externos, como alagamentos e atos de vandalismo — em todas as linhas ao longo de 2021. Dessas, uma ocorreu na linha 8 e três na linha 9.
Porém, o critério utilizado pela empresa segue um outro padrão e é distinto do informado pela concessionária: por “falhas notáveis”, neste caso, são consideradas somente aquelas que interromperam a circulação dos trens.
Em mais de dois meses desde a concessão, os problemas variaram entre falhas elétricas, falhas em equipamentos, nos freios, nas vias, princípios de incêndio, furtos de cabo de energia e até uma colisão de um trem contra a plataforma na estação Júlio Prestes, quando três passageiros foram encaminhados ao hospital, mas ninguém se feriu.
Para Sergio Ejzenberg, engenheiro e mestre em transportes pela Escola Politécnica da USP e perito em investigação de acidentes, somente um estudo acerca dessas falhas pode revelar as causas, que podem decorrer de uma série de fatores.
Entre eles, cita o professor, o treinamento insuficiente, jornadas exaustivas de trabalho, manutenção inadequada dos equipamentos e a inexperiência na gestão dos trens metropolitanos são motivos possíveis.
“Não existe justificativa ou desculpa para um aumento na frequência de falhas. O aumento da ocorrência de falhas é inaceitável. As boas práticas anteriormente vigentes devem ser retomadas o quanto antes para garantir o mesmo nível de operação que era mantido pela CPTM”, atesta Ejzenberg.
O engenheiro pondera que a CPTM deve colaborar com a ViaMobilidade “para estancar o problema imediatamente”.
Para o presidente do Sindicato dos Trabalhadores das Empresas Ferroviárias da Zona Sorocabana, José Claudinei Messias, a falta de tempo de treinamento é a razão principal para o acúmulo de falhas.
Os treinamentos na CPTM duram, em geral, entre seis, oito e, no caso dos maquinistas, até dez meses.
Porém, desde que a ViaMobilidade assumiu as duas linhas, segundo Messias, o treinamento dos novos funcionários durou quatro meses, no máximo. “Não é culpa dos funcionários, mas uma falha do edital de concessão”, afirma.
A carga horária também pode influenciar a atenção dos funcionários, que, em alguns casos, trabalham até 12 horas diárias, em três dias por semana, com folga em dois; na CPTM, são oito horas por dia. “Em que pese alguns funcionários apoiem, essa escala é extenuante para eles, uma carga extremamente prejudicial”, pondera o presidente do sindicato.
Ele argumenta que a função de maquinista dos trens metropolitanos é diferente da exercida no Metrô, e, uma vez que os carros passam por outras cidades, pontes, viadutos e passagens de nível, é preciso atenção constante.
As 12 horas diárias em uma atividade de tensão causam cansaço e geram estresse excessivo aos trabalhadores, argumenta o sindicalista.
Não existe justificativa ou desculpa para um aumento na frequência de falhas. As boas práticas anteriormente vigentes devem ser retomadas o quanto antes
A troca no quadro de funcionários — com a chegada de mais de 2.000 trabalhadores — também pode influir no aumento de erros, comenta Horácio Augusto Figueira, engenheiro e mestre em transportes pela Escola Politécnica da USP.
“Poderiam ter feito uma transição com os funcionários antigos, à medida que os novos fossem absorvendo toda a tecnologia e particularidades das linhas e da operação”, afirma Figueira, ao rechaçar trocas de maneira abrupta: “Treinamento é uma coisa, e prática, outra.”
Sergio Ejzenberg diz que a superlotação de estações e o “espetáculo” de pessoas caminhando pelos trilhos revelam risco de vida. “Esse assunto é do interesse do Ministério Público”, prossegue.
MP investiga falhas nas linhas, e governo multa concessionária
O MP-SP (Ministério Público do Estado de São Paulo) abriu um inquérito, publicado em 30 de março, para apurar as consecutivas falhas nas linhas 8 e 9 concedidas à ViaMobilidade.
O texto, assinado pelo promotor Silvio Antonio Marques, afirma que os problemas registrados durante a gestão podem configurar improbidade administrativa.
A ViaMobilidade, a CPTM e a STM (Secretaria Estadual de Transportes Metropolitanos) terão prazo de 20 dias para prestar esclarecimentos sobre as constantes falhas em ambas as linhas.
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A CPTM e a STM também devem prestar informações sobre supostas ilegalidades na concessão das linhas, bem como esclarecer medidas adotadas em face da ViaMobilidade.
Ante esse cenário, amparado pelo contrato de concessão, o governo do estado de São Paulo aplicou R$ 4,3 milhões em multas à concessionária devido às falhas registradas nos pouco mais de dois meses de operação.
Rodrigo Garcia (PSDB) atribuiu as falhas à troca de funcionários da CPTM para os contratados pela ViaMobilidade, com mais de 2.000 trabalhadores substituídos.“[A operação] passa de pública para uma operação privada”, justificou o governador.
Acerca do contrato de concessão, que, segundo Garcia, abria a possibilidade de multas, o engenheiro Sergio Ejzenberg pondera que “um contrato bem feito deve ter instrumentos que premiem a boa operação e punam através de multas pesadas as falhas que prejudicam a população”.
Morte de funcionário estrangeiro
Além das falhas, como a colisão de um trem contra o fim da plataforma na estação Júlio Prestes devido a uma falha no sistema de freios, a morte de um funcionário estrangeiro, na madrugada de 10 de março, foi citada no inquérito do Ministério Público.
O haitiano, de 27 anos, faleceu enquanto fazia a manutenção de máquinas na estação Pinheiros, na qual estão as linhas 4-Amarela do Metrô, administrada pela ViaQuatro, e a linha 9-Esmeralda, concedida à ViaMobilidade.
Ele teria sofrido uma descarga elétrica enquanto realizava um reparo na casa de máquinas primária da estação.
Poderiam ter feito uma transição%2C com os funcionários antigos%2C à medida que os novos fossem absorvendo toda a tecnologia e particularidades das linhas e da operação
José Claudinei Messias relata que, em reunião com a concessionária, pediu mais informações sobre o acidente, e quis saber se o funcionário de fato estava capacitado pela administradora para o cargo que ocupava, mas ainda não obteve as respostas.
Em nota, a ViaMobilidade lamentou a morte e disse prestar o apoio à família da vítima, inclusive dando condições aos parentes para que comparecessem ao sepultamento do trabalhador, em Taboão da Serra (SP).
Número de falhas em 2022 nas duas linhas
A ViaMobilidade informa que as duas linhas registraram 34 falhas no período entre 27 de janeiro, quando assumiu a operação, e 6 de abril. Dessas, 14 ocorreram na Linha 8-Diamante e 20 na Linha 9-Esmeralda.
Posicionamento
A respeito do tempo de treinamento dos funcionários recém-chegados, a ViaMobilidade afirmou que “o repasse de funções foi supervisionado pelo Auditor Independente e Poder Concedente. A validação, assim como os treinamentos, seguiu estritamente o regulamento previsto no contrato”.
A concessionária escreveu, em resposta acerca da jornada de trabalho, que os operadores seguem escalas distintas, sendo uma delas de 12 horas diárias, totalizando 38 horas semanais.
Sobre o inquérito do Ministério Público de São Paulo, a ViaMobilidade disse que vai prestar os esclarecimentos necessários dentro do prazo estabelecido pelo MP-SP.