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Menos de 1% dos ex-presidiários paga multas por condenação judicial em SP

Pobreza dos egressos impede Estado de cobrar débitos, que ficam em aberto, mantêm pena válida e dificultam ressocialização

São Paulo|Gabriel Croquer, do R7

Dívida aberta tira direitos políticos e impede regularização do CPF, entre outros problemas
Dívida aberta tira direitos políticos e impede regularização do CPF, entre outros problemas

Dos 143.378 ex-presidiários que em 2021 foram condenados pela Justiça de São Paulo a pagar uma multa em dinheiro como parte de sua pena, apenas 1.278 (0,9% do total) quitaram seus débitos com o Estado. Das taxas restantes, 625 foram julgadas e extintas e outras 141.975 continuam sem pagamento.

Os dados, levantados a pedido do R7 pelo próprio Tribunal de Justiça de São Paulo, também mostram que o índice de pagamento piorou vertiginosamente desde o início da pandemia de Covid-19. Em 2019, de 240.548 multas, apenas 8.915 foram pagas (3,7% do total). No ano seguinte, a taxa foi de 1,7%, com 2.209 multas pagas de 125.707 determinadas. 

O não pagamento é outra barreira à busca por direitos na vida após o cárcere, porque significa, na prática, que a pena não foi cumprida. Dessa forma, a pessoa continua sem direitos políticos e com a notificação do crime na certidão de antecedentes criminais.

Com a dívida nas costas, o egresso também é inscrito em um cadastro de inadimplentes e não pode regularizar o CPF. Esse conjunto de regramentos pode impedir a pessoa de acessar programas assistenciais, abrir conta em bancos e comprovar residência fixa, entre outros entraves.


"É uma população composta majoritariamente de jovens negros, que tem em sua história uma vida de ausências do Estado, em que o Estado se fez presente para prender e punir. Muitos nem sequer estão inseridos no mercado de trabalho, nem sequer completaram o ensino médio", analisa a diretora do IDDD (Instituto de Defesa do Direito de Defesa), Marina Dias. 

"São pessoas que já entraram no sistema em situação de precariedade e de vulnerabilidade social. Quando elas saem, saem completamente marcadas por um estigma terrível, que é o estigma do egresso."


O trabalho remunerado dentro das prisões, outro possível caminho para o pagamento, é realidade para apenas 7% dos detentos no Brasil. Sem dinheiro, os egressos não conseguem quitar até as multas com valores baixos — que correspondem à maior parte das sanções.

Seria o caso do entregador Fábio Martins, antes de ele conseguir emprego com a ajuda do Instituto Responsa, agência de emprego exclusiva para egressos. Mesmo assim, ele se preocupa com a possibilidade de receber a menor multa estipulada pela legislação, de cerca de um salário mínimo, depois que cumprir o regime aberto da prisão. "Estou me programando, sim, mas se hoje eu perder meu emprego não sei como eu vou fazer", conta.


O advogado Matheus Falivene, especializado em direito penal, opina que, também por conta da dimensão baixa de boa parte dos valores, as multas passam em branco pelas partes envolvidas na hora da fixação da pena.

"Ninguém liga muito para a pena de multa nas audiências: o advogado, o juiz e também quem é julgado, que muitas vezes está mais concentrado em saber quanto ele vai receber de pena privativa. E aí anos depois a multa pode se tornar inviável por conta dos juros", afirma.

As multas em aberto não podem levar os detentos de volta à prisão. Como a maioria dessa população não possui bens para ser penhorados nem trabalho fixo registrado para o desconto de parte do salário, o Estado também não tem mais ferramentas para cobrar os ex-presidiários. Dessa forma, relata Falivene, o efeito real da medida costuma se resumir em atrapalhar a vida dos mais pobres. "Na prática, ele lida com um sistema penal seletivo, que abarca as pessoas mais vulneráveis. O sistema tem que ser repensado", conclui. 

Em condenações por tráfico de drogas, os detentos ainda podem ter de arcar com punições muito acima dos valores médios. "Hoje existem centenas de penas de multas aplicadas de R$ 100 mil, e o preso é o quê? Um desempregado, um miserável. Principalmente com a pandemia, quase 100% dos condenados não vão pagar a multa mesmo, porque não têm condições", comenta o advogado criminalista José Beraldo.

Outro lado

Questionado sobre o motivo de tantas penas de multa, o juiz assessor da Corregedoria Geral do TJ-SP André Gustavo Cividanes Furlan alega que a imposição de pena "decorre de expressa previsão legal" e que os juízes devem aplicar as autuações em respeito ao princípio da legalidade.

Ele defende a ideia também de que, em regra, os juízes aplicam essas punições nos valores mínimos legais caso os acusados sejam pobres, mas reconhece que a medida é alvo de discussões no órgão. "O TJSP estuda, de forma permanente, meios para viabilizar o pagamento das penas de multa, pautado sempre nos parâmetros legais", diz.

Um ponto positivo da medida, acrescenta Furlan, é que os valores recolhidos dessas punições são destinados ao Fundo Penitenciário e podem ser usados para a construção e reforma de estabelecimentos.

De acordo com dados da SAP (Secretaria de Administração Penitenciária) de São Paulo, responsável pela gestão do fundo, o pagamento das penas rendeu R$ 26,2 milhões à pasta de 2019 a 2021. Até julho de 2022, outros R$ 5,6 milhões foram encaminhados.

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