Mulher perde R$ 15 mil no golpe do consórcio da cirurgia plástica
Vítimas pagavam por procedimento em suaves prestações e cirurgia nunca acontecia. Empresa não tem registro no Banco Central para prestar o serviço
São Paulo|Lucio Sturm, da Record TV
Um golpe financeiro e emocional: uma empresa vende planos de consórcio para cirurgias plásticas, mas não possui autorização do Banco Central para funcionar.
É como um sorteio para ganhar uma cirurgia, mas uma investigação aponta que a pessoa sorteada seria indicada pela própria empresa./ quem não faz parte do esquema, sofre com a perda de dinheiro e da auto-estima.
Mulheres jovens. Insatisfeitas com o próprio corpo e com um sonho em comum. E na teoria, acessível. Elas caíram no golpe do consórcio de cirurgia plástica. A operação é paga em suaves prestações, igual a um consórcio.
Uma das vítimas pagou R$ 4.675,00 em 17 parcelas. “Descobri que era golpe, tive uma crise de ansiedade terrível, crise de pânico, depressão e aí eu engordei novamente”, disse a vítima.
O golpe, segundo as vítimas, começou quando elas entraram nesta página em uma rede social. "sorteio entre amigas" é o nome da empresa que promete uma nova silhueta ao alcance de qualquer bolso. Tem fotos de mulheres recém-operadas, muitas imagens de corpos "perfeitos" e vídeos com sorteios online.
Perder a barriga depois da gravidez era o desejo da recepcionista Ana Carolina Silva. Ela entrou num plano de R$ 15 mil. Pagava R$ 275,00 por mês, sempre em dia. Sete meses depois ela foi sorteada.
“Aí, logo depois, que eu fui procurar um médico. Passei em consulta. Procurei um médico da minha escolha. Aí fui gastando. Gastei dinheiro com consulta. Dinheiro com exames. Com cinta. Tudo!"
No aplicativo de mensagens Ana Carolina enviava os comprovantes de pagamento. E a atendente sempre fazia promessas de estornos.
“Ela falou: Beleza! Então, eu transfiro para a conta do médico e você faz sua cirurgia.”
Quem respondia as mensagens era Dannuta Raphaela. Durante a conversa, a mulher até pedia a confirmação da data para a cirurgia.
Mas no dia da operação, sem receber o dinheiro do consórcio, Ana Carolina não saiu da sala de espera.
“Chegou no dia, nada! Elas sumiram. Não respondia. Não atendia ligação. Foi responder uns dois dias depois.”
Ficaram apenas os pedidos para devolução do dinheiro pago, sempre sem resposta.
A frustração teve consequências graves na vida profissional.
“Eu tava muito estressada. Não queria trabalhar. Não queria fazer as coisas dentro de casa.”
Na época, Ana Carolina era casada, mas a união também não resistiu. “Depois disso, a gente acabou separando. Ele não aguentou a pressão. Então, eu sofri. Passei pra ele.”
Cleide Lúcia Araujo da Silva, cabeleireira, pagou o consórcio por quase um ano e foi sorteada para fazer uma lipoaspiração. Gastou R$ 700 em exames. E nada.
Quando pediu reembolso, Cleide ainda recebeu uma resposta irônica: “Porque muitas vezes eu cobrei: Eu quero meu prêmio! Eu fui sorteada. Elas falam que não é loteria pra dar prêmio.”
Na internet, as propagandas eram claras. Anúncios ofereciam retirada de gordura e chamavam as clientes com o slogan "a tão sonhada cirurgia plástica perto de você".
Enquanto pagava as mensalidades para realizar uma redução no abdômen Patrícia Kelly Roque acompanhava o drama das colegas, através das redes sociais.
“Eu tenho vídeos dessas meninas no hospital, internadas, esperando apenas o dinheiro chegar, da cirurgia plástica, para ser feita no hospital aqui em Recife e elas chorando que o pagamento não foi feito. Elas simplesmente tinham que tomar banho na clínica, tirar a marca porque o médico risca você inteira, para lhe cortar, fazer a cirurgia. Aí veste a roupa e vai embora para casa chorando, porque ninguém responde.”
Desconfiada, parou de pagar e pediu pra sair do plano. Ela nunca mais viu a cor dos três mil reais pagos ao grupo.
Enquanto tentava recuperar o dinheiro, os sorteios continuavam na internet com o nome dela e de prováveis futuras vítimas.
No ano passado, o tal "Sorteio entre amigas" virou caso de polícia no Recife, onde fica a sede da empresa. Mais de cem boletins de ocorrência foram abertos com denúncias de vítimas em todo o país. Algumas vítimas perderam mais de R$ 10 mil com o esquema.
As contas costumam estar em nome da atual diretora Dannuta Raphaela de Carvalho e da antiga proprietária Silvia Regina Gomes.
Em vídeo, Dannuta alega inocência. "É um contrato legalizado, sim! Todas as cláusulas do contrato estão legais!"
Como a empresa não tem autorização do Banco Central para oferecer este tipo de serviço, a polícia federal também passou a investigar o caso, com o nome de "Operação Sirena".
Em nota, a Polícia Federal informa que "ficou constatado o dolo das proprietárias do grupo sorteio entre amigas. Conversas telefônicas e trocas de mensagens também comprovam prévio conhecimento e apropriação indevida de valores com direcionamento nos sorteios para privilegiar pessoas sob indicação".
A investigação continua, mas os próximos passos serão mantidos em sigilo.
Na sexta-feira, a equipe do Domingo Espetacular foi até o endereço registrado como sede da empresa que agora se chama "Sonho entre amigas". A sala alugada neste prédio de escritórios estava completamente abandonada.
Ao saber da reportagem, Dannuta enviou uma mensagem de voz com a seguinte explicação. "São mais de quinhentas meninas operadas. Um monte de meninas beneficiadas. Um monte de meninas operadas devendo e um número mínimo fazendo isso. Inclusive, tem até muitas aí no meio, que são operadas, que estão se fingindo de participantes lesadas pra se livrar do seu débito.”
Mas em outro trecho, reconhece a existência de débitos.
"Muitas dessas meninas já estão na área cível. Só esperando a data da audiência, porque foi remarcada. E eu estou esperando 'pra' poder chegar o momento do acordo".
Antes de entrar em qualquer tipo de consórcio, a recomendação é checar, no site do Banco Central se a empresa é credenciada. Afinal, recuperar o dinheiro nesses casos é complicado.