OAB-SP denuncia humoristas por suspeita de discriminar autistas
Membro da Comissão de Direito dos Autistas da Ordem enviou ofício ao Ministério Público por prática de capacitismo em apresentação de stand-up
São Paulo|Cesar Sacheto, do R7
A Comissão de Defesa dos Direitos dos Autistas da OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil - Seção São Paulo), denunciou na última quinta-feira (8) dois humoristas pela prática de capacitismo - discriminação e o preconceito social contra pessoas com alguma deficiência - durante uma apresentação de stand-up comedy, em Campo Grande (MS).
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Um vídeo, publicado em um canal no YouTube, em novembro do ano passado - e que já foi retirado da plataforma -, mostra o trecho em que o comediante Abner Henrique fala, em tom de deboche, sobre uma banda de rock, oriunda de Brasília (DF), composta por autistas, em apresentação no show do também humorista Dihh Lopes, que fazia gestos para simular os movimentos de pessoas com deficiências físicas e neurológicas durante a exibição do colega.
"Esses dias, li uma notícia que me chamou muito a atenção. Vi que, em Brasília, estava ganhando destaque uma banda de rock formada por integrantes autistas. Falei: 'vou ver, é uma novidade. não tem muito música paraolimpica (sic). Antes de clicar no vídeo, pensei: 'será que consigo esse video sem dar risada? E a resposta é não. Eu tentei, mas era cada um tocando uma música diferente, o guitarrista com a guitarra ao contrário. É muito difícil não rir de uma banda que o baterista está de fralda", disse Abner Henrique.
O avogado Marcelo Roberto Bruno Válio, atuante na área de direito das pessoas com deficiência e membro da Comissão de Defesa dos Direitos dos Autistas da OAB-SP, avalia que a ação dos comediantes feriu um artigo da Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência.
Para o especialista, a figura do humorista e as suas piadas não expressam a opinião dos atores, mas discriminar uma pessoa com deficiência, incluindo-se o autista, é crime previsto na Lei 13.146, do dia 6 de julho de 2015. em seu artigo 88 (praticar, induzir ou incitar discriminação de pessoa em razão de sua deficiência, com pena de um a três anos de reclusão e multa).
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"O vídeo também fere a convenção sobre os direitos da pessoa com deficiência, ratificada pelo Brasil com status de Emenda Constitucional. Outrossim, os comediantes abusaram do seu ato lícito, que segundo o código civil se equipara a ato ilícito indenizável. Infelizmente, a postura dos comediantes foi totalmente incorreta e discriminatória. Não sabem a realidade de um autista e de seus familiares" pontuou o advogado Marcelo Roberto Bruno Válio.
Capacitismo
A apresentação dos comediantes provocou indignação em muitos pais, conforme enfatizou a empresária Amanda Ribeiro, diretora da Incluir Treinamentos, criada para capacitar estabelecimentos comerciais a atender autistas e suas famílias.
No entendimento de Amanda, os responsáveis pelo vídeo, que teve mais de um 1,7 milhão de visualizações, cometeram um desserviço à causa daqueles que procuram levar conhecimento às pessoas sobre as dificuldades enfrentadas por autistas e suas famílias.
"Eles sabiam que o autismo é uma deficiência. Tudo o que foi falado e dito dali para a frente é crime. Esses sabiam o que estavam fazendo. Muitas pessoas viram o vídeo, a Lei da Política Nacional de Proteção dos Direitos da pessoa com Transtorno do Espectro Autista é de 2012. Antes, o autista não era considerado uma pessoa com deficiência e não tinha direito a nada. [Conscientizar] É um trabalho muito cansativo. Além de cometer um crime, eles fizeram um desserviço. A gente precisa que eles expliquem para todos que viram o vídeo o que é correto. Agora, eles agora precisam fazer uma retratação", afirmou.
Amanda Ribeiro revela que o ponto da apresentação humorística mais chocante foi a menção, feita por Abner, sobre o uso de fraldas por parte de um dos integrantes da banda, pois aborda uma situação bastante incômoda que é vivida por muitas mães de crianças e jovens especiais.
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"Me senti tocada quando sobre as fraldas. Estou fazendo o desfralde do meu filho. Para a gente, é tão constrangedor. O meu filho tem quatro anos, é grande. É constrangedor entrar em um fraldário para trocar uma criança em um espaço feito para um bebê. O autismo não tem cara. A gente vê os olhares das pessoas. Se eles soubessem o quanto é doloroso é para uma mãe trocar a fralda de um adolescente ou de um adulto. Muitas mães nem saem de casa para não passar por esse tipo de constrangimento", lamentou a empresária.
Outro lado
A reportagem do R7 enviou mensagens aos humorista Abner Henrique e Dihh Lopes, mas não houve resposta de ambos até a publicação desta matéria.