Oferta de microapartamentos e estúdios impulsiona boom imobiliário em São Paulo
Unidades de cerca de 30 m² atraem público jovem e ajudam a mudar a cara de ruas da Vila Mariana, Pinheiros e Jardins
São Paulo|Isabelle Amaral*, do R7
Das ruas Joaquim Távora e Domingos de Moraes, localizadas na Vila Mariana, zona sul de São Paulo, o proprietário de um antigo mercadinho observa de seu estabelecimento comercial construções transformarem a paisagem do bairro. As placas, espalhadas pelas calçadas, anunciam futuros prédios com microapartamentos e estúdios. Esses empreendimentos representam boa parte dos edifícios que estão mudando a cara de bairros da cidade e criando um contraste entre casas, condomínios novos e antigos.
De acordo com o Secovi-SP (Sindicato das Empresas de Compra, Venda e Administração de Imóveis), entre os meses de junho de 2021 e maio de 2022 foram vendidos 69.614 novos imóveis, um aumento de 14,9% em relação aos 60.602 comercializados um ano antes. A alta de 14,9% reflete, em parte, a retomada do setor após o período mais agudo da pandemia.
E entre os destaques estão justamente as unidades na faixa entre 30 m² e 45 m², que compreendem estúdios e apartamentos de um e dois quartos. Esse tipo de imóvel liderou em lançamentos e vendas em maio. Em segundo lugar, o tipo de imóvel com maior crescimento é o das unidades com menos de 30 m². Um dos apartamentos anunciados tem 10 metros quadrados, e é apontado como o menor da América Latina.
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Os bairros mais procurados e com mais ofertas, de acordo com o economista-chefe da instituição, Celso Petrucci, são Pinheiros e Jardins, na zona oeste, e, principalmente, a região da Vila Mariana, na zona sul da capital.
O perfil das pessoas que compram ou alugam esses imóveis, aponta o economista, é de jovens, solteiros, juntados ou recém-casados que buscam um lugar próximo de onde trabalham e estudam. Além disso, o empreendimento menor é mais barato e viável para esse público.
Petrucci explica que a procura aumentou nos últimos anos também por conta da queda na taxa de juros. "Tivemos um aumento significativo de vendas neste período [da pandemia] porque os juros da taxa imobiliária em 2018 e 2019 eram menores e duraram até o fim de 2021. Depois, houve um novo aumento nos juros", explicou.
Entre junho de 2019 e agosto de 2020, a taxa básica de juros, a Selic, despencou, passando de 6,5% a.a. (ao ano) para 2% a.a., e começou a subir novamente em meados de dezembro de 2021, para conter a inflação. Atualmente, a taxa de juros está em 13,25%, o que ajuda a explicar também o aumento do estoque em 39% num período de 12 meses encerrado em maio.
Vila Mariana
A designer Ana Beatriz procurou um desses empreendimentos para viver. Hoje, ela mora em um prédio na Vila Mariana, onde há diversos lançamentos com estúdios, que normalmente têm em torno de 30 m². Ela conta que sempre morou na região, mas que, recentemente, optou por alugar o estúdio porque vive sozinha e o valor compensa.
Nas ruas João Joaquim Távora e Domingos de Moraes, próximas às faculdades Belas Artes e ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing), a reportagem do R7 localizou ao menos cinco novas construções de prédios de pequenos apartamentos ou estúdios. Para Ana Beatriz, isso faz parte da transformação da cidade, mas, ao mesmo tempo, ressalta que a tradição do bairro deve ser mantida.
"A Rita Lee morou nesta região, tem toda uma história em cada uma dessas casas e prédios antigos que ainda sobraram. Acredito que a solução seria fazer uma reforma, tentar manter isso, e não, simplesmente, demolir", afirmou.
Investimento
A corretora Juçara Samara Jabur, que trabalha no mesmo bairro, afirmou que esses imóveis são ainda mais procurados por investidores. "Eles olham o projeto, compram na planta e, depois, alugam para este público mais jovem." Segundo ela, um dos clientes da empresa em que trabalha deve fechar negócio com ao menos dez estúdios para alugar e gerar renda. "É um investimento", disse.
Aqueles que buscam um imóvel próprio, muitas vezes, recorrem ao programa Casa Verde e Amarela, da Caixa Econômica Federal, de acordo com o economista-chefe do Secovi-SP. O programa de habitação popular oferece uma taxa de juros reduzida para o financiamento.
Quem opta por morar nesses imóveis precisa se adaptar ao tamanho. Um vídeo feito pelo corretor Airton Ribeiro e que viralizou no TikTok mostrou como é um estúdio internamente, com o design adaptado.
Com a cama suspensa, em uma éspecie de mezanino, a parte de baixo da casa fica livre para adaptar a cozinha e a sala, com o banheiro separado. Nesses casos, o condomínio geralmente tem uma lavanderia adaptada para ser usada em conjunto com outros moradores, além de uma academia.
Mudança de cenário
O comerciante do mercado antigo da Vila Mariana, que preferiu não se identificar, afirmou que a demanda por novos imóveis gera preocupação quanto às consequências urbanas nessas regiões. Ele teme que os futuros moradores tirem a tranquilidade do bairro, "com aquelas festas e sons altíssimos". Além disso, segundo o comerciante, que é dono do comércio há mais de 20 anos, o barulho das novas construções também incomoda.
Para a moradora da região Isabella Playte, de 23 anos, que se mudou para o bairro há um ano para ficar mais perto do trabalho, essas mudanças são positivas e mostram um avanço. "Esses estúdios e apartamentos pequenos estão em alta agora. Aqui, como tem as faculdades próximas, muito mercado, farmácia, empresa e um pouco de tudo, acaba sendo mais visado", afirmou.
A aposentada Ana Eliza, de 71 anos, que mora em Pinheiros, na zona oeste, não tem gostado das mudanças geradas pelos empreendimentos. Segundo ela, há casas e prédios abandonados pela região. "As imobiliárias têm que dar a chance de a pessoa ver e avaliar para ver se gosta e se quer ficar, não sair só demolindo tudo", relatou.
A corretora Juçara afirma, no entanto, que essas novas construções na cidade de São Paulo são pensadas para atender às necessidades dos novos públicos. Ana Eliza é enfática ao dizer que não estaria disposta a vender o imóvel que possui para demolição.
Em meio a essas divergências, os bairros paulistas têm a paisagem cada vez mais transformada pelas novas construções.
*Estagiária, sob supervisão de Fabíola Perez e Márcio Pinho