Pirapora do Bom Jesus fica em último lugar no ranking de cidades sustentáveis do estado de SP
Dos 17 indicadores analisados, apenas um foi atingido. Falta de emprego, saneamento e poluição estão entre os problemas
São Paulo|Joyce Ribeiro, do R7
Pirapora do Bom Jesus, cidade da região metropolitana de São Paulo, está em último lugar no ranking de cidades sustentáveis entre os municípios do estado. Dos 17 ODSs (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável) estabelecidos pela ONU (Organização das Nações Unidas), apenas um foi atingido integralmente: o que se refere à indústria, infraestrutura e inovação. Entre os maiores desafios estão a erradicação da pobreza e da fome, criação de empregos e a universalização do saneamento básico.
O levantamento foi divulgado em julho pelo Instituto Cidades Sustentáveis e pretende orientar a política municipal e definir referências e metas com base em 100 indicadores de gestão. O índice reúne dados de todas as cidades brasileiras para identificar virtudes e fragilidades de cada um dos 5.570 municípios.
"Grande parte da receita municipal vem de transferências federais. É pouca arrecadação. O valor per capita em investimento público é baixo. Tem uma questão estrutural financeira importante", afirma Igor Pantoja, assessor de coordenação do Instituto Cidades Sustentáveis.
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A informação foi confirmada pelo procurador-geral de Pirapora do Bom Jesus, Marcos Sérgio de Souza. Segundo ele, o orçamento para 19 mil habitantes está abaixo do observado em outras cidades com polo industrial. Hoje a cidade vive do turismo religioso.
"O nosso orçamento é pequeno, nunca será igual ao de Santana de Parnaíba. Nossa arrecadação depende exclusivamente do ISS e do IPTU, que é a maior fonte de recursos próprios. Trabalhamos também com emendas parlamentares complementares em áreas como saúde. A prioridade é ampliar o parque industrial para aumentar a arrecadação e a geração de empregos", justifica.
Pirapora
Pirapora ocupa a posição de número 3.102 de 5.570 municípios em todo o Brasil. A pontuação geral foi de 45,61 de um total de 100, segundo o Índice de Desenvolvimento Sustentável das Cidades.
"O município teve um desempenho melhor que outras cidades do país em alguns ODSs. Apesar de estar como a pior cidade no ranking de São Paulo, Pirapora está um pouco abaixo da pontuação média do Brasil, que é de 49. Está praticamente no meio do ranking brasileiro. Em geral, São Paulo teve um bom desempenho como estado", explica Igor Pantoja.
Pirapora, distante 53 km da capital paulista, tornou-se um município em 1959 após se emancipar de Santana de Parnaíba. A área é de 108 km². Tem como limites as cidades de Cabreúva e Jundiaí ao norte, Cajamar a leste, Santana de Parnaíba a sul e Araçariguama a oeste. Fica à beira do rio Tietê, que é bastante poluído.
Um dos grandes problemas da cidade tem caráter ambiental: a poluição do rio e o saneamento. Segundo o levantamento, em 2020, apenas um a cada quatro moradores tinha coleta domiciliar de lixo. Também 55% da população tinha acesso a esgoto sanitário.
A cidade é pequena%2C indústria tem muito pouco. É uma cidade-dormitório. Agora está retomando o turismo. É muito desemprego e muitos vivem com auxílio do governo
A pedagoga Cícera Pereira Leite é moradora da cidade há 33 anos e ainda viu o Tietê menos poluído. "Quando cheguei, tava começando a poluir o rio. Hoje está totalmente contaminado, o que prejudica a saúde, o bem-estar, mas a gente aprendeu a conviver. Talvez meu neto veja o rio despoluído porque tem projeto, mas não vejo o governo fazer alguma coisa", lembra.
Segundo ela, a poluição não tem origem em Pirapora. "A espuma começa a voar e, se pega em um carro, mancha", diz.
Outra moradora, de 45 anos, que prefere não ser identificada, afirma que a cidade costumava receber mais turistas quando o Tietê era limpo. "O rio era atrativo com passeio de barco e pesca. Era legal e contribuía para a economia. Hoje o rio é podre, mas a poluição vem de fora, não é nossa. É bonito, mas está superpoluído. Tem capivara, tartaruga, ainda tem vida, mas muito ruim com a espuma e o cheiro desagradável", afirma.
Na casa dela, não tem esgoto. Segundo a moradora, o imóvel fica abaixo do nível da rua, o que impede o acesso à rede.
"Apenas 25% da população tem acesso à coleta seletiva. O índice é próximo ao da zona rural, o que destoa da realidade urbana em nível nacional. Este é o mínimo do mínimo. O rio Tietê cruza a cidade, e Pirapora fica com a poluição, com a parte que não se vê da região metropolitana de São Paulo", destaca o coordenador do Cidades Sustentáveis.
A população sai de madrugada para conseguir chegar ao trabalho, porque a distância é grande. O transporte não é barato, quase R$ 6 até Santana de Parnaíba. Além do custo, é o desgaste
Já o procurador-geral do município garante que o cenário mudou nos últimos dois anos. "Ficamos 20 anos sem contrato com a Sabesp, o que atrasou muito a universalização, mas isso foi revisto. O contrato foi retomado em 2020. A ETA [Estação de Tratamento de Água] está subdimensionada. Faltam ligações para a rede de esgoto, em áreas como o Paiol, mas o centro já está tratado", afirma.
Segundo Marcos Sérgio de Souza, a coleta de lixo é regular na cidade, e foram gastos R$ 14 milhões para que chegasse água ao bairro Laranjeiras. Sobre a poluição no Tietê, ele espera que o governo faça sua parte.
"A cidade parecia formigueiro antes, mas a poluição atrapalhou muito. Quando o rio está baixo, a espuma ainda nos atrapalha. É de suma importância a descontaminação do rio. Estamos na expectativa pelo rio Tietê como está ocorrendo no rio Pinheiros", enfatiza.
Cidade-dormitório
Um dos desafios apontados no levantamento é a redução de desigualdades, erradicação da pobreza e da fome. Segundo a população, hoje a prioridade deveria ser a geração de empregos.
"A população vem para dormir, sai 4h ou 5h da madrugada para conseguir chegar ao trabalho, porque a distância é grande. Emprego só tem na prefeitura, mas não em quantidade. Nas poucas empresas que tem, os funcionários são de fora. O transporte não é barato, quase R$ 6 até Santana de Parnaíba. Além do custo, é o desgaste", diz Cícera Leite.
Outra moradora, que é assistente-administrativa na cidade, conta que o marido trabalha em Barueri e faz uma viagem todos os dias. "A cidade é pequena, indústria tem muito pouco, o que é um agravante. É uma cidade-dormitório. Agora está retomando o turismo. É muito desemprego, e muitos vivem com auxílio do governo", revela.
Os dados do levantamento corroboram os relatos da população. "Pirapora fica perto de um polo de emprego, que é Santana de Parnaíba, mas 16% da população de baixa renda gasta mais de uma hora de deslocamento, o que indica que o município tem baixa oferta de emprego", afirma Igor Pantoja.
Em nota, a prefeitura informou investir em formação profissional. "Nosso objetivo é qualificar os jovens para que os empresários encontrem mão de obra qualificada na cidade e sintam-se atraídos para investir em Pirapora."
Segundo o procurador-geral do município, foi aprovado um projeto para a construção de 60 galpões, "o que deve gerar mais renda, mais tributos e desenvolvimento para a cidade".
O rio Tietê cruza a cidade e Pirapora fica com a poluição%2C com a parte que não se vê da região metropolitana de São Paulo
Pirapora não é cortada por rodovia, tem pousadas simples e comércio no centro. A segurança é apontada como uma qualidade no município.
De acordo com os moradores, são registrados furtos na cidade, mas não se ouve falar em assaltos ou assassinatos. "Não troco Pirapora por outra cidade. Tenho sossego. Conseguimos sair à noite. Por ser cidade pequena, as pessoas se conhecem. Roubo, essas coisas não. Aqui a gente ainda tem segurança", conta Cícera.
Educação e saúde
De acordo com o estudo, 25% dos jovens de 15 a 24 anos não estudam nem trabalham. Também menos de 22% dos moradores até os 19 anos concluíram o ensino médio.
A moradora que não quer ser identificada reclama da qualidade do ensino: "Trabalho com crianças. É fraco o ensino. A gente vê criança no 5º ano que não sabe escrever, fazer uma redação. A maioria tem bastante dificuldade".
A pesquisa revela que apenas 55% da população é atendida por equipes de saúde da família. "A saúde primária é a porta de entrada", ressalta Igor Pantoja.
A prioridade é ampliar o parque industrial para aumentar a arrecadação e a geração de empregos. Pirapora tem projeção de crescimento e potencial
Segundo os moradores, a população precisa sair da cidade quando procura por algumas especialidades médicas. Pirapora tem um AME (Ambulatório Médico de Especialidades), pronto-socorro, UBSs (Unidades Básicas de Saúde), Cras (Centro de Referência de Assistência Social), mas não uma estrutura de alta complexidade.
Marcos Sérgio de Souza diz que há agentes de saúde da família na cidade, mas ressalta que Pirapora recebeu pessoas de vulnerabilidade social vindas de outras regiões, o que impactou na saúde e educação.
Enfrentamento do problema
Pirapora faz parte do Cioeste (Consórcio Intermunicipal da Região Oeste Metropolitana de São Paulo) e pode utilizar boas práticas adotadas nas outras 11 cidades para melhorar os indicadores apontados pelo estudo.
Igor Pantoja recomenda que Pirapora faça a lição de casa: "O caminho é fortalecer a região e fazer com que mais municípios participem do bom desempenho. Pensar em arranjos regionais. Olhar para quem está em volta apesar da importância de ações individuais. É difícil sair sozinho da situação".
De acordo com ele, é preciso traçar estratégias para melhorar indicadores, ver o que está mais ao alcance, já que há questões difíceis de reverter. A ideia é fazer uma articulação de políticaspúblicas para não depender de recursos novos.
"Pirapora tem uma projeção de crescimento muito importante, tem potencial. Vamos aumentar essa pontuação nos próximos anos. É um misto de ações nossas e do Cioeste. Hoje temos um planejamento estratégico para atacar os pontos nevrálgicos. Os mais críticos demandam um trabalho mais árduo, com resultados a longo prazo", finaliza o procurador-geral.