Polícia Civil de SP indicia mafioso italiano por lavagem de dinheiro
Patrick Assisi está preso no Brasil por ser apontado como integrante da máfia 'Ndrangheta e aguarda decisão do STF sobre sua extradição
São Paulo|Por Luís Adorno e Márcio Neves, do Núcleo de Jornalismo Investigativo da RecordTV
A Polícia Civil de São Paulo indiciou no último dia 28 de abril, por lavagem de dinheiro, um italiano acusado no seu país de origem de pertencer à máfia ‘Ndrangheta, apontada por policiais europeus como a maior organização criminosa em atividade no mundo. Patrick Assisi, de 37 anos, detido na penitenciária federal de Brasília, seria o representante da máfia na negociação dos italianos com a facção criminosa paulista PCC (Primeiro Comando da Capital) para a remessa de cocaína a partir dos portos brasileiros, principalmente o de Santos.
Patrick Assisi e seu pai, Nicola Assisi, 61, foram detidos pela PF (Polícia Federal) no apartamento onde viviam, em julho de 2019, na Praia Grande, litoral de São Paulo. Nicola é um antigo mafioso italiano chamado de “Fantasma da Calábria”: “Fantasma” porque se escondia no submundo do crime; “Calábria” porque é a região do Sul da Itália de onde ele é e também onde fica o QG da ‘Ndrangheta.
De acordo com relatório da Procuradoria-Geral da República italiana, Nicola e Patrick “foram promotores, organizadores e financiadores das atividades ilícitas do grupo criminal”. Ainda segundo o órgão italiano, “eles trataram a compra de consideráveis quantidades de cocaína de organizações criminais que operavam na América do Sul, cuidando da transferência do Brasil e de outros países da América do Sul até a Itália”.
No mesmo edifício onde os italianos foram presos, morava o criminoso do PCC com quem os italianos negociavam o tráfico internacional de drogas: André de Oliveira Macedo, o André do Rap, que está foragido e é tido como alvo número um entre policiais estaduais e federais. Os italianos aguardam processo de extradição.
Além de Patrick Assisi, a Polícia Civil também indiciou sua mulher, Paula Simões da Cruz. De acordo com a Polícia Civil, o casal detém patrimônio incompatível com seu padrão de vida, com dois apartamentos localizados em áreas nobres de São Paulo avaliados atualmente em R$ 2.840.000,00. A polícia requereu a alienação antecipada dos imóveis, localizados nas ruas Helena, número 300, no Itaim Bibi, e Alvorada, número 303, na Vila Alpina. Paula responderá ao caso em liberdade, de acordo com a Polícia Civil.
Patrick e Paula tinham uma empresa denominada como “Poli Pat 9”, de papelaria, na avenida Quinze de Novembro, 320, em Ferraz de Vasconcelos desde 20 de agosto de 2015. Inicialmente, a empresa tinha capital dividido de forma igual, mas em 19 de julho de 2018, Patrick passou a deter 90% das cotas do negócio.
De uma casa humilde, localizada na rua Epitácio Pessoa, em Ferraz, Paula conseguiu comprar dois imóveis de luxo na capital desde o primeiro ano da empresa de papelaria. O primeiro deles, de 190 metros, foi comprado em 6 de abril de 2015, na rua Alvorada, adquirido por R$ 1.160.000,00. Em 30 de abril, ela comprou outro, localizado na rua Helena, por R$ 700 mil. Ambos ficam na região da Vila Olímpia, zona sul de São Paulo.
O que chamou a atenção dos investigadores é que Patrick e sua esposa alegam ter adquirido os imóveis fruto do trabalho na empresa de papelaria de Ferraz. No entanto, a compra dos dois imóveis ocorreu meses antes do surgimento da empresa.
O diretor do DHPP (Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa) Fábio Pinheiro Lopes, o Caipira, afirma que apesar de a PF ter detido Patrick e Nicola Assisi, como a investigação também era feita pela Polícia Civil, a apuração sobre supostos crimes de lavagem de dinheiro continuaram pelo departamento de polícia paulista. “Culminou com o indiciamento do Patrick porque ele não tinha como justificar a compra dos dois apartamentos”, afirmou.
De acordo com a Polícia Civil, após a detenção dos italianos, a mesma testemunha que já havia denunciado onde os Assisi estavam voltou a fazer contato com a polícia dizendo ter informações sobre o paradeiro de um traficante apontado por ela como o responsável por todo o abastecimento de drogas do litoral de São Paulo. Ela disse que ele tinha um iate chamado “God’s Hand”.
Foi assim que a polícia soube onde estava André do Rap, em Angra dos Reis. A partir dessa informação, a Polícia Civil o monitorou. O barco foi localizado ancorado à porta da mansão número 26 do condomínio de luxo denominado como “Caeirinhas”. Lá, ele foi preso em setembro de 2019. Com ele, estavam outros dois traficantes procurados pela Justiça: Luciano Hermenegildo Pereira e Jefferson da Costa Moreira da Silva.
Em outubro de 2020, porém, ele deixou a porta da frente da penitenciária 2 de Presidente Venceslau, no interior de São Paulo, agraciado por um habeas corpus concedido pelo ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Marco Aurélio Mello e, desde então, voltou a ser procurado.
A máfia italiana no Brasil
De acordo com a Polícia Civil de São Paulo, as atividades econômicas da ‘Ndrangheta incluem tráfico internacional de drogas, descarte de resíduos ilegais, contrabando de armas, extorsão, usura, prostituição, falsificação e tráfico de seres humanos. Somente com relação ao tráfico de drogas, estima-se que 80% da cocaína da Europa passa pelo porto Gioia Tauro, localizado na Calábria e dominado pela ‘Ndrangheta.
A polícia paulista cita que as autoridades italianas calcularam que, em 2013, a ‘Ndrangheta foi responsável pela movimentação de 53 bilhões de euros, sendo sua principal ferramenta o tráfico internacional de drogas.
A cocaína distribuída em todo o mundo se origina na América do Sul, principalmente na Bolívia. O contexto geográfico coloca o Brasil como principal rota na distribuição da droga. Por isso, os italianos tiveram que fazer aliança com a maior organização criminosa brasileira: o PCC. É a partir dessa negociação que a droga que chega a Europa passa pelo nosso país com a logística necessária para que boa parte não caia nas mãos da polícia.
Uma investigação do núcleo de jornalismo investigativo da RecordTV, baseada em documentos das polícias do Brasil e da Itália, mostra que Nicola e Patrick Assisi viviam no Brasil desde, pelo menos, 2013. Enquanto o pai tentou manter discrição em suas movimentações no país, o filho, sem se disfarçar, mesmo na linha vermelha da Interpol, se casou em cartório, criou empresa e registrou dois filhos nascidos no hospital Albert Einstein: um menino, de 5 anos, e uma menina, de 3.
Para as justiças brasileira e italiana, os Assisi afirmam sofrer perseguição na Itália por serem do Sul do país, região considerada mais pobre. Eles afirmam não ser mafiosos. Em depoimento cedido a procuradores brasileiros em 12 de setembro de 2019, Patrick afirmou: “Eu não sou da máfia. Nunca tiver perto de máfia, nunca tive perto desse negócio aí.”
Quem defende os dois italianos e Paula é o advogado Eugenio Malavasi, que também prestou serviços para André do Rap. O advogado afirmou que só se manifestará sobre o indiciamento após o recebimento da denúncia.