População de fora do protesto se assusta com confrontos com a PM
Testemunha relata ter visto policiais ateando fogo em colchões e pneus
São Paulo|Vanessa Sulina e Érica Saboya, do R7
Foi o forte barulho de bombas e tiros e o cheiro de gás lacrimogênio dentro do prédio da Mackenzie, do campus Higienópolis, região central de São Paulo, que levaram dois amigos estudantes da universidade para fora do local para “verem o que estava acontecendo”. Segundo eles, não demorou muito para presenciarem “cenas de guerra”, os abusos e a truculência policial na região central.
O pavor já começou na porta da faculdade que dá acesso à rua Consolação, palco do confronto entre manifestantes e policiais militares, de acordo com o estudante, Kauê Curtis, de 20 anos de idade. Segundo ele, “diversos manifestantes e estudantes” gritavam por socorro e pediam para entrar no campus com medo das bombas que eram jogadas e com o cheiro do gás lacrimogênio.
— Como não pude sair por ali, dei a volta e saí. A manifestação já havia se dispersado, mas ainda havia muitos policiais da tropa de choque nas ruas. Por causa do clima de tensão disse para o meu amigo “vamos ficar aqui nesse posto porque aqui não tem perigo”. Mas não adiantou nada. Eles começaram a atacar bombas na gente. Sempre fui aquele típico garoto burguês, elitista, do tipo que pensa "pra que me preocupar se não está me atingindo?” Mas fiquei revoltado quando vi aquela cena. E resolvi então seguir com os manifestantes para ver como tudo seria conduzido.
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Ao lado de Curtis, seu colega de sala de aula, de 20 anos de idade, que preferiu não se identificar, contou que viu também PMs atirando em estudantes que estavam em um bar na mesma região.
— Aquele pessoal não tinha nada a ver com manifestação. Aquele é um bar em que os estudantes do Mackenzie costumam frequentar. Os policiais viam que eram pessoas do mesmo perfil dos manifestantes, eu acho, sabe? Gente jovem, com mochila e atacavam.
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Depois de seguir “um pouco mais com a manifestação”, ele contou que “sentiu muito medo da polícia e, por isso, não quis continuar.
— O que eu vi de fora era os manifestantes de forma pacífica. Vi meninas segurando rosas brancas, sabe? Fiquei com tanto medo e me sentindo inseguro de ver que a polícia que deveria nos proteger estavam tratando civis daquela maneira. Não esperava ver isso no Brasil. Era cena de Primavera Árabe [série de levantes populares em países árabes].
O movimento começou antes das 17h em frente ao Teatro Municipal, no centro da cidade, quando milhares de manifestante se reuniram para começar a passeata. As primeiras horas de caminhada foram pacíficas, com alguns episódios pontuais de pichação.
Depois da ação da Tropa de Choque, no começo da rua Maria Antônia, o ânimos se acirraram entre o grupo que protestava. Objetos como pedras e garrafas foram atirados contra os policiais, que respondiam com mais balas de borracha e bombas de gás lacrimogênio.
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Quando a passeata dispersou para as ruas paralelas, algumas barricadas foram montadas com sacos de lixo para evitar o acesso das viaturas, de onde mais policiais passavam atirando bombas de efeito moral. Algumas barricadas chegaram a ser incendiadas por manifestantes e, ao fim da ação, as ruas ficaram cobertas de lixo.
“Três minutos mais longos da minha vida”
Na subida rumo à avenida Paulista, Curtis conta que presenciou os agentes atacando até mesmo pessoas que estavam no alto de um dos prédios da região da Bela Cintra.
— As pessoas estavam revoltadas com que viam nas ruas e xingavam os policiais de “covardes”, atacavam ovos, e sabe que os agentes fizeram? Revidaram com balas de borracha.
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Pouco tempo depois em que tudo parecida normalizado, o estudante conta que vivenciou “os três minutos mais longos da minha vida”. Segundo ele, ao cruzar com uma senhora, de 67 anos, que estava acompanhada da filha, na rua Ministro Rocha de Azevedo, na região dos Jardins, ele sugeriu que elas não fossem para o lado da Augusta, pois o metrô estava fechado.
— Então, elas me disseram que iriam cruzar a avenida porque estavam indo para a casa. Resolvi acompanhá-las quando um grupo de policiais mandou a gente voltar para trás. Nós dissemos que estávamos indo embora quando ele veio até a gente. Com medo, nos abaixamos no chão. Eu gritei “aqui tem uma senhora”. Ele então começou a mirar a arma na nossa cabeça como quem queria dizer: “quem eu escolho para atirar”? Minutos depois, deu um tiro no chão e com muito medo, fomos embora. Foi terrível!
PMs colocam fogo em barricada
Pela rede social, diversas pessoas relataram momentos de desespero e pânico que viveram nas proximidades do confronto entre polícia e manifestação. Entre eles, Elcio Fonseca, que relata o sufoco após sair de seu trabalho na Paulista.
“Calmo e desdenhando da ligação” de sua mulher, ele afirma que andou rumo à estação Consolação quando foi repreendido por agentes. Logo depois, guardas avisaram para “voltar até a estação Trianon". Em sua caminhada, ele relata que homens com cassetetes batiam em quem passasse pela frente. Inclusive ele foi atingido nas costas.
— Uma truculência e humilhação a que não tinha presenciado nem nos momentos mais duros do regime militar. Depois destes momentos de verdadeiro terror, e – note-se – sem que eu visse nenhum manifestante, nada, ninguém, fomos empurrados para a rua Bela Cintra, privados de explicação, do direito de escolher nosso caminho, de sequer perguntar o porque dessa violência gratuita, única, exclusiva da Policia Militar do Estado de São Paulo, vi uma barricada na esquina com a Luis Coelho, com coisas que me parecerem colchões e pneus, queimando. Adivinhe quem colocou fogo? Isso mesmo, a Policia Militar de São Paulo, disfarçadamente.
“Perplexo e assustado” como ele mesmo disse, Fonseca relatou que ligou para sua família, “para me garantir — como nos tempos da ditadura, dando minha localização, sem o direito de decidir meu caminho, meu rumo, meu destino”.
Outro lado
Procurada pela reportagem do R7, a Polícia Militar de São Paulo não se pronunciou até a publicação desta matéria. Já a Universidade Presbiteriana Mackenzie informou, por meio de nota, que "a segurança restringiu o acesso para evitar que os alunos saíssem. Mas a portaria não foi fechada, permitindo que pessoas idosas, jovens e mulheres entrassem para se proteger. Tanto que atendemos mais de 13 pessoas que adentraram ao campus pela portaria da rua da Consolação, sendo que nove estavam feridas e foram atendidas pelo serviço médico da instituição".
Assista ao vídeo: