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Preconceito contra restaurante localizado na periferia é a retumbante vergonha da vez

O Mocotó, localizado na zona norte, é um patrimônio da vida gastronômica de São Paulo, mas foi considerado um 'local perigoso' por freguesa, que ficou com 'muito medo'

São Paulo|Marco Antonio Araujo, do R7

O Mocotó tem fama internacional e serve comida nordestina de reconhecida qualidade
O Mocotó tem fama internacional e serve comida nordestina de reconhecida qualidade

Os mocotós são patrimônios nacionais – tanto o que fica no pé do boi quanto o que se localiza na Vila Medeiros (zona norte de São Paulo). O primeiro é um ingrediente simples e popular, cujo caldo é muito apreciado por fregueses de botecos e restaurantes menos afamados. O segundo é um premiado estabelecimento, uma das relíquias gastronômicas da metrópole paulistana. Este último ganhou as redes sociais por causa de uma daquelas postagens infelizes (e reveladoras) na internet.

O bar e restaurante Mocotó nasceu em 1973, especializado em comida sertaneja. Foi fundado por José de Almeida e hoje é dirigido pelo filho, Rodrigo Oliveira. Seu José teve como herdeiro de sua obra, cabe ressaltar, um dos mais aclamados, inventivos e modestos chefs de cozinha deste imenso Brasil. Rodrigo é dos bons e exerceu a rara sabedoria de manter as origens e, ao mesmo tempo, modernizar de forma única. Podem chamá-lo de gênio, se quiserem.

No site do Mocotó, ficamos sabendo que o boteco ocupa o 33º lugar na lista dos melhores restaurantes da América Latina pela revista britânica Restaurant (2020) e que recebeu o selo de Bib Gourmand pelo conceituado Guia Michelin, além do prêmio de melhor restaurante do mundo na categoria “no reservation required” pelo World Restaurant Awards em 2019. Um sucesso.

Nada disso precisaria estar sendo dito aqui, longe do panteão em que o Mocotó se consagrou, se não viesse a público uma daquelas pérolas de preconceito e mesquinharia que chafurdam nas profundezas das redes sociais. Dona Sandra (chamo-a de dona por zelo e por duvidar que uma jovem pudesse expor conceitos tão arcaicos) foi visitar o Mocotó e de lá saiu muito mal impressionada. Eis o depoimento dela, publicado no Instagram do restaurante:


Eu ficaria sem palavras diante de algo tão sem noção. Mas o Rodrigo teve presença de espírito e respondeu com calma, mesmo indignado: “Oi, Sandra, justamente por existir gente que ainda pensa como você que continuamos morando e empreendendo na Vila Medeiros. Assim, quem sabe um dia nosso bairro vai estar (ainda mais!) cheio de negócios de sucesso e de oportunidades pras pessoas que vivem aqui”.

Não precisava lacrar tanto, mas, pelo menos, a resposta do chef não foi agressiva nem se rebaixou ao nível da mesquinharia proposta. Afinal, dona Sandra foi num grupo de 16 pessoas, e estas ficaram "com muito medo" do local. E, vejam só, vieram do Tatuapé – para quem não sabe, ou não lembra, um bairro da sofrida zona leste paulistana até bem pouco tempo tratado com o mesmo preconceito que esses eventuais moradores dirigem hoje à Vila Medeiros. Coisa feia.

E assim seguimos, um dia de cada vez, sempre com uma lição nesses breves intervalos. A dona Sandra, por exemplo, involuntariamente, nos ensina a medir as palavras, tentar sair da bolha em que vivemos, buscar tratar o próximo (por mais que pareça distante) com algum respeito e, talvez principalmente, a manter a boca fechada ou, ao menos, os dedos das mãos quietos diante de uma tela de celular ou computador. Que vexame, dona Sandra. Não precisa voltar.

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