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Prefeitura sabia que fiação velha em São Paulo coloca em risco população

Em gravação, ex-diretora do Ilume, demitida após denúncia do R7, admite que morte pode ter sido causada por falha na manutenção da rede publica

São Paulo|Tarcísio Badaró e Tony Chastinet, da Record TV

Denise Abreu com o prefeito João Doria, quando era diretora do Ilume
Denise Abreu com o prefeito João Doria, quando era diretora do Ilume

A morte do chapeiro Júlio Lima Santos, 21 anos, vítima de uma descarga elétrica ao encostar em um poste semafórico, no bairro do Ipiranga (zona sul), em novembro passado, pode ter sido causada por falha de manutenção na rede pública de São Paulo.

Quem admite é a ex-diretora do Ilume, Denise Abreu, em mais um áudio obtido pelo Ministério Público, que investiga irregularidades na Concorrência Internacional da PPP (Parceria Público-Privada) da Iluminação na capital paulista, um contrato de R$ 6,9 bilhões por 20 anos.

No áudio, Denise conversa com dois assessores. Um deles, o assistente técnico Luis Augusto Panades, explica que o fio responsável pelo acidente não era usado há trinta anos. Denise Abreu questiona o funcionário, dizendo fazer o papel de um delegado ou um jornalista, formulando perguntas que caberiam a esses profissionais. Leia:

Denise Abreu — Um dos itens da PPP, que está publicada no site do Ilume, é a troca de toda a rede de São Paulo, reconhecendo que ela está obsoleta. Agora, a administração pública vai ficar esperando essa PPP até quando? E quantas pessoas vão morrer? Se demorar um ano para o Judiciário atuar, vocês vão ficar um ano sem manutenção na cidade?


Luis Augusto Panades — isso não tem nada a ver com manutenção. Isso aí é objeto da PPP, quando a PPP sair...

Denise — (...) Deixar um fio desencapado, na minha casa, inclusive, que pode dar um curto circuito, é falta de manutenção da minha casa.


Panades — O fio não pode dar um curto, ele fica isolado. A norma manda que os objetos metálicos estejam afastados da fiação, e a CET que colocou no poste no lugar onde não poderia colocar.

Denise — Não é bem assim. Eu tive uma reunião de horas. Não é bem assim. Nós fomos ler a lei. O fio tem 30 anos, existe regra, não é assim tem 30 anos e pronto. Ele tinha que estar encapado. Se desencapou, você tinha que ter trocado. Com contrato ou sem contrato. Porque a lei diz que tinha que estar encapado, e a lei está acima de qualquer contrato.


"O fio tem 30 anos%2C existe regra%2C não é assim tem 30 anos e pronto. Ele tinha que estar encapado. Se desencapou%2C você tinha que ter trocado. Com contrato ou sem contrato"

(Denise Abreu, ex-diretora do Ilume)

Pouco depois, Denise completa as possíveis perguntas da imprensa:

Denise Abreu “Que bom, hein, doutora Denise, quer dizer que porque não tem nenhuma previsibilidade no contrato de fazer a manutenção de fio, quantas pessoas em São Paulo podem morrer? Capaz de morrer a população inteira e a senhora só segue o contrato. Para a senhora o contrato está acima da vida."

Os áudios

Este novo áudio integra as 26 horas de gravação em posse do Ministério Público. As gravações foram feitas entre outubro de 2017 e janeiro deste ano pela secretária de Denise Abreu, Cristina Maria Chaud de Carvalho, que foi exonerada no final de janeiro de 2018.

Denise Abreu — que já havia trabalhado na Casa Civil da Presidência da República entre 2003 e 2006, e ocupado o cargo de diretoria da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil), em 2007 — foi exonerada do cargo de diretora do Ilume na quarta-feira, 21 de março, após as primeiras denúncias.

Ouça as gravações:

Farsa

Em outro áudio, gravado logo após o acidente que matou Júlio Lima Santos, Denise Abreu se reúne com os assessores Luis Panadés e José Thomaz Mauger para determinar as informações que seriam passadas para a Secretaria de Comunicação da prefeitura, que divulgaria nota sobre o ocorrido.

Denise Abreu — Calma, eu estou dizendo que até as 14h não havia nenhum depoimento prestado pela Ilume. (...) Foi destacada equipe para ir ao local do trágico acidente, às 14h, colher informações técnicas... para quê? Colher informações técnicas, tomar conhecimento do teor do boletim de ocorrência lavrado sem a presença de qualquer representante do Ilume e produzir relatório circunstanciado sobre o ocorrido. Até o momento, apuramos o quê? Dois pontos. Um. O que nós apuramos até o momento?

José Thomaz Mauger — Que tomou um choque no semáforo.

Luis Augusto Panades — Nós não fomos até a delegacia, então não temos notícia do B.O.

Thomaz — Você tem o B.O. aí.

Denise — Eu não disse que ele foi até a delegacia. Vou repetir aqui: foi destacada uma equipe para ir ao local do trágico acidente. Para quê? Fazer o quê? Bater palmas? Não. Para colher informações técnicas e para tomar conhecimento do teor do B.O. Tinha alguém lá que te mostrou o B.O.

Thomaz — Isso.

Panades — Mas ninguém me mostrou o B.O.

Thomaz — Mas você tem o B.O. aí.

Panades — Eu tenho o B.O. porque a Denise me mandou por Whats App.

Denise — É que ele é burro demais.

Panades — Não sou burro demais.

Denise — É burro demais. Você entendeu.

Thomaz — Entendi.

Denise — Isso é uma farsa.

Thomaz — Isso.

Denise — Faz parte do script da farsa que você descobriu esse B.O. Como? Você chegou ao local para fazer a perícia e alguém te disse.

Thomaz — Olha o B.O. aqui.

Denise — E você tomou conhecimento do que estava no B.O. Beleza? Essa é a cena do filme.

Logo em seguida, Denise sugere a possibilidade de culpar a empresa FM Rodrigues, concessionária que opera a rede de luz de São Paulo.

Denise Abreu — (...) e não chame de fio do Ilume. São filigramas, é fio de iluminação pública. Se tudo der errado, eu vou tacar na FM Rodrigues. Se eu já disse que é da Ilume, não é da FM Rodrigues. Então, é fio de iluminação pública. Aí, em algum momento eu vou dizer: quem é o dono do fio? FM Rodrigues, ela que instala os fios.

Não chame de fio do Ilume. São filigramas%2C é fio de iluminação pública. Se tudo der errado%2C eu vou tacar na FM Rodrigues. Se eu já disse que é da Ilume%2C não é da FM Rodrigues. Então%2C é fio de iluminação pública

(Denise Abreu)

Outro lado

Em nota, a Prefeitura de São Paulo informou que “a investigação está a cargo da Polícia Civil". "Os órgãos municipais colaboram com a autoridade policial, a quem compete apurar as responsabilidades pelo incidente e a veracidade das informações prestadas. A prefeitura lamenta o ocorrido e aguarda a conclusão do inquérito para adotar as medidas cabíveis."

A reportagem entrou em contato com o advogado de Denise Abreu, mas não obtive resposta até a publicação do texto. Também por nota, na semana passada, ela negou que tenha praticado qualquer irregularidade. Ela afirmou que "vai esclarecer todas as acusações infundadas".

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