Preso por um ano após tentar furto de R$ 100 em fios é absolvido
Defensoria alegou princípio da insignificância diante do baixo valor e Justiça absolveu totalmente o réu de pena de dois anos
São Paulo|Guilherme Padin, do R7
Um homem que havia sido condenado a dois anos de prisão em regime semiaberto pelo furto 5 kg de fios, avaliados em R$ 100, em março de 2019, foi totalmente absolvido da pena após decisão do STJ (Superior Tribunal de Justiça) no último dia 9 de junho. Ao todo, V. S. C.* esteve preso por pouco mais de um ano pelo caso ocorrido em Guarulhos (SP).
A mudança da pena se deu depois de uma ação da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, que pediu a aplicação do princípio de insignificância ao STJ. O defensor público Felipe de Castro Busnello, que impetrou o habeas corpus, apontou para o baixo valor do material subtraído, a fim de pleitear a absolvição do réu.
“Considerando o valor dos fios que o Paciente tentou subtrair aproximadamente 10% do salário mínimo vigente à época do delito, verifica-se que não houve lesão significativa ao bem jurídico que justifique a aplicação da Lei penal, que deve observar, dentre outros, os postulados da intervenção mínima e da lesividade”, escreveu Busnello na defesa ao STJ. O réu já havia cometido um delito por crime ao patrimônio.
Ao R7, Busnello comentou que a reincidência não deveria influenciar em um resultado diferente, considera ele, uma vez que o princípio de insignificância não faz esta distinção. “Se uma conduta não é crime [de acordo com o princípio de insignificância], ela simplesmente não é crime, sendo primária ou reincidente”, diz ele, que avalia que não houve danos à comunidade, uma vez que os fios não eram de luz ou energia e estavam soltos.
Ao receber a argumentação do defensor, o ministro Joel Ilan Paciornik, relator do STJ que acolheu a argumentação de Busnello, acatou o pedido e realinhou a pena. Paciornik decidiu por reconhecer a aplicação do princípio da insignificância e absolveu o réu, citando “o reduzido grau de reprovabilidade e a mínima ofensividade da conduta”, considerando que o valor do produto correspondia a 10% do salário mínimo.
“O Tribunal de origem destacou que o paciente faz da criminalidade um meio de vida por ser reincidente em crime contra o patrimônio, no entanto, tal justificativa, por si só, não tem o condão de afastar a aplicação do princípio da insignificância no caso concreto diante da atipicidade da conduta, devendo ser absolvido o paciente”, afirmou o Magistrado.
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Porém, entre o primeiro julgamento, pela 1ª Vara Criminal de Guarulhos, até a decisão pela absolvição, o réu esteve preso por quase um ano e dois meses. O período durou entre 28 de janeiro de 2020 até 16 de março de 2021, quando o Tribunal Estadual decidiu diminuir a pena para oito meses em regime aberto e Busnello entendeu que deveria levar o caso à instância do STJ.
O defensor público relata à reportagem que, muitas vezes, como neste caso, a absolvição se torna um processo mais simbólico do que algo prático para a vida do acusado, já que são inúmeros os casos nos quais o réu aguarda preso a sentença sobre sua liberdade e, quando confirmada, já cumpriu boa parte ou toda a pena, como no caso do réu de Guarulhos.
Casos assim são recorrentes, diz defensor
Segundo Felipe Busnello, são muitos os casos nos quais, após condenações em primeira e segunda instância, ele tem de recorrer ao Superior Tribunal de Justiça para aplicar o princípio de insignificância, e cita um deles.
“Pouco tempo atrás tive um caso de uma mulher que teria tentado furtar seis garrafas de suco de laranja, e só consegui absolver no STJ, que por atender interesses do país tem coisas muito importantes pra decidir, mas acaba tendo que se preocupar com seis garrafas de suco, que inclusive foram recuperadas na hora. E absolveram a mulher”, diz
A reportagem procurou o STJ para saber como o órgão se posiciona a respeito da aplicação do princípio da insignificância especificamente em casos de reincidência, como em Guarulhos.
Apesar da decisão do ministro Paciornik ser favorável a absolver o réu no caso do furto de fios, a resposta por e-mail apontou à direção contrária: sem responder a questão, o órgão nacional da Justiça enviou e sugeriu leituras de reportagens de seu próprio site em que o histórico de crimes dos réus impediu a aplicação do princípio citado.
*para evitar exposição, a reportagem utilizou iniciais do nome do réu