Quase 65 pais são presos por dia por deixar de pagar pensão alimentícia
De janeiro a outubro deste ano, 19.715 pessoas foram presas em São Paulo
São Paulo|Giorgia Cavicchioli, do R7
O Estado de São Paulo registrou, de janeiro a outubro de 2017, uma média diária de 64,8 prisões de pais que não pagaram pensão alimentícia para os filhos. Ao todo, foram feitas 19.715 prisões. As informações são Polícia Civil do Estado de São Paulo e foram obtidas pela reportagem do R7 via Lei de Acesso à Informação.
Em comparação com o mesmo período do ano passado, em que foram feitas 17.537 prisões, 2.178 pais a mais foram levados para a cadeia em 2017. O mês em que a Polícia Civil mais fez prisões foi em agosto (2.366).
De acordo com a advogada Hannetie Kiyono Koyama Sato, especialista em direito da família, a prisão de pais que não pagam a pensão só acontece em último caso. Antes disso, o juiz pode bloquear a conta, mandar um ofício para a empresa do devedor ou até penhorar bens dele.
Segundo a especialista, se mesmo assim ele continuar sem pagar o que deve, ele pode ter sua prisão decretada de um a três meses (o período pode aumentar para mais 90 dias se ele continuar sem acertar as contas sobre o que deve para o filho).
“O ato da prisão é um instrumento para tentar forçar aquele pai que tem condições de pagar”, afirma.
De acordo com a advogada, também existem mães que podem ser devedoras, mas que, na maioria das vezes, a guarda da criança fica com a mulher e o homem é quem deve pagar a pensão. Hannetie também lembra que o pai devedor pode ter que pagar indenizações por danos morais pelo abandono afetivo que a criança pode sentir.
“A criança não vive só de escola e de mercado no final do mês. A criança precisa de lazer, precisa de roupa”, lembra a advogada.
A especialista orienta para que, mesmo que os pais da criança tenham acordado um valor específico e que eles tenham uma boa relação, é preciso formalizar o valor a ser pago mensalmente em um documento para que ele seja cumprido da forma correta.
“Todos alegam que não têm condição. Mas, juridicamente falando, isso não é argumento para não pagar a pensão. Ela tem um caráter alimentar de sobrevivência. Existem outros instrumentos na lei, ele pode pedir a revisão de alimentos”, diz a promotora de Justiça Renata Rivitti.
Na revisão de alimentos, diz Renata, o valor da pensão pode ser negociado para que ele seja pago integralmente. “Os argumentos geralmente são de que a situação piorou, mas muito poucos conseguem provar que não tinham condições de pagar. A maioria constituiu outro relacionamento, ou por uma picuinha entre pai e mãe”, diz a promotora.
Renata afirma que, casos como esse vão tramitar em uma vara da família e que, por meio de um advogado, a criança ou o adolescente será representado por um adulto. Então, se já não existe uma obrigação fixada, é preciso entrar com a chamada “ação de alimentos”.
“É uma obrigação que está prevista na lei e que é uma obrigação de sustentar o filho que geral. É algo natural. As pessoas cuidam e criam seus filhos independentemente de alguém dizer que isso é uma obrigação”, afirma Renata.
Ainda de acordo com a promotora, o valor da pensão é definido caso a caso e o papel do MP (Ministério Público) é observar se a lei está sendo cumprida e se a criança ou adolescente está sendo prejudicado.
Sem participação do pai
Um exemplo da falta que faz o pagamento da pensão é a história da atendente P.M.D.R, 41 anos. Separada desde 2012 do ex-marido, ela conta que o filho com o ex-companheiro não recebe o que tem direito. “Se ele deposita R$ 1.000 hoje, daqui cinco anos vai depositar de novo”, afirma.
De acordo com P., o homem não cumpre com os acordos e tem um mandado de prisão contra ele. Hoje, ele mora em Pernambuco e alega que não tem condições de pagar a pensão do filho, que tem 16 anos. “Ele faz festas, compra as coisas lá, mas ele nunca tem dinheiro para pagar”, diz a mulher.
A reportagem teve acesso a mensagens em que a voz de um homem (identificado por P. como seu ex-marido) xinga e ameaça a mãe do filho dele. Em um dos áudios ele chama a mulher, que é negra, de “macaca” e de “chita”.
Segundo P., ela já está acostumada com a forma como o ex-marido lida com a situação e não quis fazer um boletim de ocorrência por injúria racial. De acordo com ela, o filho pediu para que ela não registrasse o caso na Polícia Civil.
A reportagem entrou em contato com o ex-marido de P. por telefone, mas as ligações não foram atendidas. Depois, voltou a procurá-lo por meio do aplicativo de mensagens WhatsApp, com a mensagem que ressaltava "é importante que a gente ouça a sua posição sobre isso". Depois do contato por escrito, ele respondeu: "você pode ser o cão. Não devo satisfação a você, certo? Então corra atrás de coisas que acrescente e não de pequinha [que a reportagem acredita significar pequena], repórter mequetrefe".