Região metropolitana de SP registrou mais de 820 chacinas em 40 anos
Levantamento feito por uma cientista social mostra que casos com mortes múltiplas diminuíram ao longo dos últimos anos
São Paulo|Agência Brasil
A cada ano, pelo menos 20 chacinas ou ocorrências em que são registradas três ou mais mortes são praticadas na região metropolitana de São Paulo. É o que mostra levantamento conduzido pela cientista social Camila Vedovello, que apontou, de 1980 a 2020, a ocorrência de 828 homicídios múltiplos nas cidades que compõem a região metropolitana, que inclui a capital.
Só no ano de 2015, quando ocorreram os episódios conhecidos como chacinas de Osasco e de Barueri, foram registrados ao menos 15 desses casos entre janeiro e outubro em todo o estado. Outros momentos com grande número de chacinas, disse a cientista e pesquisadora, foram em 2006, quando aconteceram os chamados Crimes de Maio, e em 2012.
“Depois de 2006, tivemos o ano de 2009, com 15 chacinas. Em 2012, teve 24 chacinas. Em 2015, foram 19. E aí elas vêm diminuindo ao longo do tempo”, disse Camila, em entrevista à TV Brasil.
Nesse período também ocorreu a maior chacina prisional do Brasil: o massacre ocorrido no Pavilhão 9 da Casa de Detenção do Carandiru, que nesta semana completou 31 anos com saldo oficial de 111 mortos.
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O levantamento feito por Camila Vedovello foi apresentado em sua tese de doutorado, defendida recentemente no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). O trabalho não inclui ainda o massacre ocorrido este ano na Baixada Santista, no litoral paulista, durante a operação Escudo.
“No final de julho, tivemos a operação Escudo, que diversos setores da sociedade estão chamado de chacina. Essa operação Escudo aparece como chacina policial, muitas vezes, nas falas de defensores de direitos humanos e de estudiosos do tema de segurança pública. E temos visto também muitas chacinas ocorrendo na Bahia. Mas há uma diferença porque as chacinas que pesquisei eram, em sua maioria, ocorrências quando os agentes de segurança pública estavam de folga ou fora de serviço. Essa era a ilegalidade. Não existia essa ideia de que uma operação vitimasse tantas pessoas”, disse.
Segundo Camila, as chacinas não são exceção e atingem principalmente jovens negros e que vivem em periferias. “Elas ocorrem em territórios periféricos, onde há maior concentração de população negra. Essas chacinas são feitas em espaços públicos na maioria das vezes, como becos, vielas, ruas e locais de sociabilidade urbana como padarias, pizzarias e bares”. Em geral, elas também ocorrem com mais frequência no período noturno.
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Uma das vítimas de uma dessas chacinas foi Fernando Luiz de Paula, de 34 anos, filho de Zilda Maria de Paula, que hoje integra o movimento Mães de Osasco. Ele, que na época fazia bicos como pintor, estava em um bar quando foi assassinado em 2015.
Em 2017, houve o primeiro julgamento do caso e os sete jurados decidiram condenar os policiais militares Victor Cristilder, Fabrício Emmanuel Eleutério e Thiago Barbosa Henklain, além do guarda civil Sérgio Manhanhã pelas mortes ocorridas nessa chacina. Mas em 2019, a Justiça decidiu realizar novo julgamento para dois dos réus. Nesse novo julgamento, realizado em 2021, os dois réus foram absolvidos.
“Eles me dizimaram. Ele era filho único e não tenho netos”, disse Zilda à TV Brasil. “Meu filho tinha acabado de sair porque estava pintando a casa. No dia em que ele acabou essa parede [da casa dela], eu cheguei do serviço, ele sentou na escada e me pediu para olhar para ver se eu gostava da cor. Aí tomou banho e desceu para morrer. Estava saindo de uma tuberculose”, contou.
Segundo Zilda, antes da chacina, um guarda civil municipal e um policial militar haviam sido assassinados naquela região. “Qual foi a causa [da chacina]? Mataram um PM e um GCM. Segundo a Defensoria [Pública], já havia sido avisado aos batalhões que os caras que os mataram estavam presos. Não sei se foi o poder da farda, não sei, mas [depois] mataram todo mundo. A lei diz que é para prender e não atirar primeiro e perguntar depois. Isso é o que me revolta. E a maior parte desses PMs [que teriam sido responsáveis pelas chacinas] é tudo de periferia”, afirmou.
Zilda disse que seu filho não era ladrão e, que, por isso, não tinha medo da polícia. “Ele tinha muita confiança. Falava: ‘eu não devo nada’. Mas se fosse assim, não tinha inocente morto”.
Após perder o filho, Zilda fundou o Mães de Osasco, repetindo o exemplo do Mães de Maio, outro movimento que surgiu também por causa de chacina. Com esse movimento, Zilda viajou o país. E conheceu outras mulheres, que também perderam seus entes queridos. “Parece que é uma guerra. [Cada vez] aparecem mais mães”.