Saques, incêndio e mortes: trens de carga viram alvo de criminosos em São Paulo
Os sucessivos ataques levaram a PM a desencadear, em janeiro, uma operação especial contra os saques. Ao menos 22 pessoas foram presas
São Paulo|Do R7
Trens de empresas ferroviárias que transportam cargas para o porto de Santos estão sob o ataque de uma rede criminosa que saqueia os vagões e pratica atos de vandalismo. Os alvos principais são vagões com soja, açúcar, carne e combustível. Só no ano passado, ao menos 110 ocorrências desse tipo foram registradas em delegacias da Polícia Civil da Baixada Santista, conforme apurou o Estadão. Os sucessivos ataques levaram a Polícia Militar a desencadear, no dia 20 de janeiro, uma operação especial contra os saques a trens. Ao menos 22 suspeitos foram presos.
Conforme a ANTF (Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários), a ação de criminosos especializados em roubo de cargas vem colocando em risco a segurança da população e causando prejuízos à economia do país. No dia 1º de fevereiro, três vagões da MRS Logística que operavam na malha da empresa de logística Rumo foram incendiados em Embu-Guaçu. A carga de celulose foi rapidamente consumida pelas chamas. Nenhum suspeito foi preso. O incêndio obrigou à interrupção do tráfego na ferrovia e em uma rua adjacente.
No dia 25 de janeiro, dois seguranças da ferrovia — um guarda civil e um policial militar aposentado — foram mortos a tiros ao tentar impedir o saque de uma composição na Vila Esperança, em Cubatão. Três suspeitos foram presos. A morte dos agentes ainda é investigada, pois ocorreu durante um tiroteio em que policiais militares do COE (Comando de Operações Especiais) também tentavam impedir o ataque aos vagões.
No dia 22 de janeiro, um domingo, uma composição que levava açúcar a granel para o porto de Santos foi atacada na área continental de São Vicente. Os saqueadores obstruíram a linha, obrigando o trem a parar, e abriram seis vagões. A carga se espalhou pelos trilhos, atingindo também uma via vicinal à rodovia Padre Manoel da Nóbrega (SP-55). A quantidade de açúcar espalhada chegou a impedir o acesso ao bairro Acaraú. Equipes da Rumo trabalharam cinco dias para retirar o material.
No dia 24, câmeras de monitoramento flagraram dois homens sobre um trem, ao saquear a carga, em Cubatão. Um terceiro suspeito se desequilibrou ao tentar subir no vagão em movimento, caiu e quase foi atropelado. Os outros homens conseguiram retirar sacos de produtos do vagão e jogá-los ao lado da linha férrea. No último dia 30, outro trem foi alvo de criminosos na passagem por São Vicente. Os bandidos abriram os vagões de soja, e toneladas do produto vazaram sobre os trilhos. A composição foi obrigada a parar devido ao derramamento da carga.
Em outubro do ano passado, em Cubatão, uma multidão saqueou um vagão contêiner que levava uma carga de carne bovina para o porto de Santos. O teto metálico da composição foi cortado pelos saqueadores para a retirada das caixas com peças inteiras de carne. O produto procedia de um frigorífico de Rondonópolis (MT) e seguia para o embarque em um navio no porto de Santos. A multidão se dispersou com a chegada da polícia.
Prisões
Desde que as ações se tornaram frequentes, a PM tenta fechar o cerco contra os criminosos. Em 26 de janeiro, na Vila Esperança, em Cubatão, dez criminosos que integravam uma quadrilha de ataques a trens foram presos. Com eles, a PM apreendeu 129 sacas de soja que tinham sido furtadas dos vagões. Na última quarta-feira (1º) um homem foi preso quando transportava sete sacas de açúcar em seu automóvel, também em Cubatão, na Baixada Santista. Ele venderia a carga por R$ 1.200.
No interior do veículo havia também grãos de soja, o que indica que o carro foi usado para escoar os produtos dos saques aos vagões. Policiais que patrulhavam a comunidade Vila Natal desconfiaram do veículo, que tinha a traseira arriada devido ao peso que levava. O suspeito, de 32 anos, foi levado para a delegacia da Polícia Civil e autuado em flagrante pelo crime de receptação. Os saques acontecem também em outras regiões do Estado de São Paulo. No dia 11 de novembro, um casal foi preso em Campinas com 700 litros de diesel furtados do vagão-tanque de um trem parado na ferrovia, em Paulínia. Seguranças da operadora flagraram a ação criminosa e seguiram o veículo do casal. O combustível estava em 14 galões de 50 litros, que foram apreendidos.
De acordo com o guarda municipal Christopher Tuckmantel, outros furtos semelhantes já foram registrados na região. "Os trens param para aguardar o transbordo no terminal de Paulínia, e eles praticam o furto usando uma pequena bomba para retirar o combustível. Eles ignoram o risco de que podem causar um incêndio e até uma explosão", disse.
Em São Joaquim da Barra, no interior de São Paulo, 11 integrantes de uma quadrilha foram presos, sob a suspeita de terem saqueado a carga de soja de um trem parado na altura de Pioneiros, no distrito de Guará. O trecho da ferrovia é administrado pela VLI Logística. Cinco homens foram presos em flagrante por furto qualificado e os demais foram ouvidos e liberados. Na ação, a polícia recuperou 360 sacas de soja, além de uma grande quantidade do cereal a granel, e apreendeu dois caminhões.
Outros estados
Embora, de modo geral, os saques em trens sejam pontuais, há registros de ações criminosas sucessivas também em outros estados. Em Minas Gerais, no período de janeiro de 2020 a março de 2021, foram registrados mais de 400 ataques a trens carregados com ferro-gusa, minério destinado à exportação para a produção de aço. As quadrilhas aliciavam menores de idade para que embarcassem nos trens em movimento e retirassem o material das composições. O minério é produzido em 50 fábricas e levado de trem para o porto de Vitória, no Espírito Santo.
Somente em março do ano passado, motivados pela alta no preço do minério, os saqueadores retiraram cerca de 100 toneladas do produto dos vagões — na época, cada tonelada chegava a valer R$ 4.000. A maioria dos ataques aconteceu quando os trens passavam pelas áreas periféricas de Belo Horizonte, onde ficam instaladas as indústrias. De acordo com a Polícia Militar mineira, ao menos 20 pessoas foram presas após os ataques.
Risco
A Rumo informou, em nota, que os sucessivos ataques prejudicam a operação ferroviária, a segurança da comunidade no entorno da ferrovia e a economia brasileira. "Todas as interferências na linha férrea são registradas em boletim de ocorrência, e a concessionária segue mantendo conversas com a Secretaria de Segurança Pública e com os comandos gerais das polícias Militar e Civil", disse.
Ainda segundo a nota, adicionalmente, a Rumo tem reforçado seu efetivo de segurança, subsidiado as autoridades com informações que possam ajudar nas investigações e ajustado suas operações de modo a reduzir as consequências para seus clientes.
A MRS Logística, que teve os vagões incendiados, disse que, apesar de as ocorrências de furto de carga e vandalismo na ferrovia serem pontuais em sua malha, "diante dos impactos para a logística nacional, acreditamos que as autoridades competentes continuarão atuando para a solução do problema".
A VLI disse que monitora seus ativos para assegurar que as cargas transportadas cheguem a seu destino sem alteração. "Se uma movimentação suspeita é identificada, a Polícia Militar é acionada e, caso alguma ocorrência seja registrada, a companhia colabora com as investigações." A VLI reforçou que ações como essas oferecem risco à segurança ferroviária e às comunidades instaladas no entorno da linha férrea.
Polícia
O Comando do 21º Batalhão de Polícia Militar, com sede em Guarujá, informou que no período de 20 de janeiro a 26 de fevereiro realiza a operação Impacto — Modal Ferroviário, no litoral sul do estado, especialmente nos municípios de Cubatão e Guarujá (área de Vicente de Carvalho), focada na proteção dos trens de carga que se destinam ao Porto de Santos.
Apenas na cidade de Cubatão, entre março de 2022 e janeiro deste ano, foram feitas 46 prisões, apreendidos 48 veículos envolvidos em roubo de carga em trens e recuperadas mais de 77 toneladas de produtos, entre diesel, soja, açúcar e milho. No dia 24 de janeiro, foi desencadeada uma megaoperação, com o apoio do 1º Batalhão de Polícia de Choque (Rota) e do Centro de Aviação da Polícia Militar, que resultou na prisão de dez suspeitos e na apreensão de 129 sacas de soja e galões usados no furto de combustível.
Em Cubatão, o efetivo foi reforçado com policiais militares escalados em jornada extraordinária durante as folgas. "Ressaltamos que é de grande importância a participação da população no que tange à realização de denúncias sobre esses crimes", disse a PM em nota.
A Polícia Civil, por meio da Deic (Delegacia de Investigações Criminais) de Santos, informou que os crimes de furto e roubo de carga dos vagões estão sendo investigados em inquéritos policiais. Nos últimos seis meses, a Polícia Civil prendeu 25 pessoas em flagrante e apreendeu um adolescente, suspeito de participação em crimes dessa natureza. "Além disso, o trabalho realizado em conjunto com a Polícia Militar e Guardas Portuários resultou na recuperação de diversas cargas subtraídas", disse, em nota. Segundo a polícia, as ações de campo prosseguem para identificar e prender outros envolvidos.
Procurado, o Ministério dos Transportes informou que os dados sobre furtos e roubos de cargas ferroviárias são reportados pelas concessionárias aos órgãos de segurança para ações de prevenção e repressão a esses crimes.