Sem shows durante a pandemia, músicos recorrem a aulas online
Redes sociais funcionam como plataforma de divulgação e atraem alunos de outros estados. Até quem não tem instrumento tem aderido aos estudos
São Paulo|Clarice Sá, do R7
Enquanto professores de escolas regulares retomam à distância atividades de disciplinas como português, matemática, história ou geografia, é ao som de timbal, conga, pandeiro, bacurinha, agogô ou cavaquinho que músicos tentam manter o ritmo de trabalho e recompor a renda com aulas online enquanto não é possível fazer shows por conta da pandemia do novo coronavírus.
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Lenynha Oliveira, de 41 anos, que toca com Luedji Luna, e seu marido Rudson Daniel, de 47, da banda de Saulo, realizam por videoconferência as aulas do bloco Tabuleiro, em que ensinam surdo, bacurinha, repique, timbal, agogô e cowbell. “Vai demorar muito pra gente fazer um show pra muita gente, então vamos ter que encarar essa do online”, conta Rudson. O casal tem também uma produtora, que se mantém em movimento nas redes sociais com o Festival Tabuleiro, ajudando amigos músicos a se manterem em evidência neste início de mês.
No entanto, sem apresentações presenciais, a renda do casal despencou e mesmo mantendo a regularidade dos encontros do bloco e o festival, o orçamento ainda precisa de reforço. A aposta deles é no curso online de percussão baiana que, por acaso, começaram a gravar em janeiro, planejam lançar agora em maio e vender para músicos profissionais e amadores.
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Os músicos amadores aproveitam o tempo para aprender a tocar até instrumentos que não possuem em casa. O percussionista Diogo Fernandes, o Presuntinho, de 38 anos, dá aulas de pandeiro para quem, por enquanto, só pode contar com cadernos ou pratos. Ele calcula que, com a quarentena, perdeu 80% da renda mensal. Aos poucos, com a adesão às aulas, conseguiu repor metade do valor.
“As aulas online são minha única fonte de renda como músico nesse momento, e a adesão está sendo boa. Cada vez tenho mais procura. Foi um bom momento para quebrar paradigmas sobre aula de percussão online, pois muita gente ainda tinha um pouco de desconfiança e não sabia se rolaria legal, e super rola”.
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Morador de um prédio na zona sul de São Paulo, um de seus desafios é superar as reclamações dos vizinhos. Os alunos também precisam se adaptar para não incomodar, improvisando para abafar o som sem prejudicar o aprendizado dos instrumentos.
As aulas à distância permitem ainda atender alunos de outros estados, como Minas Gerais ou Rio de Janeiro, que descobriram o novo professor pelas redes sociais. "Acho que vivemos um momento decisivo em nossas vidas, que mudará nossa forma de encarar as atividades e os relacionamentos. A tendência é que o mundo fique ainda mais virtual", conta o professor. Pela internet, ele também oferece serviços de terapia e colabora com projetos sociais de formação musical infantil.
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O uso das redes para divulgação entrou também na rotina de Franklin Santos, de 41 anos, músico há 25 anos. “Tinha uma rotatividade de trabalho muito grande devido aos estilos que toco, as parcerias que eu faço, e mais as aulas. Era muita coisa, eu não parava em casa, ensaios, gravações, aulas presenciais. Era bem corrida minha vida”, conta. Referência quando o assunto é música latina, Santos viu, além da perda dos show, o número de alunos cair de sete para apenas dois. “A renda está absurdamente menor”, diz ele, que já acompanhou João Donato, Funk Como Le Gusta, Jair Rodrigues, Maria Alcina e até o sertanejo Zezé Di Camargo. “O lado bom da coisa é que a maioria dos músicos está estudando muito”, reflete.
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Estudos de pandeiro, cuíca e conga fazem parte da rotina de Gustavo Gothardo, que adotou aulas online para a turma iniciante de pandeiro que atenderia de forma presencial logo após o Carnaval. O formato foi pensado junto com seus cinco alunos e, segundo o músico, “tem se mostrado bastante produtivo”. Ao longo da semana, eles estudam e enviam vídeos, que são comentados na aula semanal de uma hora, toda segunda-feira.
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O atendimento ao longo da semana também entrou na rotina do músico e educador musical, Paulinho Saviani, de 35 anos. Ele indica que, por conta da própria quarentena, os alunos também têm mais tempo para se dedicar aos estudos. As aulas ocorrem uma vez por semana e o contato para tirar dúvidas, receber e enviar vídeos e áudios é constante. Além do trabalho como autônomo, ele se prepara para retomar, também online, suas lições na escola regular onde trabalha.
A redução das atividades no período pós-Carnaval já faz parte do planejamento dos músicos, lembra Gothardo. Ficar sem trabalhar, no entanto, não estava nos planos de ninguém. Financeiramente, ele ainda teria de assumir mais turmas para conseguir recompor integralmente as perdas sofridas na quarentena.
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Com três alunos de cavaquinho, quatro de percussão e organizando um grupo de estudos de roda de samba, Carlos de Sant'Anna Alves, o Negão da Serrinha, também diz que o que ganha hoje é muito menos do que antes da quarentena e que, tanto ele como os próprios alunos, se adaptam juntos à nova realidade. "As pessoas estão muito carinhosas em descobrir esse caminho junto comigo", afirma. "Esse é o momento da gente ocupar a mente, esquecer um pouco esse redemoinho de acordar e passar o dia inteiro dentro de casa só trabalhando e fazendo as mesmas coisas. Arrumar uma válvula de escape é também um objetivo."
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O estado de São Paulo está em quarentena desde o dia 24 de março por conta da pandemia do novo coronavírus. Apenas estabelecimentos de atividades consideradas essenciais continuam abertos. A medida deve começar a ser flexibilizada no dia 11 de maio, mas a recomendação é que as pessoas que puderem, continuem em casa, mantendo o isolamento social. Em todo o estado, até quinta-feira, havia 28.698 casos confirmados da doença e 2.375 mortes.