Sem sossego: festas nas pandemia têm mais de 3 mil queixas em SP
Casas noturnas voltam a funcionar e residências são alugadas para a realização de baladas, deixando os moradores da região sem dormir
São Paulo|Do R7
Faz dois meses que o oftalmologista Rubens Belfort Neto não dorme direito. Uma casa noturna que dá de frente para seu quarto voltou a funcionar de quinta a sábado e virou o principal assunto na reunião de condomínio. Os moradores do prédio já tentaram reclamar no telefone 156 da Prefeitura de São Paulo, registraram boletim de ocorrência, mandaram e-mail para o prefeito Bruno Covas e para o governador João Doria e nada.
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"Tentamos até chamar a atenção com vídeos nas redes sociais, mas não adianta. Piora, porque tem sempre um que comenta: ‘Obrigado pela dica, vou lá'. Esqueceram que estamos na pandemia. Um monte de gente ainda está morrendo e o povo que frequenta a balada parece não ter vergonha desse papelão", disse Rubens.
A Prefeitura informou que recebeu o total de 3.050 reclamações com o termo "festa" durante a pandemia. Os dados são da Secretaria das Subprefeituras, de 23 de março a 18 de outubro.
Segundo o levantamento, 1.244 estabelecimentos foram interditados por descumprirem regras vigentes na quarentena. Desses, 829 são bares, restaurantes, lanchonetes e cafeterias. A multa é de R$ 9.231,65, aplicada a cada 250 m². Atividades com aglomeração, como festas, casas noturnas e shows continuam proibidos em todos os 645 municípios de São Paulo.
Para Belfort Neto, a reclamação enviada à gestão municipal não funcionou. "Liguei e pediram o prazo de 75 dias para vistoriar. E como faço para dormir enquanto isso? Meu vizinho de cima colocou o apartamento à venda por causa do barulho. Não está certo."
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O oftalmologista mora com o filho, adolescente, em um prédio na Alameda Tietê e a casa noturna fica na Rua Augusta, na região central paulistana. Por ser uma região com muitos bares e restaurantes, o médico instalou janelas antirruído para tentar amenizar o barulho. Mas não foi o suficiente. O som grave da música rompe a barreira, ele explica. "Meu filho acaba indo dormir na sala, que fica do outro lado da casa."
O Estadão tentou contato com o dono da casa noturna, que não respondeu até as 15 horas de ontem. A Prefeitura informou que "fiscaliza diariamente os estabelecimentos que excedem o horário permitido pela legislação, com apoio da GCM (Guarda Civil Metropolitana) e da PM (Polícia Militar)".
Treta
No domingo, a casa de shows Treta Bar, em Pinheiros, na zona oeste paulistana, ganhou destaque nas redes sociais por desrespeitar protocolos de segurança determinados pela lei. Os vídeos mostram o local cheio, com pessoas dançando próximas umas das outras, ignorando as regras de isolamento, sem uso de máscaras.
O professor de Direito da FGV (Fundação Getúlio Vargas), Thiago Amparo, questionou pelo Twitter a realização do evento e marcou os perfis de Covas, Doria e da PM. Um dos sócios do estabelecimento, Guilherme Acrízio, se manifestou nas redes sociais ironizando as reclamações: "Se te incomoda fica em casa querido".
Acrízio enviou comunicado ao Estadão no qual informa que a edição da festa Treta aconteceu "em formato de bar, seguindo todas as regras referentes a distanciamento da Organização Mundial de Saúde, onde o público compareceu usando máscaras de proteção e com distribuição de álcool em gel no estabelecimento" informou.
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"Infelizmente na euforia de rever amigos, alguns clientes tiraram as máscaras e chegaram a gravar stories, o que motivou esses tipos de comentários." A nota finaliza informando que a Prefeitura de São Paulo orientou fechar o evento, "o que foi atendido de imediato para evitar problemas maiores".
Festas em casa
As queixas por aglomeração não são restritas às casas noturnas. Como as baladas estão proibidas segundo a lei estadual, residências disponíveis para aluguel também têm sido usadas para realização de festas.
O aposentado Chen Lung Chi, de 79 anos, mora colado a uma residência que já foi alugada três vezes para balada durante a pandemia. Ele vive em uma vila no Brooklin, zona sul de São Paulo. Na festa mais recente, o locatário permitiu aos convidados que estacionassem os carros dentro da vila, pois tinha controle de acesso e a festa invadiu a madrugada.
Chi batia a porta de entrada da casa e berrava para pararem a música. Ele conta que a organizadora tentava argumentar que o barulho era só por uma noite, pedindo que fosse mais flexível. Ainda ironizou o sotaque do morador. Chi veio da China para o Brasil em 1968 e vive na mesma casa desde 1971 com a mulher e um filho. "São 49 anos aqui e nunca tive problema parecido. Agora que não era para estar tendo festas, acontece isso."
A proprietária da casa vizinha mora nos EUA e Chi não tem seu contato. "Eles compraram o imóvel faz uns 20 anos. Moraram por pouco tempo, viajaram e agora colocam para alugar. Ela (a dona) não está nem aí."
Das plataformas de aluguel online, o Airbnb disse que, desde agosto, limitou a 16 o número de pessoas permitido em acomodações reservadas via plataforma. A medida visa a evitar aglomerações. Festas e eventos de qualquer natureza também estão proibidos.
A OLX, por nota, disse que sua plataforma consiste na oferta de espaço para que pessoas possam anunciar e encontrar imóveis. E que a "negociação de imóveis é realizada fora do ambiente do site e do aplicativo e, portanto, a empresa não faz a intermediação ou participa de qualquer forma das transações, que são feitas diretamente entre os usuários." A Viva Real e o Zap Imóveis informaram que fazem apenas locações de longo prazo, portanto não há essa atenção especial com locação para festas.
A PM informou que duas das ocorrências mais registradas no canal de emergência 190 são as de "perturbação do sossego", que vai de música alta a reformas, e "pancadão", que reúne um grande número de pessoas em espaços públicos. No primeiro caso, os policiais militares vão ao local e solicitam que o barulho cesse ou seja diminuído. De janeiro a setembro, na cidade de São Paulo, a PM teve 110.976 chamados. Com pancadão, a PM atua para coibir os encontros que ocorrem, em sua maioria, nos fins de semana. De janeiro a setembro, foram 8.679 reclamações sobre esse tipo de festa em São Paulo.