SP: acesso à internet em bairro rico é 49 vezes melhor que na periferia
Distritos centrais possuem muito mais antenas que as regiões periféricas. Conexão se tornou mais necessária após a pandemia
São Paulo|Guilherme Padin, do R7
Considerado pela ONU (Organização das Nações Unidas) como um direito humano fundamental, o acesso à internet é plenamente desigual em São Paulo. No maior município da América Latina, em que a idade média ao morrer é de 58,9 anos em Cidade Tiradentes e 80,9 no Alto de Pinheiros, a distribuição pode ir de uma a duas antenas de internet móvel por 10 mil habitantes em bairros de periferia a até 49,8 antenas por igual população nos bairros mais ricos.
As informações são do Mapa da Desigualdade 2021, estudo realizado anualmente pela Rede Nossa SP, cuja atual edição é divulgada nesta quinta-feira (21).
A visível desproporção entre os bairros pobres e os mais abastados se repete também nas estatísticas por extensão de cada distrito. No extremo sul da capital, Engenheiro Marsilac possui 0,02 antenas por quilômetro quadrado, enquanto o número varia de 39 a 48 antenas na mesma área nos cinco bairros com melhor acesso.
Em ambos os cálculos realizados pelos pesquisadores — distribuição por população e por área —, estão no topo os distritos mais ricos, que ocupam o chamado centro expandido, como Pinheiros, Sé, Barra Funda, Morumbi, Consolação, Moema, Perdizes e o Itaim Bibi, que ocupa a primeira posição nos dois casos.
Na parte de baixo das duas tabelas, figuram somente bairros periféricos, como Iguatemi, Cidade Tiradentes, José Bonifácio, Grajaú, Parelheiros e Jardim Ângela.
Acesso se tornou ainda mais necessário na pandemia
Problema anterior à pandemia, a falta de acesso à internet agravou durante a crise da Covid-19 desigualdades já existentes. Desde o trabalho, com o home office ou os pequenos negócios, cuja divulgação de produtos depende consideravelmente do meio digital, à saúde física e mental, por causa de teleatendimentos, uma boa conexão se tornou um meio ainda mais necessário para a melhor qualidade de vida.
O impacto mais notável foi na educação, área que teve sua continuidade inteiramente restrita às aulas remotas por quase um ano. Porém, no país, uma a cada cinco pessoas não tem acesso à internet; desse total, mais de 4 milhões são crianças e adolescentes.
Diante da falta de estrutura e das consequências econômicas da pandemia, houve um aumento significativo nas estatísticas de evasão escolar. Em São Paulo, por exemplo, segundo o secretário da Educação, Rossieli Soares, o governo calcula que 35% dos alunos abandonaram os estudos.
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Coordenador-geral da Rede Nossa São Paulo, Jorge Abrahão considera que “a pandemia trouxe outro padrão de relações digitais, e muitas delas vão permanecer. A democratização digital passa a ser uma demanda superimportante”.
De modo geral, como comenta Abrahão, é financeiramente mais interessante para as empresas que as antenas sejam instaladas em lugares mais desenvolvidos economicamente. “Então, cabe ao setor público fazer a mediação, e essa é uma de suas funções: olhar pelo interesse comum e público, até para superar as desigualdades que temos. Não dá pra ser neutro numa sociedade desigual”, prossegue.
Julian Portillo, pesquisador na Universidade Presbiteriana Mackenzie e engenheiro na Nextest, empresa do setor de telecomunicações, avalia que os interesses de mercado e o poder público se atravessam quanto aos porquês do cenário de distribuição desigual da internet em São Paulo. “O investimento das operadoras é um dos fatores, mas não é somente isso”, diz.
O engenheiro pondera que há critérios para o licenciamento e instalação de novas antenas em cada município, e que “o processo de análise e viabilização de construção de novas antenas ou torres feito pela prefeitura é lento”. Assim, prossegue Portillo, a maior oferta de serviços em regiões com menor cobertura depende mais do poder público que das operadoras.
Com pouca estrutura e baixa cobertura, conclui, “as redes nessas regiões ficam congestionadas, refletindo em baixa velocidade ou até mesmo a falta de sinal disponível”.
Falta de conexão exclui moradores do extremo sul paulistano
Distrito paulistano de maior extensão, Engenheiro Marsilac é um símbolo da exclusão digital no município. Os 200 km² põem a região, ocupada por pouco mais de 8.000 habitantes, na posição de exibir a menor proporção de antenas de internet por área (0,02) da capital paulista.
Para driblar as adversidades, a população que vive ali, ao sul de Parelheiros, sabe os horários específicos do dia — e apenas em determinados locais — em que a conexão melhora ligeiramente, e aproveita esses instantes para acessar a rede.
O que já era um problema antes da pandemia se agravou ainda mais após a chegada do novo coronavírus ao país. Com a falta de sinal de telefonia e internet, crianças e adolescentes da região acumularam dificuldades para prosseguir com os estudos e as famílias tiveram problemas até para sacar o auxílio emergencial.
Segundo o engenheiro Julian Portillo, o efeito da falta de antenas “é uma demanda represada de usuários, que especialmente no período de pandemia precisam melhorar sua conexão, a fim de poder estudar e trabalhar, que necessitam de um acesso à internet decente, mas não há oferta suficiente”.
Presidente da organização SOS Marsilac, Luis Eduardo Gomes da Costa relata que é comum a demora no socorro a pessoas que se acidentam ou se perdem na mata ao praticarem ecoturismo, uma vez que nem sempre há sinal para telefonar e pedir ajuda.
“Já teve um rapaz que morreu por não conseguir socorro. A falta de internet na nossa região é um problema muito grave. Como os alunos podem estudar com os tablets do governo se cai a conexão, a ligação? Muita criança ficou para trás nos estudos”, afirma Luis Português, como é conhecido.
Segundo o mandatário da organização de bairro, a falta de conexão se tornou um empecilho àqueles que buscam uma profissionalização ou trabalho.
“Um outro agravante é o emprego: é difícil mandar um currículo, fazer um curso online para aprender uma função. São vários benefícios que a internet daria, e aqui temos a desigualdade social pela internet, que deixa todo mundo para trás. Não tendo acesso, as pessoas ficam excluídas”, diz ele, que conclui: “Falta uma integração entre as pessoas e instituições que podem resolver, pra poder nos ajudar.”
Aprovação de lei gera impasse
Uma solução à distribuição desigual de internet em São Paulo poderia vir do PL 347/2021. A chamada Lei das Antenas visa “adequar a instalação e funcionamento desses equipamentos à legislação urbana vigente no município e às transformações que trouxeram novas tecnologias a São Paulo e ao mundo”, segundo a prefeitura, que propôs seu texto. O PL foi aprovado em primeira votação, e agora aguarda a segunda.
A lei de antenas anterior, datada de 2004 — anterior ao advento do 3G, por exemplo —, era considerada antiquada e restritiva em relação às novas tecnologias do setor, o que impedia avanços no acesso ao meio digital na cidade.
No entanto, o projeto tem sido alvo de embates. Vereadores se põem diante das empresas operadoras de telefonia e internet e requerem que as companhias aceitem a condição de instalar uma antena em regiões periféricas a cada antena posta em locais que já possuem melhor acesso.
“Todos os vereadores e vereadoras são favoráveis à universalização da internet, é óbvio. Mas precisamos ver quais termos serão colocados no projeto das antenas. Se não houver a obrigatoriedade de as empresas fazerem a instalação das antenas na periferia, tudo isso aqui não será válido pra nada”, disse Celso Gianazzi (PSOL), durante sessão plenária em 6 de julho.
Na mesma sessão, Camilo Cristófaro (PSB) alertou que as operadoras pretendem judicializar a lei caso essa condição — de instalação em bairros periféricos — realmente seja posta.
“Se a lei não for feita com cuidado, responsabilidade, ela terá problemas para essa Casa. Não sei por que essa correria para votar a Lei das Antenas. Essa lei é delicada. Essas empresas que comandam a telefonia no Brasil mentiram para a CPI das Antenas durante seis meses”, disse o parlamentar.
Posicionamentos
Em nota, a Prefeitura de São Paulo afirmou que, por meio do programa WiFi Livre SP, a cidade conta atualmente com 1.088 pontos de acesso à internet gratuitos, e a meta é oferecer 20 mil pontos de internet de qualidade e gratuitos até 2024. As empresas interessadas em se credenciar no programa podem encontrar o edital neste link.
A gestão municipal também informa que propôs o PL 347/2021 “para simplificar o licenciamento das antenas de telecomunicações na cidade, especialmente nas regiões mais periféricas”. Segundo a prefeitura, o projeto “busca adequar a instalação e funcionamento desses equipamentos à legislação urbana vigente no município e às transformações que trouxeram novas tecnologias a São Paulo e ao mundo”.
A reportagem procurou a Conexis, antigo SinditeleBrasil (Sindicato Nacional das Empresas de Telefonia e de Serviço Móvel, Celular e Pessoal), para obter uma resposta a respeito dos dados relacionados à desigualdade digital na capital paulista, e também sobre a condição de se instalarem as antenas nos bairros de periferia.
“Dados mostram que, em condições normais, 70% da população se desloca para as áreas centrais das cidades para o trabalho, escola e lazer, o que demanda, proporcionalmente, um número maior de infraestrutura para atender a elevada demanda por voz e dados. O diálogo para o aprimoramento da legislação municipal está avançando positivamente, o que ajudará a ampliação da conectividade e do bem-estar da população”, escreveu a Conexis.