SP em 20 anos: transformações que marcaram a cidade de 2001 a 2021
No dia em que a capital completa 467 anos, resgatamos panorama do início do século e do ano que começa à sombra da pandemia
São Paulo|Cesar Sacheto, Fabiola Perez, Guilherme Padin e Joyce Ribeiro, do R7
Desde 2001, o ano que abriu o novo século, até a década iniciada à sombra da pandemia do novo coronavírus, em 2021, a cidade de São Paulo, que completa 467 anos nesta segunda-feira (25), passou por intensas transformações. Nos últimos 20 anos, a população cresceu 12%. Eram 10.525.367 habitantes em 2001, passando para 11.869.660 em 2021, de acordo com dados da Fundação Seade (Sistema Estadual de Análise de Dados).
Na saúde, o desafio mais recente é vacinar a população e combater a pandemia que até o dia 20 de janeiro já havia provocado 16 mil mortes na cidade. No ano em que começava o novo século, a capital tentava reorganizar o sistema reincorporando o PAS (Plano de Assistência à Saúde) aos SUS (Sistema Únicos de Saúde) e tentando resgatar a confiança dos profissionais no modelo nacional.
Na política, a gestão da capital paulistana começou o século comandada por uma mulher, e viu, ao longo de duas décadas, a representatividade feminina crescer na Câmara Municipal. Sobre a representatividade negra, em 2021 já era contabilizada (sete pretos e cinco pardos), o que não acontecia em 2001.
Ainda não havia Bilhete Único, nem as linhas 4-Amarela e 5-Lilás do Metrô no transporte público há 20 anos. A Linha 2-Verde, era mais curta. Na zona sul, a última estação era a Ana Rosa. Também havia menos corredores de ônibus. A tarifa de ônibus custava R$ 1,40. As do Metrô e da CPTM, R$ 1,60. Atualmente o valor é o mesmo para os três sistemas, R$ 4,40. Havia outdoors instalados nas vias, que ainda não contavam com um sistema de ciclovias. A Virada Cultural e a possibilidade de a cidade abrigar o maior Carnaval do país ainda não estavam no horizonte.
Saúde
Há 20 anos, São Paulo passava por uma difícil transição do modelo de saúde pública. Recém-empossada, a prefeita de Marta Suplicy abandonava o antigo PAS (Plano de Assistência à Saúde), implementado pelo governo de Paulo Maluf, em 1995, para recolocar a capital no SUS (Sistema Único de Saúde). A polêmica troca para um sistema de saúde próprio havia provocado uma debandada de servidores e abalou a credibilidade da secretaria municipal da saúde, conforme explica a professora Ana Maria Malik, coordenadora da FGV (Fundação Getúlio Vargas) Saúde. "Funcionários foram reincorporados anos depois. mas muitos deles tinham perdido a fé", relembrou.
A saúde pública paulistana passou por transformações em razão do crescimento da população, de mudanças no perfil de necessidade da população e da troca de um modelo de administração direta pelos atuais contratos de gestão com organizações do terceiro setor. "Tem coisas ainda no século 19, como a informatização. A questão da distribuição da logística de medicamentos ainda é um problema. Faltam insumos básicos. Precisa melhorar o acesso, a qualidade, a forma de engajamento do funcionário com a secretaria", completou a professora da FGV Ana Maria Malik.
Na pandemia, a cidade viu dois símbolos transformados em hospitais de campanha. O estádio do Pacaembu e o complexo do Ibirapuera abrigaram leitos para pacientes de covid-19. A primeira imunização em território brasileiro ocorreu na capital paulista. A enfermeira Mônica recebeu a primeira dose da CoronaVac no Hospital das Clínicas em 17 de janeiro em operação coordenada pelo governo estadual. A primeira dose da rede municipal foi aplicada no dia 19, na técnica de enfermagem Helen Cristina de Camargo Seixas Pacheco, de 46 anos, no Hospital Municipal Dr. José Soares Hungria, em Pirituba.
Política
Em 20 anos, a Câmara Municipal de São Paulo passou por cinco legislaturas. Em 2001, era dado início à 13ª com 55 vereadores, divididos em 13 partidos. Marta Suplicy (PT) era a prefeita. Em 2021, a 18ª legislatura tem 18 legendas com representantes no parlamento. A maior cidade do país está sob o comando do reeleito Bruno Covas (PSDB).
O cenário político era outro: com o PT bastante fortalecido, lembrando que o ex-presidente Lula iniciou o mandato em 2003. A legenda tinha 16 vereadores em São Paulo, seguida pelo PSDB, com 8 eleitos e o PMDB, hoje MDB, com 6. Em 2021, tanto PT quanto PSDB tem 8 representantes na Casa. Importante ressaltar ainda o surgimento de novos partidos com cargos no Legislativo, como PSOL (6), Podemos, antigo PTN (3), Patriota (3) e Novo (2).
Para Tathiana Chicarino, cientista política da Fesp (Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo), em duas décadas houve uma reconfiguração de poder. "O PT perdeu um pouco do espaço, mas o PSOL, mais plural, ocupa hoje seis vagas na Câmara. Havia uma alternância no poder entre centro-esquerda e centro-direita. Agora não houve essa tendência de oscilação, o que demonstra uma hegemonia e fortalecimento do PSDB em São Paulo no município e no estado", detalha.
Pela primeira vez, candidaturas coletivas têm espaço na Câmara, com Elaine do Quilombo Periférico e Silvia da Bancada Feminista, ambas do PSOL. O fenômeno é novidade no país e ainda não se sabe se o mandato será, de fato, realizado de forma horizontal.
Em 20 anos, aumentou a participação de mulheres eleitas na Câmara, passando de 5, em 2001, para 13 em 2021. Isso se deve a mudanças na legislação eleitoral, que exige 30% de representativade de gênero nos mandatos. O mesmo percentual deve ser agora respeitado com a cota para negros. Não há dados do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) quanto à raça declarada pelos vereadores eleitos em 2001, mas hoje têm mandatos na Câmara sete pretos e cinco pardos, também um amarelo e um indígena. Houve também a chegada de dois transexuais ao parlamento (Erika Hilton e Thammy Miranda).
Chicarino diz que não há equidade de gênero e que as cotas raciais aumentaram a representativade, mas ainda longe do ideal. "Regras legais são importantes, mas não é imediata a mudança no comportamento nas urnas. É preciso o reconhecimento dos eleitores", afirma.
Transporte
Em 2001, o sistema público de transporte de São Paulo ainda não contava com o Bilhete Único. A medida revolucionou a vida dos paulistanos em 2004, na gestão da então prefeita Marta Suplicy (PT). São Paulo foi a primeira cidade brasileira a adotar o sistema integrado de pagamento de tarifas, o que impulsionou investimentos em bilhetagem eletrônica em todo o país. A tarifa de ônibus em 2001 custava R$ 1,40, pago a cada viagem. O valor atual de R$ 4,40 permite quatro embarques em ônibus diferentes, no período de 3 horas.
Em 2021, a rede de transportes em São Paulo funciona assim: a CPTM e o Metrô compõem o sistema sobre trilhos. A primeira desempenha funções mais estruturais e o segundo circula em regiões com maior densidade urbana. "O Metrô teria que ser muito maior, mas tem um custo muito alto. Além disso, as obras são mais pesadas e complexas, por isso não pode ser pensado como uma solução para a cidade", afirma Rafael Calábria, coordenador de mobilidade do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor). "Os ônibus são a rede mais completa, que atende locais de integração com o metrô, ruas e avenidas." Em 2001, não haviam as linha 5-Lilás, que começou a operar em 2002, nem 4-Amarela, inaugurada em 2010, ou a 15-Prata, ativada em 2014.
Outra medida que transformou a mobilidade no transporte público foram os corredores exclusivos para ônibus, que avançaram principalmente entre 2001 e 2016, diz Calábria. Os paulistanos contam atualmente com 129,1 km de 12 corredores, além de 500 km de faixas exclusivas, segundo a SPTRans. Mas, segundo o especialista, o plano de 1969 já previa essa extensão. "Os miolos dos bairros precisam de ônibus, calçadas e bicicletas", diz Calábria. Segundo a CET (Companhia de Engenharia de Tráfego), a capital tem atualmente 566,5 km de ciclovias.
O modelo de financiamento do transporte, baseado na compensação tarifária, é criticado. "Como a empresa recebe por passageiro transportado, tem um incentivo de aumentar o número de passageiros e diminuir os custos", diz Calábria. A posição é endossada pelo professor do Centro de Estudos de Política e Economia do Setor Público da FGV e ex-chefe de gabinete da SPTrans, Ciro Biderman.
"A grande barreira para a evolução dos transportes é que não tem uma estrutura de financiamento do transporte. Precisamos ter uma organização para custear esses gastos. O financiamento é uma grande pedra", avalia. "O modelo de tarifário de concessão é ultrapassado e onera os cofres públicos." Ele afirma ainda que, no Brasil ao contrário de outros países, os gestores públicos não aproveitaram os avanços tecnológicos para imprimir mudanças no sistema de transportes. "As frotas não contam com energia sustentável." Segundo Biderman, na capital paulista seriam necessários 400 ou 500 km de corredores de ônibus. "Alguns coletivos fazem circuito de três a quatro horas, isso é um problema grave que nunca foi solucionado."
O consultor em engenharia de transporte de tráfego, Horácio Augusto Figueira, lembra que na gestão Gilberto Kassab (2006-2008) houve restrição aos ônibus fretados e caminhões, o que aumentou a frota de utilitários e veículos pequenos. "Multiplicaram-se os veículos em circulação, um caminhão passa a ser substituído por várias vans", afirma Figueira. O especialista acredita que uma medida que ajudaria a dar mais fluidez ao trânsito, sobretudo nos corredores, seria a instalação de semáforos inteligentes para ônibus. "Assim eles teriam prioridade e ganhariam velocidades nos corredores."
Entre 2001 e 2021, vimos os protestos de 2013, provocados pelo aumento de R$ 0,20 da tarifa, então a R$ 3. A mobilização política histórica ressoou pelo país como um catalisador de insatisfações políticas. Em meio às manifestações, a gratuidade no transporte público garantida pelo Estatuto do Idoso a quem tem 65 anos ou mais foi expandida para passageiros a partir dos 60 anos. Mas, em 2021, no dia 1º de fevereiro, o benefício chega ao fim.
Apesar das transformações, os especialistas são unânimes em dizer: a cidade foi e ainda é pensada para carros. O desafio para os próximos anos, segundo Calábria, do Idec, é a revisão sobre a forma de investimento de recursos no sistema. Mas, enquanto isso não ocorre, há uma lista de mudanças mais baratas que os administradores públicos devem priorizar: ciclofaixas, faixas para pedestres, pequenas reformas, buracos, bilhetagem eletrônica, corredores exclusivos e redução de velocidade.
Ocupação das ruas
A virada de milênio foi para São Paulo o início de um período de transformação das ruas e avenidas de um município cujos habitantes pouco ocupavam seus espaços públicos: medidas e eventos como a Virada Cultural, a Lei Cidade limpa, o Carnaval regulamentado com os blocos de rua, a abertura da avenida Paulista e o Plano Cicloviário resultaram em mudanças concretas nos hábitos dos paulistanos e na forma como observavam a cidade.
A cada ano, seja a partir de manifestações culturais ou sociais, os locais públicos paulistanos passaram a ser mais ocupados com calendários cada vez mais robustos e repletos de eventos ao longo dos meses – algo que, com as ruas mais vazias devido à pandemia e o cancelamento do Carnaval e outros eventos, não se repetirá em 2021. Professor da FAU-USP (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo) e ex-secretário de Cultura da cidade, Nabil Bonduki aponta a Virada Cultural – com início em 2005, após um exemplo de sucesso no cortejo do ano anterior – como parte fundamental neste processo, e comenta que estes 20 anos foram de “uma mudança muito grande na relação da população com o espaço público, no que se refere à cultura e à sociabilidade”.
“O espaço público, que vinha se desertificando nos anos 80 e 90, passa a ser reocupado pelas pessoas. Isso se relaciona com uma nova política urbana. A população, principalmente os jovens, passou a se encontrar nesses espaços públicos, sobretudo no Centro Expandido. Nesse aspecto, avançamos muito na cidade nos últimos 20 anos”, comenta Bonduki, que destaca como pontuais nesta transição a Lei Cidade Limpa, em publicada em setembro de 2006, o Plano Cicloviário de 2013 e a regulamentação do Carnaval com os blocos nas ruas, a partir de 2014. No cenário pandêmico, a Virada Cultural de 2020 aconteceu de forma online. A avenida Paulista já não fica aberta para pedestres. Em 2021, não haverá cortejos no Carnaval em fevereiro, nem há previsão de data para um possível adiamento da festa.