SP estuda incluir na tarifa de água verba para proteção de mananciais
Pesquisa aponta que 69% da população aceitaria pagar. Medida está em discussão e aguarda parecer da Procuradoria do Estado
São Paulo|Joyce Ribeiro, do R7
O Dia Mundial da Água, criado pela ONU (Organização das Nações Unidas), é comemorado nesta segunda-feira (22). Em São Paulo, está em debate a regulação tarifária da Sabesp, comandada pela Arsesp (Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de São Paulo) e uma das novidades em discussão é que a proteção de mananciais seja um dos componentes da tarifa de água paga pelos consumidores.
De acordo com pesquisa de opinião feita pelo IDS (Instituto Democracia e Sustentabilidade) e o Datafolha, realizada em 11 e 12 de abril de 2019 com 1.024 entrevistados com mais de 16 anos na cidade de São Paulo, 69% dos moradores aceitariam contribuir financeiramente para a preservação de mananciais. A margem de erro é de 3 pontos percentuais e o nível de confiança, de 95%.
Segundo o levantamento, 35% topariam pagar até R$ 5 ao mês pela preservação das fontes, 24% pagariam até R$ 3, outros 24% aceitariam R$ 1 e 17% poderiam contribuir com R$ 0,50. A ressalva é para que houvesse transparência no investimento feito com o dinheiro do contribuinte e que fosse empregado para levar saneamento básico a todos.
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"O modelo de negócio do saneamento básico precisa pensar em cuidar dos mananciais para poder captar, tratar e vender, que é a lógica atual. Para isso, esse valor tem que estar dentro da tarifa. Mas isso não significa necessariamente que a conta vai aumentar. Pode ser da ordem de centavos por m³", afirma Claudio Klemz, especialista em políticas de segurança hídrica da ONG TNC (The Nature Conservancy).
Juntos, o IDS e o TNC defendem que a companhia de saneamento seja responsável por cuidar dos mananciais, já que a água é cara e tem que ser buscada cada vez mais longe para abastecer a região metropolitana de São Paulo, hoje com 21 milhões de habitantes.
Guilherme Checco é coordenador de pesquisa do IDS e destaca que é preciso levar em conta o interesse público e garantir a segurança hídrica. "Saneamento é o segundo maior responsável pelo uso de água no Brasil, só perde para irrigação. O negócio é a água, a matéria-prima que não está no centro da lógica de operação, sendo que ela é um recurso finito, por isso é preciso que na tarifa seja incorporado o cuidado com mananciais", cobra.
Projeções indicam que, até 2035, mais de 73 milhões de brasileiros correm risco de sofrer com desabastecimento de água, em um país que concentra 12% da água doce do mundo. O sistema Cantareira, o maior de São Paulo, está neste mês com a metade de sua capacidade, ainda assim, uma crise hídrica, como a que ocorreu em 2013, foi descartada pela Sabesp.
O armazenamento é importante para enfrentar o período de estiagem e sem a proteção dos mananciais até mesmo a qualidade da água é prejudicada. "A existência da vegetação é essencial para aumentar a infiltração de água da chuva no manancial. As raízes tornam o solo mais fofo e a água entra nos buraquinhos como se fosse uma esponja. Assim o solo alimenta o rio com água mesmo sem estar chovendo", explica o professor de recursos hídricos e saneamento do Mackenzie e da FESP, Antônio Eduardo Giansante.
Proposta em debate
A proposta da TNC e do IDS prevê a inclusão da proteção de mananciais nos custos operacionais da Sabesp. Para isso, haveria um acréscimo no valor da tarifa. A ideia é que a Arsesp defina uma porcentagem da receita da empresa que seria destinada ao programa.
Os valores ainda não foram definidos porque a proposta tem que levar em conta as diferentes categorias de consumidores: residenciais, comerciais, industriais, sem penalizar, por exemplo, os moradores de baixa renda que pagam a tarifa social.
"A proposta parte da revisão das melhores práticas no mundo. Não é uma taxa ou custo. É investimento em segurança hídrica. Representa um aporte financeiro com resultados a longo prazo. Os usuários pagam, mas é um incremento com impacto residual nas contas", garante Guilherme Checco.
O descuido com os mananciais gerou manchas urbanas, com uso e ocupação irregulares do solo, aumento da demanda, poluição das águas por sedimentos e consequente risco de crise hídrica, já que é uma matéria-prima escassa.
É preciso lembrar ainda as mudanças climáticas, como secas prolongadas ou enchentes, e a necessidade de se investir em soluções baseadas na natureza, a chamada infraestrutura verde, como aumento da cobertura florestal e infiltração de água no solo, além das obras de engenharia para captação e tratamento.
Em São Paulo está em curso a revisão tarifária da Sabesp, que é um olhar aprofundado sobre a composição da tarifa de água e esgoto, conduzido pela Arsesp. O processo deve ser concluído em abril. O debate envolveu empresas, especialistas no setor e também a sociedade civil por meio de audiências públicas.
A Arsesp se interessou pela proposta das entidades, mas aguarda um parecer da PGE (Procuradoria Geral do Estado) sobre a iniciativa. Isto porque é preciso definir quais são os custos, em quais áreas serão investidos, como será feito o acompanhamento dos gastos, entre outros.
Só após o parecer jurídico, a sociedade poderá participar do debate em consultas públicas.
Apesar da indefinição de prazos, Claudio Klemz está confiante que ocorra ainda neste ano. "A expectativa é de que passe a vigorar em 2022. É parte do processo a consulta a PGE e existe amplo amparo legal no novo marco do saneamento para que seja um negócio mais eficiente", enfatiza.
O coordenador do IDS defende que haja uma descrição na tarifa do que é cobrado e cumprido. "A tarifa é para água, coleta de esgoto e tratamento. Mas não há prioridade no tratamento e os rios são poluídos com esgoto. Do ponto de vista do consumidor, ele precisa saber o que está pagando, tem um caráter pedagógico. E para o prestador serve para que tenha incentivo em executar os três serviços e assim receber mais", diz Guilherme Checco.
Discussão tarifária da água
Segundo a Arsesp, a estrutura tarifária da Sabesp foi proposta ainda na década de 1970 e revista de forma tímida poucas vezes ao longo do tempo. O regramento atual foi definido por decreto em 1996.
"A revisão da estrutura tarifária tem como objetivo modernizar o modelo adotado, de um lado focando os subsídios na população de baixa renda, garantindo o acesso aos serviços de saneamento por meio da avaliação de sua capacidade de pagamento, o que colabora para universalização do serviço que é essencial para a dignidade humana, e por outro adequando as condições de competitividade dos serviços ofertados pela Sabesp nos segmentos não residenciais", informa a agência em nota.
A tarifa proposta diferencia os custos para os serviços de água, coleta e tratamento de esgoto. A Arsesp também propõe uma tarifa mais reduzida para domicílios vulneráveis, com renda média per capita de até R$ 178 por mês. "A reclassificação levará a um aumento dos atuais 500 mil domicílios beneficiados por tarifas sociais para cerca de 2 milhões de domicílios, com tarifa cerca de 16% mais baixas que as vigentes para os atuais residenciais sociais", ressalta.
De acordo com a agência reguladora, as ações têm como objetivo a universalização do saneamento no estado e, ao mesmo tempo, permitir à Sabesp capacidade de investimento em projetos de até R$ 5 bilhões ao ano.
Modelo de Santa Catarina
Em Camboriú e Balneário Camboríu, em Santa Catarina, os consumidores já estão há anos pagando pelo programa de proteção de mananciais embutido na tarifa. Para isso, foi feito um arranjo institucional entre as duas prefeituras, o Comitê de Bacias, a agência reguladora e a prestadora de serviço. O acordo perpassa diferentes gestões.
"Foi definido que 1,54% da receita bruta operacional é para a preservação dos mananciais. Na conta de água da cidade, isso é da ordem de centavos por m³, mas o retorno do investimento em 30 anos é de 80%. Outros beneficiários podem e devem pagar a conta, como a iniciativa privada. Tem que ser uma visão integrada da sociedade focada nos mananciais", afirma o especialista em políticas de segurança hídrica da TNC.
O projeto rende R$ 800 mil por ano em investimentos. Segundo a ONG, os resultados já são perceptíveis. Hoje são 24 propriedades engajadas, houve a conservação de 1.100 hectares e 70 hectares com a restauração da vegetação nativa.
"A recuperação de funções ecossistêmicas vem a longo prazo. Em São Paulo, o monitoramento teria de ser numa escala muito maior e de forma local, porque Camboriú é uma bacia pequena. A Sabesp não tem que pagar a conta toda, mas deve tomar a liderança para arregimentar parceiros".
O investimento que viria da tarifa seria empregado no aumento da cobertura vegetal e florestal para diminuir erosão e quantidade de sedimentos e assim aumentar a qualidade da água, também incentivo financeiro a pequenos produtores agrícolas para manejo adequado da água e do solo, sem uso de agrotóxicos, e para emprego de novas tecnologias mais eficientes.
Segundo os pesquisadores, a recuperação dos mananciais não significa plantar árvores em todos os lugares, uma vez que seria inviável, mas sim em áreas consideradas prioritárias e já degradadas.
Para Guilherme Checco, a preocupação sempre recai sobre quem paga a conta: "É possível calibrar os valores entre a rede de consumidores. É uma fronteira de inovação no Brasil e as empresas reconhecem a importância. Não é só papo de ambientalistas. Mas ninguém dá cheque em branco. Para ser parceiro e viabilizar o investimento, tem que saber para onde vai".
O outro lado
A Sabesp informou que não comenta o assunto de revisão tarifária porque segue as orientações repassadas pela Arsesp e disse não conhecer a proposta apresentada pelas entidades de meio ambiente.
Já a Arsesp afirmou que realiza um modelo regulatório para implementação de um programa voltado à conservação de mananciais por meio de um fundo com recursos dos municípios conveniados à agência reguladora.
"O processo encontra-se em análise jurídica pelos procuradores do Estado. Assim que o estudo for concluído, ele será apresentado e amplamente discutido com a sociedade", informou o órgão em nota.