SP tem 20% menos água do que em 2013 e terá ainda menos em 2022
Redução dos níveis de armazenamento impacta qualidade da água para consumo humano por risco de proliferação de algas
São Paulo|Joyce Ribeiro, do R7
Com chuvas abaixo do esperado e quatro dos sete reservatórios de água com menos da metade ou 50% de reservação, o risco de uma nova crise hídrica aumenta. Somados, os sistemas produtores de água para a região metropolitana de São Paulo tem hoje 43,1% da capacidade. Em agosto de 2013, o total era de 63%. A preocupação é com as chuvas que também não devem ser tão intensas na primavera e no verão.
"Apesar da criação do sistema São Lourenço e de todas as obras e ações da Sabesp, temos hoje 20% menos água armazenada do que no mesmo período de 2013. Os indicadores estão piores e outros sistemas estão com níveis mais baixos, além do Cantareira. Podemos ter problemas importantes de abastecimento com pouca chuva até abril e depois já começa a estiagem", afirma Pedro Luiz Côrtes, professor de Pós-Graduação em Ciência Ambiental do Instituto de Energia e Ambiente da USP.
Neste sábado (4), o sistema Cantareira, o maior reservatório paulista e o que está em nível mais crítico, tem apenas 36,3% do volume de água armazenada, o Rio Claro (42,8%), Alto Tietê (44,1%) e o Guarapiranga (50,2%). Os melhores índices de reservação são registrados no sistema Rio Grande (73%), Cotia (57,5%) e São Lourenço (57,2%), de acordo com o boletim da Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo).
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O professor lembrou que esta é terceira crise hídrica do século XXI. A última teve início em maio de 2013, mas foi sentida com mais intensidade a partir de janeiro de 2014.
"A crise não vai se resolver nesta primavera e verão. Teremos um volume ainda menor de armazenamento em 2022. A Sabesp deve intensificar a redução de pressão da água, o que não deixa de ser uma forma de rodízio, mesmo que em algumas horas, porque chega a faltar água, e também não deve adotar uma política de bônus", ressalta o especialista.
Segundo ele, a Sabesp não tem intenção de beneficiar quem consumir menos água, como já foi feito no passado, e também não vai suspender os contratos de demanda firme, como os de shoppings e hoteis, que acabam por forçar o aumento de consumo.
Redução de água nos reservatórios
A redução dos níveis de armazenamento nos reservatórios traz também impactos na qualidade da água. Ela ainda poderá ser usada para consumo humano, mas terá de passar por tratamento. Isto porque com menos água, aumenta a temperatura e pode haver proliferação de algas.
O fenômeno costuma ocorrer no sistema Guarapiranga e a água passa a ter um sabor desagradável ao paladar, mas pode se repetir também em outros reservatórios.
A seca ainda atinge a mata do entorno dos reservatórios, o que prejudica o armazenamento de água das chuvas. "O reservatório não é igual uma piscina. Quando o solo está seco, primeiro se hidrata o solo, para depois acumular a água. A recuperação dos reservatórios demora muito mais. Quanto mais baixo o nível, mais lenta a recuperação", explica o professor.
Uma projeção feita pela própria Sabesp mostra que o volume do Cantareira deve ficar abaixo de 20% na metade do ano que vem. Outros levantamentos apontam que isso possa acontecer ainda no final deste ano.
"A interligação de sistemas é útil quando apenas um reservatório fica no nível crítico, como foi em 2013 com o Cantareira. Com mais reservatórios em níveis baixos, haverá dificuldade de um sistema compensar o outro. Se mantivermos os reservatórios em um nível adequado, os prejuízos serão menores", ressalta Pedro Luiz Côrtes.
Crise energética
A reservação de água é importante também para a geração de energia. Em São Paulo, apenas a represa Billings é usada para produzir energia para Cubatão, no litoral sul, por meio da Hidrelétrica Henry Borden. São Lourenço também faz uso compartilhado para produção de energia para a Votorantim. Os demais reservatórios são para abastecimento.
Em épocas de crise, a Billings até poderia ser usada como alternativa de abastecimento, mas há um problema: a qualidade da água, que é poluída, o que torna a medida muito cara.
A Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) anunciou a criação de uma nova faixa tarifária, chamada de bandeira de escassez hídrica. O custo é de R$ 14,20 a cada 100 kWh e deve ficar em vigor até abril de 2022. Isto representa um reajuste de quase 50% em relação à bandeira vermelha patamar 2, até então a mais cara.
A medida foi adotada pelo governo federal para tentar reduzir o consumo de energia e assim evitar um apagão. O impacto só será percebido pelos consumidores a partir de setembro, com a surpresa na conta de luz.
"Tenho receio de que só isso não seja suficiente. O governo já admitiu que estamos em um cenário ainda pior de chuvas do que as previsões. Ainda não atingimos o pior da crise, o cenário tende a se deteriorar nos próximos meses", defende o especialista.
No ano que vem, a crise de energia pode se tornar também uma crise de abastecimento, com interrupção no fornecimento de água e luz.
O governo já negocia soluções com as indústrias. Uma delas seria aumentar a produção nas madrugadas, mas isto encareceria o produto.
As mudanças climáticas indicam cada vez mais períodos longos de estiagem, com chuvas concentradas. O cenário pode ser previsto, com o uso de tecnologias, mas não pode ser modificado.
O envolvimento da população é essencial para que haja redução no consumo. Depois da crise de 2013, a população economiza 12% mais água do que antes. Ainda há espaço para uma economia maior sem prejuízo à qualidade de vida. Este é o desafio.
Sabesp
Em nota, a Sabesp informou que, na estiagem, a queda no nível das represas é esperada e a projeção da empresa aponta níveis satisfatórios até o final do ano, quando são esperadas as chuvas de verão. A empresa garante que não há risco de desabastecimento na região metropolitana de São Paulo, mas reforçou a necessidade do uso consciente da água.
Justificou que o sistema de abastecimento da região é integrado, o que permite transferências conforme a necessidade operacional e exemplificou que todo o sistema opera nesta sexta (3) com 43,3% da capacidade total, nível similar aos 44% do mesmo dia de 2018, quando não houve problemas de abastecimento.
"A companhia vem realizando ações que dão mais segurança hídrica e tornam o sistema mais resiliente, como a ampliação da infraestrutura, integração e transferência entre sistemas, além de campanhas de comunicação para o consumo consciente de água por parte da população. Medidas adicionais às que já são realizadas serão adotadas se necessário, levando em consideração as projeções da Sabesp e o trabalho de acompanhamento da situação", escreveu em nota.
A Sabesp destacou que entre as principais obras realizadas estão a interligação Jaguari-Atibainha e o sistema São Lourenço, ambos em operação desde 2018.
Ainda há uma obra em andamento: a interligação do rio Itapanhaú. O início da operação está previsto para o fim do ano e vai permitir a transferência de 400 litros por segundo do rio para o sistema Alto Tietê. Até julho de 2022, serão, em média, 2 mil litros por segundo.
Sobre a redução de pressão, a empresa afirmou que "a prática é adotada desde a década de 90 com o objetivo de evitar rompimentos de tubulação e vazamento de água. Quando o uso é retomado, a pressão é reajustada. Imóveis com caixa d’água com reservação para ao menos 24 horas, como determina o decreto estadual, não sentem a gestão de pressão".
No entanto, a Sabesp não respondeu questionamentos sobre a possibilidade de oferecer bônus a quem economizar água e nem sobre os cenários para 2022.