Tortura e ameaça: Estado de SP e Fundação Casa são condenados a pagar indenização de R$ 3 milhões
Adolescentes da unidade Guaianazes I foram agredidos e mal tratados entre os anos de 2013 e 2015. Trata-se do maior valor alcançado pela infância e juventude, segundo Defensoria
São Paulo|Fabíola Perez, do R7
Espancamento, chutes, socos, ameaças, xingamentos e agressões. Essas denúncias, recebidas pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo, fizeram o Estado de São Paulo e a Fundação Casa serem condenados a pagar indenização no valor de R$ 3 milhões por tortura e maus-tratos contra dezenas de adolescentes que cumpriam medidas socioeducativas na unidade Guaianazes I, na zona leste de São Paulo, entre os anos de 2013 e 2015.
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A Fundação Casa, informou por meio de nota, que a Procuradoria Geral do Estado recorreu da decisão. A instituição informou ainda que "na época dos fatos, houve uma situação de rebelião e uma contenção", declarou.
De acordo com a Defensoria Pública, que ajuizou a ação civil pública em julho de 2015, o valor é a maior indenização alcançada na esfera da infância e da adolescência no estado. "A importância é de o poder judiciário reconhecer esses adolescentes como sujeitos de direito", afirmou Daniel Palotti Secco, coordenador do Núcleo de Infância e Juventude da Defensoria Pública de São Paulo.
"A decisão reconhece a existência de tortura assim como a omissão do Estado ao deixar de tomar uma atitude naquele momento na unidade. Agora, as providências serão tomadas. O valor cobrado demonstra que não é algo menor, que não mereça esforços do Estado."
O acórdão da decisão do Tribunal de Justiça foi publicado em junho e determina que o valor da indenização por dano moral coletivo deve ser revertido para o Fundo Municipal dos Direitos das Crianças e Adolescentes da capital.
Entre os anos de 2013 e 2015, a defensoria afirma ter recebido diversas denúncias com relatos de espancamentos, socos, chutes, ameaças, xingamentos por meio de familiares de adolescentes internados e com as inspeções realizadas. "Fazíamos vistorias e os adolescentes mostravam marcas no corpo. Os familiares também buscavam os defensores para relatar os maus-tratos".
O dossiê, composto por cerca de 500 páginas que incluem petições, laudos, termos, documentos da Fundação Casa, depoimentos de familiares, laudos de hospitais, revela, entre outras violências, que um dos adolescentes internado na unidade chegou a ficar oito dias internado na UTI (Unidade de Terapia Intensiva) após ter sido vítima de agressão. "Este foi apenas um dos episódios registrados. A tortura era institucionalizada no local", diz o defensor.
Segundo os documentos, havia uma série de rituais e processos criados para humilhar adolescentes que cumpriam medidas socieducativas de internação na unidade. "Na chamada 'recepção', eram feitas sessões de espancamento que duravam até mais de um dia", diz o defensor. "Nenhuma providência foi tomada pela unidade e isso sempre acontecia. Quando os adolescentes eram acusados de qualquer coisa e não abaixavam a cabeça, quando não falavam 'licença senhor', eram submetido a violência física, psicológica e processos de humilhação."
A Fundação Casa afirmou, por meio de nota, que "não tolera qualquer tipo de desrespeito aos direitos humanos, nem de eventuais práticas de maus-tratos de servidores contra adolescentes em atendimento em seus centros socioeducativos."
Em relação aos casos de maus-tratos referentes à unidade de Guaianazes está desativada desde 2021 e que "na época dos fatos, em 2015, houve uma situação de rebelião e contenção. A Corregedoria Geral da Fundação CASA investigou o caso e os servidores foram afastados na época."
Ainda segundo a instituição, a ação apura "se houve excesso nesta contenção, no entanto, o Departamento de Execuções da Infância e da Juventude - (DEIJ) já arquivou o processo administrativo e, na Ação Civil Pública, movida pela Defensoria Pública, a instituição também foi inocentada em primeira instância, antes de ser condenada agora em segunda instância."
A instituição ainda disse que "a orientação para todos os servidores é que se respeitem os direitos humanos e fundamentais dos adolescentes em atendimento, seguindo também as diretrizes do Regimento Interno da Instituição. Hoje temos em todos os Centros da Fundação câmeras e uma central de monitoramento."
Queda nas internações
O número de adolescentes que cumprem medidas socioeducativas de todo o país sofreu uma redução. De acordo com os números do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, realizado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o número de jovens passou de 25.084, em 2018, para 13.684 em 2021, o que significa uma redução de 45%.
"A diminuição no número de adolescentes internados é um dado importante, temos menos apreensões por atos infracionais, mas mostra que o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) vem sendo mais cumprido. A internação só pode ser aplicada em casos excepcionais" afirma Secco. "É importante reconhecer que há uma melhora em relação à internação nos últimos tempos. Estamos longe de poder dizer que a situação está adequada, mas essa decisão é muito importante."
Violência em unidades femininas e masculinas
Embora o número de meninas que cumprem medidas socioeducativas de internalão seja inferior ao de meninos, as violências são recorrentes em todas as unidades. "O sistema todo é estruturado pensando nos homens, o que faz com que as meninas passem, logo de cara, por um processo de invisibilidade além da punição em si", analisa Secco.
Outro aspecto relacionado à punição de meninas é a carga moral que recae sobre elas. "As meninas ficam mais tempo internadas, muitas vezes, pelos mesmos atos que meninos. Elas recebem tratamentos mais rigorosos. Ainda hoje, recebemos denúncias sobre questões relativas à higiene."