Vaticano intervém em mosteiro de SP após denúncias de assédio
Quatro religiosos foram acusados. Adolescentes com vocação religiosa só podem entrar acompanhados dos pais ou responsáveis
São Paulo|Do R7, com informações de O Estado de S. Paulo
As denúncias de assédio sexual contra quatro religiosos do Mosteiro de São Bento, em São Paulo, levaram a mudanças de regras na instituição após intervenção do Vaticano, segundo reportagem do jornal O Estado de S. Paulo. Adolescentes com vocação religiosa que desejam conhecer o local só podem agora entrar acompanhados dos pais ou responsáveis.
De acordo com o Estadão, oito de 12 noviços deixaram o mosteiro desde 2019 em meio à crise.
As acusações, como mostrou a TV Globo, são feitas por dois jovens, que teriam sofrido assédio sexual de religiosos quando ainda eram adolescentes. Os crimes teriam ocorrido entre 2016 e 2018. Os suspeitos foram ouvidos pela polícia e negam as acusações. Três deles foram afastados do mosteiro e um morreu de Covid-19 no ano passado.
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Em 2019, os 32 religiosos do mosteiro foram surpreendidos com a notificação judicial por causa das denúncias. Em seguida, a entidade recebeu uma visita apostólica. Um grupo de monges brasileiros designados pelo Vaticano se instalou no local. Mas, por causa da pandemia, a intervenção só começou em abril deste ano.
"Não foi um inquérito, mas todos foram ouvidos”, disse ao Estadão o monge Hildebrando Brito, membro da direção espiritual do mosteiro. Ele acompanha desde o início a ação dos interventores chefiados pelo frei Evaldo Xavier, da Ordem dos Carmelitas. “O mosteiro ficou congelado desde o início da visita. Todas as áreas têm de passar suas informações. Estamos seguindo com fidelidade as orientações propostas pelo Vaticano”, explicou.
As visitas são controladas em um protocolo trazido pelo interventor. Além de terem o acompanhamento dos pais, agora os jovens são recebidos por um monge específico, que foi designado para recebê-los. Antes, diferentes religiosos estavam aptos a recepcionar os visitantes. Houve também mudanças na hierarquia e trocas de cargo.
Já a rotina dos monges, segundo o monge Brito, pouco mudou. Ele diz também que os casos de assédio são “pontuais" e destaca que as saídas dos noviços foram por vários motivos. “Alguns pensaram que a investigação ia demorar muito, por exemplo. Mas todas aconteceram nesse período de visita apostólica e intervenção”, disse.
“As pessoas não podem confundir o Mosteiro de São Bento, em sua totalidade, com os acusados”, defendeu. “Vamos ficar com essa ferida, um corte, que vai cicatrizar, mas o corpo está saudável. Não existe erro de vivência na casa”, ressaltou o monge.
Pandemia atrasou investigação
Brito explicou ainda que a crise da Covid-19 atrasou a investigação e eventual punição. “As pessoas podem achar que demorou muito, mas nós não estávamos enrolando, como diz a linguagem popular. A pandemia atrasou o processo.” Mesmo assim, ele afirmou que novos casos, se ocorrerem, serão tratados com mais rapidez. "Se acontecer de novo, seremos mais rápidos", disse o monge. “Além disso, precisamos olhar sempre para as vítimas”, concluiu.
Em nota, a Comunidade do Mosteiro do São Bento afirmou nesta terça-feira (7) que nenhum dos membros atuais da comunidade está relacionado às denúncias. Disse ainda que o Mosteiro de São Bento de São Paulo como um todo não deve ser confundido por eventuais desvios praticados por parte de seus ex-membros.
Veja a íntegra da nota:
Com relação às denúncias envolvendo ex-membros do Mosteiro de São Bento de São Paulo, deliberamos, como sempre fazemos, em comunidade, para decidirmos se algum dos nossos irmãos daria entrevista para falar sobre o assunto. Após uma criteriosa ponderação, decidimos não dar um “rosto” para a reportagem pelos seguintes motivos:
1) Nenhum dos membros atuais da Comunidade está relacionado às denúncias.
2) Resta claro que o ente Mosteiro de São Bento de São Paulo como um todo, não deve ser confundido por eventuais desvios praticados por parte de seus ex-membros.
Nesse sentido, respondemos, como comunidade, que:
A Comunidade Monástica, a partir da concretização das denúncias por via de notificação judicial, perplexa e consternada por estar vivendo uma situação impensável dentro de seus propósitos, percebeu que seria fundamental o auxílio da Igreja para poder encaminhar a questão de maneira justa, seja perante Deus, a Igreja e o povo cristão, seja perante a sociedade civil. A Sé Apostólica, tomando conhecimento das denúncias, respondeu com a instituição de uma Visita Apostólica ao nosso mosteiro e consequente afastamento do então Superior. Estabeleceu-se, através deste dispositivo eclesial, a confiança da Comunidade, que colaborou e continua colaborando com as orientações indicadas pela Sé Apostólica.
Estamos seguindo com fidelidade as orientações propostas pelo Vaticano, bem como os protocolos exigidos, seja da justiça civil, seja do direito eclesiástico. Nossa Comunidade Monástica manifesta assim o seu repúdio e intolerância a eventuais desvios de conduta de quaisquer de seus membros, para que esta instituição centenária possa manter e viver seus ideais, sem prejuízos em sua credibilidade e confiança junto ao povo de Deus.
Reiteramos que os membros desta Casa Monástica, denunciados como supostos praticantes de graves desvios de conduta, foram afastados deste mosteiro e da convivência fraterna e respondem, não só perante a lei civil, mas também foram entregues à justiça eclesiástica.
A congregação beneditina do Brasil, através de seu aparato jurídico e acompanhamento espiritual e fraterno respondeu e responde com vigor, constância e firmeza no restabelecimento da paz e esperança nesta casa monástica em São Paulo.
Os monges desta casa puderam perceber a presença fiel constante e generosa e de proximidade fraterna de outros superiores ordinários de outras casas monásticas brasileiras, que se empenharam em restabelecer a ordem e o estado de direito nessa casa. Aproveitamos para agradecer a todos os irmãos de hábito e na vivência de fé pelo constante apoio.
Manifestamos nossa tristeza, mas também nossa solidariedade e pedido de perdão por eventual má conduta desses ex-membros, às possíveis vítimas e aos seus familiares, e reafirmamos nossa confiança no perfeito desenrolar da justiça, seja ela civil, seja eclesiástica.
Nessa perspectiva, apesar da vivência e da vigência de uma situação triste e repugnante, a Comunidade monástica, apesar de fragilizada, vem assegurar a todos os fiéis em Cristo, de qualquer denominação a que pertença, sua inabalável postura de seguir em frente em seus projetos e princípios de vida.
Crendo que tal manifesto responda às perguntas nascentes da inquietação devido às denúncias em processo de investigação, subscrevemo-nos.
A Comunidade do Mosteiro de São Bento de São Paulo.