'7 a 0 diário': profissionais de saúde relatam sobrecarga emocional
Há 4 meses na linha de frente contra o coronavírus, profissionais da área da saúde relatam sintomas de ansiedade e sobrecarga mental
Saúde|Nayara Fernandes, do R7
“Os primeiros dias foram os mais difíceis. Quando a pandemia começou, fui destacada do meu posto de trabalho e colocada para atender na enfermaria de covid-19. Confesso que entrei em uma crise nervosa”. O relato de Sara Pontes, 30 anos, médica clínica no Hospital Municipal de Salvador, não é incomum entre profissionais da área da saúde. Longe da chuva de aplausos virtuais, médicos e enfermeiros na linha de frente contra o coronavírus têm relatado sintomas de esgotamento mental, ansiedade e crises de insônia.
Ao contrário do que a denominação popular de “heróis da pandemia” pode sugerir, a sensação de quatro profissionais entrevistados pelo R7 é de desvalorização e impotência.
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“É um 7 a 0 todo dia”, desabafa Sara, que pediu desligamento da residência em medicina de família e comunidade para focar apenas nos plantões. “Trabalhava quase 60 horas por semana e cheguei a ter um burnout. Sinto uma falta de compromisso e senso de coletividade das pessoas que transgridem a quarentena. É louco sermos aplaudidos enquanto dão uma verdadeira festa em casa.”
Ainda que seja motivo de frustração, observar o comportamento de indiferença ao vírus divide as preocupações com o medo de se contaminar e com o testemunho diário de óbitos pela doença.
Jamile São Thiago, médica plantonista na unidade de saúde Parque São Cristóvão, em Salvado, conta que já chegou a ficar 12 horas sem comer, beber água ou ir ao banheiro por medo de se contaminar ao retirar o Equipamento de Proteção Individual. Desde o início da pandemia, ela chegou a trabalhar em quatro unidades de atendimento diferentes.
“Quando trabalhava na UPA em Feira de Santana, ainda não havia divisão entre pacientes sintomáticos e outros doentes. A cada paciente que chegava, tínhamos que parar tudo, fazer a higienização, trocar avental, máscara e touca. O processo de paramentar e desparamentar o tempo todo era um dos mais estressantes”, lembra Jamile.
A falta de contato físico também contribui com a sobrecarga emocional. É o que conta a médica, que está há quatro meses sem visitar a família e faz sessões de terapia semanais para ampliar sua rede de apoio.
A psicóloga Maria José Carballal é voluntária da rede de acolhimento da Secretaria Municipal de Saúde de Salvador e aponta que as demandas dos profissionais da saúde são diferentes da maioria da população durante a pandemia.
“É uma situação de ameaça de contaminação e sobrecarga de trabalho. Além da intervenção de cuidados, eles também têm que dar conta da intervenção emocional dos pacientes que também estão por conta deles. Isso e a sensação de impotência diante da quantidade de mortos é o que faz a equipe sofrer”, afirma Maria José.
Salário bruto x salário emocional
Jefferson Santanna, 27 anos, é enfermeiro especializado em cardiologia e trabalha na UTI de um hospital de referência na zona oeste da cidade de São Paulo e chama atenção para a desvalorização da profissão.
"A falta de profissionais é algo muito perigoso no sistema de saúde. A carga de trabalho quadruplicou porque as pessoas começaram a se afastar por questões de saúde. Em um dia você está trabalhando, no outro descobre que seu colega que estava ao seu lado durante a noite toda contraiu o coronavírus", desabafa Santanna.
Nos últimos meses, o enfermeiro conta que enfrentou crises de insônia após os turnos de mais de 12 horas. Além das noites mal dormidas, também são observados casos de ansiedade generalizada e desalento.
Apesar da dedicação diária, ele diz que a categoria passa por desvalorizações tanto no que se refere ao "salário bruto" quanto ao "salário emocional".
"Existem projetos de lei que permitiram que o profissional da enfermagem trabalhasse 24 horas com descanso de 12h, ou colocar a enfermagem como um serviço terceirizado na qual o funcionário não teria um respaldo legal trabalhista."
A psicóloga destaca a necessidade de oferecer amparo para quem está em contato direto com pessoas doentes na pandemia. Segundo Maria José, esse profissionais também são uma escuta amorosa para o paciente.
"Oferecer uma escuta privilegiada a profissionais da área da saúde vai além de acolher angústias, mas lidar situações sociais que estão postas, como desemprego, a desvalorização e o luto diário", afirma.