Logo R7.com
Logo do PlayPlus
Publicidade

A cada hora, três brasileiros sofrem amputação de pernas ou pés

Segundo a Sociedade Brasileira de Angiologia e de Cirurgia Vascular, o diabetes é uma das principais causas da amputação de membros inferiores

Saúde|Agência Brasil

Pacientes amputados com diabetes costumam não se adaptar rapidamente a uma prótese
Pacientes amputados com diabetes costumam não se adaptar rapidamente a uma prótese Pacientes amputados com diabetes costumam não se adaptar rapidamente a uma prótese

No período de 2012 a 2021, 245.811 brasileiros sofreram amputação de membros inferiores – pernas ou pés –, uma média de 66 pacientes por dia, o que significa pelo menos três procedimentos realizados por hora.

O levantamento inédito foi feito pela SBACV (Sociedade Brasileira de Angiologia e de Cirurgia Vascular), com base em dados do Ministério da Saúde. Em entrevista à Agência Brasil, o presidente da sociedade, Julio Cesar Peclat de Oliveira, afirmou que “o problema é que, quando a gente compara com os últimos anos, vemos que a situação vem piorando e, coincidentemente, com a pandemia de Covid-19”.

Pela análise dos números, o médico interpretou que muitos pacientes perderam a continuidade do tratamento de doenças crônicas como, por exemplo, o diabetes, que é uma das principais causas de amputação de membros inferiores.

É uma doença crônica, e o tratamento tem de ser crônico, ou seja, não pode ser descontinuado.” Ele explicou que, quando a pessoa é diabética e não faz tratamento adequado nem usa medicamentos, “ela descompensa a doença e fica mais vulnerável aos riscos de, por exemplo, ter uma ferida no pé, que vai infectar e gangrenar, evoluindo para a perda desse membro”.

Publicidade

Peclat de Oliveira afirmou que cerca de 70% das amputações são motivadas por uma pequena ferida ou calo no pé. Por isso, recomendou que o paciente diabético precisa ter disciplina rígida e fazer o autoexame diário, principalmente do chamado pé neuropático, caracterizado pela perda progressiva da sensibilidade.

“De maneira geral, o recado é que preciso fazer o autoexame dos pés, principalmente o paciente diabético.” O médico recordou que muitos pacientes não sabem que são diabéticos. Muitos só vão se inteirar disso quando vão ao consultório tratar varizes, marcam cirurgia, e o médico constata que seus níveis glicêmicos estão nas alturas.

Publicidade

“No mundo, uma em cada cinco pessoas não sabe que tem essa doença. A pandemia nos revelou isso. Muitos pacientes que chegam ao consultório ou aos serviços de urgência com complicações do diabetes só descobrem que a têm após o atendimento”, destacou.

O diabetes é uma doença bastante ligada ao sedentarismo e à obesidade e vem aumentando, progressivamente, em todo o mundo, segundo o médico. Durante a pandemia, iniciada em 2020, as pessoas tiveram menos acesso às unidades de saúde e as doenças crônicas “foram maltratadas por conta disso”. Segundo ele, o tabagismo é outra grande causa de amputações de membros pelo entupimento de artérias.

Publicidade

Alerta

Para especialistas da Sociedade Brasileira de Angiologia e de Cirurgia Vascular, o aumento no número de amputações, durante o período da pandemia, é um alerta para as consequências da suspensão de tratamentos clínicos. “Os níveis estão alarmantes, realmente”, analisou o angiologista e cirurgião vascular. Outros fatores de risco incluem hipertensão arterial, dislipidemia, idade avançada, insuficiência renal crônica, estados de hipercoagubilidade e histórico familiar.

De acordo com a pesquisa, em 2020, quando a crise epidemiológica se instalou no Brasil, a média diária de amputações chegou a 75,64. Já em 2021, o número evoluiu para 79,19/dia. Entre 2020 e 2021, em torno de 56.513 brasileiros foram submetidos ao processo de amputação ou desarticulação de membros inferiores, o que significa uma média mensal de procedimentos de 2.354, em plena crise sanitária. Por dia, esse valor corresponde à média de 77,4 cirurgias.

Entre 2012 e 2021, o número de amputações subiu 56%. No ano passado, foi registrado o maior quantitativo de procedimentos (28.906), ante 18.908 no início da série. Pelos cálculos da SBACV, 2022 deverá mostrar elevação do total de amputações. O levantamento mostra que, pelo menos, 82,44 pessoas foram amputadas diariamente entre janeiro e março deste ano, com média mensal de 2.473 procedimentos.

Por regiões do Brasil, a sondagem apurou que entre 2012 e 2021, o Sudeste respondeu por 42% de todas as amputações efetuadas no país, somando 103.509 pessoas amputadas. Em seguida, aparecem o Nordeste, com 80.124; o Sul, com 35.222; o Centro-Oeste (13.514); e o Norte (13.442). “Os grandes centros têm maior demanda de pacientes e, talvez, unidades de saúde mais bem preparadas”, estimou o presidente da SBACV. Ele destacou ainda que, além do diabetes e do tabagismo, outra causa significativa de amputações de membros inferiores no Brasil são acidentes de trânsito, principalmente quando envolvem motociclistas.

Por unidades da Federação, a pesquisa revela que Alagoas foi o estado que mais apresentou alta no número de amputações (173%,) na comparação entre o início e o fim da série histórica, passando de 182 para 497 procedimentos. Também tiveram crescimento significativo Roraima (160%), Ceará (146%) e Rondônia (116%). Em contrapartida, Amapá e Amazonas foram os únicos estados do país onde se observou queda no período, com redução de 29% e 25%, respectivamente.

Em números absolutos, os estados que mais executaram procedimentos de amputação de membros inferiores no sistema público de saúde foram São Paulo (51.101), Minas Gerais (26.328), Rio de Janeiro (21.265), Bahia (21.069), Pernambuco (16.314) e Rio Grande do Sul (14.469). Já os estados com menor número de registros foram Amapá (315), Roraima (352), Acre (598), Tocantins (1.154) e Rondônia (1.383).

Leia também

O presidente da SBACV salientou que a possibilidade de o paciente sofrer uma amputação de membros inferiores independe da situação socioeconômica dele. “Se não tem aquela atenção em relação a seus pés, pode ser um paciente amputado.” Ele disse que as amputações se dão mais ao nível dos pés e dedos, podendo cortar também todo o antepé, a perna abaixo do joelho e a perna no nível da coxa.

“E sempre que você faz uma amputação é na falência do tratamento clínico ou cirúrgico.” No caso de um tabagista inveterado, com entupimento da veia femoral, por exemplo, se ele vai precocemente ao consultório com queixa de dor quando caminha, o médico consegue vascularizar a perna, leva sangue para o pé e resolve a situação do paciente. “O problema é quando esse paciente não chega nessa fase e procura o hospital público com gangrena no pé. Aí, já não se tem mais o que fazer. [O médico] salva a vida dele fazendo a amputação do pé ou da perna.” Peclat de Oliveira sustentou que tudo em medicina é prevenção. “Se você, ao menor sinal, faz a sua avaliação com um especialista, pode ser, simplesmente, diabetes descompensada de neuropatia.”

Próteses

Peclat afirma que pacientes submetidos a amputações, inclusive no SUS (Sistema Único de Saúde), conseguem ter sobrevida assim como pacientes normais, com qualidade de vida.

O problema é que grande parte dos pacientes amputados são idosos e fumantes, ou seja, não têm uma reserva cardiopulmonar boa e não conseguem protetizar, isto é, se adaptar ao uso de próteses. “Esses pacientes ficam acamados ou em uma cadeira de rodas para o resto da vida. Aí, sim, eles têm sobrevida menor e possibilidade de qualidade de vida péssima. É muito triste a realidade desses pacientes.” O presidente da SBACV acrescentou que a maior diferença do paciente amputado jovem para o crônico é que este não costuma se adaptar rapidamente a uma prótese.

Além de representar um grave problema de saúde pública, o crescimento constante no número de amputações no Brasil traz impactos negativos aos cofres públicos, consumindo parte das verbas em saúde destinadas aos estados. Somente em 2021, foram gastos R$ 62.271.535,96 em procedimentos realizados em todo o país. Entre janeiro de 2012 e março de 2022, considerando a inflação de cada ano, as despesas somaram R$ 660.021.572,69, com média nacional de R$ 2.685,08 por procedimento.

Recomendações

Eliud Duarte Junior, cirurgião vascular titular da SBACV e coordenador nacional da Diretriz do Pé Diabético da AMB (Associação Médica Brasileira), afirmou que algumas medidas podem diminuir os riscos de complicações nos pés de pessoas diabéticas. Alimentar-se de forma equilibrada, praticar atividade física e manter controle da glicemia contribuem para a melhora do sistema vascular como um todo. Duarte Junior recomendou condutas simples que podem ajudar na prevenção do pé diabético, quando incorporadas à rotina:

• Não fazer compressas frias, mornas, quentes ou geladas nem escalda-pés porque, devido à falta de sensibilidade acarretada pela neuropatia, a pessoa pode não perceber lesões nos pés;

• Usar meias sem costuras ou com as costuras para fora, para evitar o atrito da parte áspera do tecido com a pele;

• Não remover cutículas das unhas dos pés, porque qualquer machucado, por menor que seja, pode ser uma porta de entrada para infecções;

• Não usar sandálias com tiras entre os dedos;

• Cortar as unhas retas e acertar os cantos com lixa de unha, mas com muito cuidado;

• Hidratar os pés, porque pele ressecada favorece o surgimento de rachaduras e ferimentos;

• Nunca andar descalço, porque a pessoa pode não sentir que o chão está quente ou que cortou ou feriu o pé;

• Examinar sempre as plantas dos pés e tratar logo qualquer arranhão, rachadura ou ferimento, recorrendo, se preciso, à ajuda de um familiar ou amigo;

• Não usar sapatos apertados ou de bico fino; tratar calosidades com profissionais de saúde; olhar sempre o interior dos calçados antes de usá-los; e enxugar bem entre os dedos após o banho, piscina ou praia.

Exames

O presidente da SBACV sustentou que a ida precoce de pacientes com doenças crônicas a um especialista evita a mutilação. Afiançou que, para os médicos e suas equipes, isso [a amputação] é demonstração de insucesso.

“Faça seus exames regulares com um clínico geral e, ao menor sinal de descompensação com uma doença crônica como diabetes, hipertensão arterial, procure um angiologista ou cirurgião vascular, para que ele também possa orientar da melhor forma possível e evitar um desfecho tão trágico como uma mutilação. Isso não é ruim só para o paciente. Quando vou fazer uma amputação, eu e minha equipe ficamos mal. É uma demonstração de insucesso. É muito bom, por outro lado, quando a gente consegue salvar um membro. A gente odeia fazer uma amputação, mesmo que seja de um dedo. É muito ruim, e aquele paciente vai carregar aquilo para toda a vida.”

Últimas

Utilizamos cookies e tecnologia para aprimorar sua experiência de navegação de acordo com oAviso de Privacidade.