Aplicativos para celular surgem como alternativa para tratar insônia sem remédios
Tecnologia das plataformas utiliza técnicas clinicamente testadas e que combatem diretamente as causas do transtorno
Saúde|Yasmim Santos*, do R7
Em um Brasil onde cerca de um terço da população manifesta quadros de insônia ou dificuldade para dormir, uma nova geração de tratamento feita pelo celular surge como alternativa para ajudar pessoas que desejam resolver o problema muitas vezes sem recorrer a medicamentos.
Estudos recentes realizados pelo Instituto do Sono evidenciaram que 45% dos moradores da cidade de São Paulo relatam sofrer com insônia ou dificuldade para dormir. Além disso, 15% possuem insônia crônica.
De acordo com Dalva Poyares, professora de medicina do sono na Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e médica pesquisadora do Instituto do Sono de São Paulo, entre a população adulta, a insônia é mais frequente em mulheres.
Ainsônia é caracterizada pela dificuldade para iniciar o sono e/ou mantê-lo durante a noite, bem como o despertar precoce pela manhã. Os sintomas devem acontecer, no mínimo, três vezes por semana durante, ao menos, três meses para qualificar um quadro crônico do distúrbio.
Existem diversas consequências relacionadas à insônia crônica, como: maior risco de hipertensão, problemas metabólicos e cognitivos, por exemplo, alteração de memória e de raciocínio a longo prazo, e sintomas de depressão.
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Ansiedade e depressão
A professora explica que a insônia é um distúrbio que causa um estresse prolongado nos indivíduos e exaure o organismo. Durante este período, ela pode contribuir para o desenvolvimento da depressão.
“Uma pessoa que vive durante muito tempo só vivenciando estresse, lidando com estresse, que tem muitos problemas durante muito tempo, tem mais tendência a desenvolver depressão”, acrescenta.
Já o transtorno de ansiedade aparece após o diagnóstico de insônia e pode agravar os sintomas do distúrbio, principalmente quando não é adequadamente tratado.
A relação é chamada de transtornos complementares, que podem surgir devido à presença do outro. Por exemplo, é comum que uma pessoa ansiosa possua episódios de insônia, da mesma forma que o insone pode apresentar sentimentos de angústia ao não conseguir dormir e acabar ficando ansioso.
A insônia pode estar relacionada a qualquer problema de saúde, entretanto pessoas que tomam mais remédios e têm pior saúde física ou mental sofrem mais com a condição. Isto não quer dizer que indivíduos saudáveis não possam desenvolver o transtorno. A solução para ambos os grupos é priorizar uma noite de sono de qualidade.
Tratamento a um clique
O tratamento da insônia possui dois grandes pilares: a via não medicamentosa e a que faz uso de remédios.
Caso seja necessário, os remédios devem ser receitados por um médico, utilizados na menor dose possível e por um período que via depender da gravidade do caso.
A alternativa sem a prescrição de remédios que tem mais evidências científicas é a TCC-i (terapia cognitiva comportamental para insônia), que pode ser realizada de forma virtual ou presencial.
Os aplicativos que se propõem a melhorar a qualidade do sono dos usuários fazem uso desta terapia, que age na reeducação do sono. Os componentes do procedimento incluem instruções para o sono melhor, exclusão de comportamentos desfavoráveis e a reestruturação cognitiva, por exemplo.
As plataformas devem ser validadas cientificamente e oferecer a terapia de forma completa, não apenas com técnicas de relaxamento. A pesquisadora evidencia que estes pontos são essenciais para não intensificar a insônia.
“O problema dos tratamentos que não são validados é que eles não melhoram 100% a insônia, a pessoa vai trocando de modalidade, e a insônia vai se perpetuando”, relatou.
Ainda de acordo com a especialista, a TCC-i pode ajudar a diminuir a necessidade dos medicamentos e, portanto, deve ser aplicada com responsabilidade. Aplicativos como o SleepUp e o Vigilantes do Sono estão cada vez mais presentes neste mercado e atendendo a essa demanda.
SleepUp
O aplicativo SleepUp é uma terapia digital aprovada pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), sendo considerado um software médico. A plataforma acumula 13 mil usuários e possui a jornada completa para o tratamento de distúrbios do sono, principalmente a insônia, guiada por uma inteligência artificial, a Dra. Luna.
O usuário inicia o processo respondendo a sete questionários clínicos, que tratam sobre a qualidade do sono, insônia, sonolência, depressão, crenças disfuncionais e cronotipo (perfil matutino, vespertino ou intermediário).
A partir deles e do diário do sono, em que ele registra todos os seus comportamentos, o paciente entende se as causas do distúrbio são comportamentais ou cognitivas e se há indícios de ele possui alguma doença psiquiátrica que não seja a insônia.
A partir das técnicas de TCC-i, o app divide a terapia em oito semanas – cada uma se refere à jornada que o usuário deve cumprir. Os módulos são progressivos e utilizam métodos que, por exemplo, abordam higiene do sono e modificação de pensamentos disfuncionais.
“A gente começa a trabalhar no pensamento para poder modificar os outros sentimentos completamente, essa é a essência da TCC-i”, informou Renata Redondo Bonaldi, cofundadora e CEO da SleepUp.
O app também combina o tratamento com o MBCTi (mindfulness-based cognitive-behavioral therapy for insomnia), que é a terapia cognitiva baseada em atenção plena. O recurso trata e acalma os pensamentos que atrapalham a pessoa na hora de pegar no sono.
O SleepUp também faz uso da telemedicina e disponibiliza profissionais do sono para humanizar e complementar a jornada da terapia.
Como mais da metade dos usuários tomam remédios para dormir, a plataforma possui um diário de medicamento, para acompanhar o impacto deles nas métricas do sono.
“A gente fez um estudo para entender o quanto a nossa psicoterapia melhora a eficácia e a segurança dos remédios para dormir e detectamos que conseguimos melhorar de forma muito significativa a eficiência do sono, a higiene do sono e o índice de insônia – três métricas muito importantes. Melhoramos em 41% o índice de insônia, em 40% o índice de higiene do sono e em 13 pontos percentuais a eficiência do sono”, relata a CEO.
Em parceria com a Samsung Health e o Google Fit, a plataforma também capta sinais biométricos, como passos e batimentos cardíacos, e, juntamente com testes clínicos e o diário do sono, traça a jornada terapêutica mais eficaz para cada usuário.
O aplicativo possui três planos: um gratuito e dois pagos.
Outro app com características semelhantes é o Vigilantes do Sono. O objetivo dele é auxiliar as pessoas a dormirem melhor, pegarem no sono de forma mais rápida, acordarem menos durante a noite e se sentirem mais dispostas no dia seguinte.
A plataforma também digitalizou a TCC-i, para que ela pudesse ser feita por qualquer pessoa e no período oportuno para ela. O programa, além de contar com um diário do sono, é dividido em conversas de 5 a 10 minutos, realizadas de cinco a seis vezes por semana com a inteligência artificial, Dra. Sônia.
“A Sônia, nossa inteligência artificial, é superinteligente. Dependendo do que você responde, ela vai te jogando para caminhos de conversas que sejam mais interessantes para você, e ela é muito empática”, detalha Lucas Baraças Figueiredo, CEO e cofundador do Vigilantes do Sono.
Todos os processos são baseados em artigos científicos, disponíveis para leitura ao longo do tratamento. Por meio da integração com o aplicativo Apple Health, também são coletados dados biométricos de usuários do smartwatch da Apple.
O indivíduo pode acompanhar a evolução do seu quadro e avaliar as técnicas que realmente estão sendo efetivas para ele por meio de um monitor do sono. Além disso, há a possibilidade de profissionais especializados acompanharem os casos na plataforma.
O desenvolvedor do Vigilantes do Sono afirma que 50 mil pessoas já utilizaram a plataforma.
Além destas relações, o aplicativo une dados objetivos, como a quantidade de vezes que o usuário despertou, e dados subjetivos (disposição ao acordar, por exemplo) para mensurar a eficiência dos seus métodos.
“As pessoas que fazem o nosso programa, nas primeiras duas semanas, conseguem já diminuir em 27 minutos o tempo que elas ficam acordadas na cama – aquele momento em que você não está conseguindo dormir. Aumenta em 17 minutos o tempo total do sono. As pessoas que continuam no programa por até sete semanas diminuíram, em média, 74 minutos o tempo total que ficavam na cama e aumentaram em 59 minutos o tempo total de sono”, relata Baraças.
O aplicativo é pago, mas possui um período de teste gratuito
O que vem por aí?
Mesmo diante dos potenciais benefícios já oferecidos pelos aplicativos, as inovações não param. A cofundadora do SleepUp adianta que a empresa está patenteando o desenvolvimento de uma faixa de eletroencefalograma vestível. O algoritmo já está pronto e a estruturação do hardware está nas etapas finais.
A criação vai permitir a detecção de sinais cerebrais e, portanto, a análise dos estágios do sono. A partir deste reconhecimento o aplicativo poderá, por exemplo, saber se o medicamento usado pelo usuário está, de fato, colaborando com a arquitetura do sono.
Um procedimento que só poderia ser encontrado em clínicas do sono, por meio de uma polissonografia, estará acessível para uso em casa.
“A proposta é trazer justamente esse monitoramento dos sinais cerebrais integrado à terapia digital, com validação clínica”, complementa Renata.
Já o cofundador do Vigilantes do Sono afirma que, em breve, o aplicativo será expandido para tratar também de questões sobre saúde emocional. Além disso, futuramente, a iniciativa irá disponibilizar atendimento com profissionais de saúde diretamente no app.
Junto a estas novidades, o programa recebeu a aprovação de um projeto de mais de um milhão de reais da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), por meio do programa Pipe (Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas), para desenvolver uma tecnologia que seja capaz de captar a apneia do sono – doença subdiagnosticada e que exige exames invasivos para a detecção – apenas com o dispositivo móvel.
Baraças estima que, possivelmente, a ferramenta esteja disponível no ano que vem.
“Esse é um projeto inovador a nível global e ele é baseado ainda em teses de doutorado que predizem que se você tiver alguns dados de mensurações antropométricas [tamanho do seu pescoço, da língua ou distância entre os olhos], conseguimos predizer com maior assertividade se você tem ou não apneia”, informou.
*Estagiária do R7 sob supervisão de Fernando Mellis