Autotestes contribuem para subnotificação da Covid-19 no Brasil
Kits caseiros não têm meios específicos para notificação de resultado positivo, o que faz com que diversos casos fiquem fora do levantamento oficial
Saúde|Hysa Conrado, do R7
Os autotestes de Covid-19 foram regulamentados pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) em janeiro deste ano. A proposta que, em tese, seria viável para ampliar o diagnóstico da doença e facilitar o controle da circulação do Sars-Cov-2 pode estar, na verdade, dificultando o monitoramento da pandemia no país dada a subnotificação de resultados positivos.
Apesar de a agência reguladora exigir que as empresas responsáveis pelos testes indiquem o Serviço Disque Saúde do Ministério da Saúde no produto, não há uma ferramenta que facilite a notificação de resultado positivo, destaca a epidemiologista Ethel Maciel, professora da Ufes (Universidade Federal do Espírito Santo).
“O autoteste no Brasil não é uma política pública, ele só é vendido. Então, isso significa que pessoas com poder aquisitivo maior é que têm acesso a ele. Não foi criado um aplicativo, como outros países fizeram, para a pessoa tirar foto do teste, mandar [o resultado] e assim poder fazer uma notificação de forma mais rápida. A possibilidade de alguém com o teste positivo sair de casa para ir a uma unidade de saúde [que notificará o resultado] é muito pequena”, destaca a especialista.
O vice-presidente da SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia) e chefe da infectologia da Unesp (Universidade Estadual Paulista) em Botucatu (SP), Alexandre Naime Barbosa, explica que os autotestes são como exames de triagem, ou seja, sua realização não descarta a necessidade de procura de um serviço de saúde caso o resultado seja positivo, mesmo que a pessoa esteja assintomática.
“Os autotestes têm que ser entendidos como testes de alerta. Se [o resultado] der positivo, muito possivelmente a pessoa está com Covid, então ela deve procurar a testagem, seja no sistema público ou privado, para confirmar e então haver a notificação. Na bula dos autotestes tem até um telefone para a pessoa ser orientada, mas, na prática, é raridade [quem segue isso]”, afirma o especialista.
O caminho para fazer a notificação parece fácil. O que dificulta o processo é a falta de orientação e campanhas de conscientização sobre a importância do procedimento, seja na embalagem dos testes, seja nos canais oficiais do Ministério da Saúde.
Ao R7, Gabriela Pereira, de 23 anos, conta que chegou a obter um resultado positivo para Covid-19 após realizar um autoteste, mas não sabia que era preciso notificar.
“Li a parte de como eram os resultados e de como fazer, mas [a orientação sobre a notificação] não estava próxima de nenhum lugar, então não estava fácil na bula, nem na caixinha do teste. Eu não lembro nem de ter visto essa informação”, afirma.
A Anvisa disponibilizou um material de 11 páginas com perguntas e respostas sobre os autotestes. Na questão sobre o que fazer caso o resultado seja positivo, a orientação é “se isolar imediatamente para evitar a contaminação de outras pessoas, usar máscara, avisar às pessoas que tiveram contato recente com você para também se testarem e seguir as recomendações do Guia de Vigilância Epidemiológica da Covid-19 do Ministério da Saúde”.
O problema, no entanto, é que o guia mencionado é um documento de 136 páginas com informações técnicas e de difícil compreensão para quem não atua no serviço de saúde, o que o torna inviável como material informativo para grande parte da população.
Além disso, há o risco de o teste não ser realizado corretamente, o que aumenta os riscos de falsos negativos, impedindo o isolamento adequado da pessoa infectada e a quebra da cadeia de transmissão do vírus Sars-Cov-2.
“O autoteste tem muitos pontos positivos [...] mas depende de técnica. Se a pessoa introduzir swab [cotonete estéril] bem no fundo e não colher o material adequado [ou na quantidade correta], não adianta porque não vai conseguir capturar o vírus”, destaca Naime Barbosa.
A subnotificação de casos positivos, mesmo quando não há sintomas graves e o quadro pode ser tratado em casa, dificulta o monitoramento da circulação do Sars-Cov-2 e deixa os serviços de saúde no escuro quanto à realidade da pandemia no país, segundo Ethel.
“Perdemos a capacidade de entender e monitorar rapidamente mudanças no padrão [do vírus]. Do ponto de vista da vigilância, isso dificulta também a resposta do serviço de saúde a esse aumento, como necessidade de ampliação de leitos, de contratações, que muitas vezes o serviço público e privado precisa fazer para receber aquela demanda que aumenta”, explica a epidemiologista.