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Com o calor extremo, encostar desprotegido em calçadas e no asfalto pode ser fatal

Em dias mais quentes de Las Vegas, basta encostar desprotegido alguns segundos em uma calçada para ter uma queimadura de segundo grau

Saúde|Adeel Hassan e Isabelle Taft, do The New York Times

Cresce o número de pessoas com queimaduras graves devido ao contato com superfícies externas Mikayla Whitmore/The New York Times - 11.07.2024

Stephen Cantwell, de 59 anos, se lembra de apostar nas corridas de cavalos no cassino de Las Vegas, de beber tequila para comemorar o que ganhou e de seguir para o restaurante ali perto para comer arroz hibachi. Só que, no meio do caminho, ele desmaiou. Nesse dia, 21 de junho, a temperatura bateu em quase 43°C, mas é provável que o chão sob seus pés estivesse dezenas de graus mais quente.

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Ele conta que ao recobrar a consciência, já no hospital, ficou sabendo que a calçada tinha “fritado” sua pele, mesmo sob as roupas, causando queimaduras de segundo e terceiro graus em dez por cento do corpo – um dos braços, um dos ombros, a nádega esquerda e parte da perna. “É uma dor medonha”, diz ele, embora esteja se recuperando bem depois de duas semanas de tratamento no Centro Médico Universitário de Las Vegas.

Com a mudança climática elevando as temperaturas de verão cada vez mais, por períodos cada vez mais longos e com cada vez mais gente se mudando para as cidades em rápida expansão do sudoeste dos EUA, cresce o número de pessoas com queimaduras feias devido ao contato com superfícies externas. Segundo os especialistas, em alguns casos chegam a ser tão extensas que podem ser fatais.

Em 2022, o Centro de Queimaduras do Arizona do Centro Médico Valleywise, em Phoenix, maior da região, recebeu 85 pacientes ao longo da estação; no ano passado, quando a cidade foi castigada com 31 dias seguidos de temperaturas acima dos 43°C, esse número subiu para 136, dos quais 14 morreram. Este ano, já tratou 50 pessoas, com quatro óbitos. “A queimadura que acaba levando à morte não é a que causa bolhas nos pés, mas sim aquela que cozinha o organismo, literalmente. E, normalmente, quando alguém encontra a pessoa, ela já entrou em falência múltipla de órgãos”, explica Clifford C. Sheckter, cirurgião e pesquisador de prevenção às queimaduras da Universidade Stanford.


Stephen Cantwell sofreu queimaduras de segundo e terceiro graus após desmaiar na calçada Mikayla Whitmore/The New York Times - 13.07.2024

A onda de calor que atingiu o Sudoeste na semana passada estará se dirigindo para o leste nos próximos dias, com previsão de disparo das temperaturas no Centro-Oeste entre domingo e segunda, superando os 37°C em cidades como Kansas City, no Missouri. Mais além, em Nova York, elas devem chegar a 35°C na terça, embora a umidade cause uma sensação térmica de pelo menos três graus a mais.

Apesar disso, nenhum outro lugar registra tantas queimaduras por contato quando o Sudoeste, desértico, castigado pelas altas temperaturas e pelo sol inclemente. Mesmo sem onda de calor, Las Vegas deve superar os 42°C na segunda-feira.


Cidades escaldantes

De acordo com as estatísticas populacionais, Phoenix é o centro de crescimento mais rápido dos EUA, e a Grande Las Vegas recebeu mais de 300 mil pessoas na última década. Crescem as cidades, aumentam os riscos: o asfalto, grande culpado pelas queimaduras por contato, absorve cerca de 95 por cento da radiação solar, e cobre boa parte da paisagem urbana. “Tem mais cobertura, mais concreto e, consequentemente, mais possibilidades de ocorrência desse tipo de queimadura”, confirma Sean Collins, assistente do comando da brigada de incêndio para emergências médicas do condado de Clark, onde fica Las Vegas.

Por exemplo, quando a temperatura do ar em Las Vegas chega a 46°C – como aconteceu durante os sete dias da semana passada –, a da calçada pode alcançar 71°C. Com essa intensidade, basta um contato de apenas alguns segundos para resultar em uma queimadura de segundo grau, e de terceiro depois de dois ou três minutos. Nos casos mais sérios, chega a afetar os músculos sob a pele e até os ossos.


Segundo os médicos, entre os mais suscetíveis estão os idosos, cuja pele é normalmente mais fina e têm propensão a quedas; as pessoas em situação de rua, não só expostas aos elementos, mas também normalmente lidando com algum tipo de dependência, o que pode comprometer os movimentos e o nível de atenção; e as crianças, que não têm consciência do perigo ou simplesmente não o levam em consideração.

Os sem-teto respondem por 15 por cento dos casos no Centro de Queimaduras do Arizona. Barry Hayes, de 68 anos, vive nas ruas de Phoenix há três anos, e conta que conhece mais de uma pessoa que se feriu com o calor da calçada depois de uma overdose. “O cara senta, ou dá um passo, dois e bum!, se estatela. Muitas vezes fica tão chapado que, mesmo caído na calçada quente como está hoje, não acorda.”

Legalmente cego e usuário de fentanil, ele diz que, no verão, procura ficar na sombra o maior tempo possível. “Mas é difícil achar uma área verde. É praticamente só concreto, está tudo pavimentado.”

John Steinbeck, comandante do Corpo de Bombeiros do condado de Clark, em Nevada, também confirma que a maioria das vítimas de queimaduras causadas pelo asfalto em Las Vegas é de sem-teto. “Muitos desmaiam sobre a superfície escaldante, mas não acordam. Só que o processo continua.”

Syed Saquib, diretor médico de um centro de tratamento de queimaduras, disse que um ou dois pacientes com queimaduras superficiais são internados diariamente no verão Mikayla Whitmore/The New York Times - 13.07.2024

Há casos também em que a pessoa perde a consciência por causa da desidratação ou porque sofre uma convulsão, explicam os médicos e as autoridades. Quem é diabético tem uma sensibilidade limitada na parte inferior das pernas e não percebe que os pés estão feridos quando anda descalço.

A Associação Norte-Americana de Queimaduras confirma que 40 por cento desses pacientes acabam precisando de cirurgia para remoção do tecido danificado e cobertura da área com enxerto. A recuperação de alguns exige várias semanas de internação. “Com um pouco de cuidado, quase todas essas ocorrências são evitáveis. O melhor mesmo, se possível, é evitar sair nas horas mais quentes, sempre avisar alguém aonde está indo ou sair com companhia. E se manter hidratado, claro, é superimportante”, ensina Kevin Foster, diretor do Centro de Queimaduras do Arizona.

c. 2024 The New York Times Company

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